Socialista Morena
Cultura

70 anos do cantor Sérgio Sampaio, 23 anos de sua morte: uma entrevista em Brasília em 1993

Eu, que sempre fui fã de Raul Seixas, encontrei seu amigo e parceiro Sérgio Sampaio em junho de 1993, quando atuava como repórter de Cultura no Jornal de Brasília e ele, após dez anos quieto, fazia uma miniturnê na capital federal e em Vitória, no seu Espírito Santo natal. Menos de um ano depois, ele […]

(O cantor e compositor Sérgio Sampaio nos anos 1970. Foto: arquivo pessoal)
Cynara Menezes
17 de maio de 2017, 16h22
(O cantor e compositor Sérgio Sampaio nos anos 1970. Foto: arquivo pessoal)

(O cantor e compositor Sérgio Sampaio nos anos 1970. Foto: arquivo pessoal)

Eu, que sempre fui fã de Raul Seixas, encontrei seu amigo e parceiro Sérgio Sampaio em junho de 1993, quando atuava como repórter de Cultura no Jornal de Brasília e ele, após dez anos quieto, fazia uma miniturnê na capital federal e em Vitória, no seu Espírito Santo natal. Menos de um ano depois, ele faleceria, aos 47 anos, vítima de uma pancreatite.

Se estivesse vivo, Sérgio teria feito 70 anos em abril passado. Na segunda-feira, 15 de maio, completaram-se 23 anos de sua morte. Em Vitória, acontece uma exposição em sua homenagem, em cartaz até o próximo dia 25 de maio: Sérgio Sampaio 70, Eu Sou Aquele que Disse.

Digitei e adaptei a entrevista para vocês conhecerem um pouco deste grande artista da música brasileira, considerado “maldito” apenas porque não se deixou seduzir pela fama. Clique aqui para visitar o site oficial de Sérgio Sampaio.

***

Discreto retorno*

Sérgio Sampaio volta a botar o bloco na rua. Meio discretamente, é verdade. Longe dos holofotes há pelo menos dez anos (seu último show na cidade foi justamente em 1983), mas voltado para apresentações no Nordeste, o cantor e compositor capixaba deixou o sossego da casa em Patamares, orla de Salvador onde mora há quase três anos para uma miniturnê com shows em Vitória e Brasília. E diz que a popularidade foi um “equívoco” em sua vida.

“O sucesso foi da canção, não meu”, explica Sérgio Sampaio. O ano era 1972, e o cantor, após cinco anos no Rio, primeiro como locutor de rádio e depois como músico, estourou nas paradas com Eu Quero É Botar Meu Bloco Na Rua, classificado no Festival Internacional da Canção. “Eu não pretendia aquilo, não estava preparado para aquela loucura de segurança, avião, hotéis, shows consecutivos”, diz Sérgio. “Eu queria ser como o Caymmi, vir devagarzinho. Raul, sim, almejava a popularidade”, conta.

Foi Raul Seixas quem fez Sérgio Sampaio abraçar de vez a carreira musical. Sérgio era um anônimo qualquer (“anônimo até de mim mesmo”, fala) quando entrou na sala de Raul na CBS  o maluco beleza era produtor da gravadora  para acompanhar no violão um garoto que queria ser cantor. Raul disse que era preciso uma música forte para lançar um cantor novo. Sérgio cantou Coco Verde. Raul pediu outra. Só para Sérgio, num canto, falou: “volte amanhã”.

Do encontro resultou uma forte amizade e até um disco, Sociedade da Grã-Ordem Kavernista, junto com o transformista Edy Star e Miriam Batucada, uma combinação esdrúxula que fez mais polêmica do que propriamente sucesso. (De todos os envolvidos no disco, só Edy Star está vivo; Miriam morreu com a mesma idade de Sérgio, um mês depois dele.) Chegou-se a comentar que Raul teria produzido o disco à revelia da gravadora e acabou sendo demitido. “Isso é invenção”, garante Sérgio Sampaio. É verdade que tudo que um ou outro aprontou a partir daí  ou levou fama era sempre alvo do comentário: “Vocês dois…” Mas o desligamento da CBS só aconteceu no ano seguinte, a convite da Phillips, para onde Raul foi como produtor de Sérgio.

Alguns ódios uniam a dupla: a raiva dos pais, por exemplo. “Eu tinha raiva do meu porque era violento e Raul do dele porque era pacífico”, conta  curiosamente, uma música composta pelo pai de Sérgio, Cala a Boca, Zebedeu, integra seu repertório. Com o roqueiro baiano, chegou a compor duas músicas, Quero Ir e Cowboy 73. Esta última, gravada por Raul muitos anos mais tarde, virou Cowboy Fora-da-Lei, sem crédito para a co-autoria. “Raul esqueceu”, perdoa Sérgio. Segundo ele, a primeira parte de Gita é de Plínio, irmão de Raul, e ele também esqueceu de dar crédito. “Ele falou: ‘Plininho, eu sabia que conhecia essa música de algum lugar'”, lembra.

Nos últimos anos de vida de Raul, Sérgio Sampaio só se comunicava com ele por telefone. “Estive na casa de Raul um ano antes de ele morrer e havia muita decrepitude pro meu gosto”, explica Sampaio. “Eu me interesso pela vida, não pela morte.” Até por isto, evita participar da idolatria post-mortem em torno do maluco beleza, e não canta músicas de Raul em seu repertório, restrito às composições próprias de maior sucesso, como Viajei de Trem, Meu Pobre Blues e Que Loucura, O Ciúme, de Caetano Veloso, Cabelos Brancos, de Herivelto Martins, e Como É Grande o Meu Amor Por Você, de Roberto Carlos.

“Roberto é um gênio”, elogia Sampaio, conterrâneo do Rei e do escritor Rubem Braga: também nasceu em Cachoeiro do Itapemirim, mas jura que só canta Meu Pequeno Cachoeiro em reuniões muito íntimas. O cantor considera um “ranço provinciano” as críticas negativas ao trabalho de Roberto Carlos. “Precisou Caetano gravar Fera Ferida para as pessoas reconhecerem que a música era boa”, reclama. “Não se pode alijar o que Roberto fez só porque seus últimos discos são ruins.”

O incrível de tudo é que o compositor que pediu para “botar para gemer” se diz um homem de coração triste  e aí se encontra com o ídolo, o poeta Augusto dos Anjos. Pior ainda: Eu Quero É Botar Meu Bloco na Rua foi escrito num momento de absoluta tristeza! Quem conta é Sérgio Sampaio. “Eu me sentia só, num apartamento enorme e estava superabalado com o acidente no viaduto Paulo de Frontin, onde morreu um monte de gente”, lembra. “Na verdade, a música foi adaptada para o trio elétrico, mas é tristíssima. Uma vez até falei para Waly Salomão que não entendia como uma música tão triste podia tocar no Carnaval. Ele respondeu: ‘E quem disse que o Carnaval é alegre?'”

*Texto publicado originalmente no Jornal de Brasília em 17 de junho de 1993.

 

Bônus: um minidocumentário sobre Sérgio Sampaio dirigido por Nayara Tognere.

 

 

 

 


Apoie o site

Se você não tem uma conta no PayPal, não há necessidade de se inscrever para assinar, você pode usar apenas qualquer cartão de crédito ou débito

Ou você pode ser um patrocinador com uma única contribuição:

Para quem prefere fazer depósito em conta:

Cynara Moreira Menezes
Caixa Econômica Federal
Agência: 3310
Conta: 000591852026-7
PIX: [email protected]
(9) comentários Escrever comentário

Os comentários aqui postados são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião da Socialista Morena. Todos as mensagens são moderadas. Não serão aceitos comentários com ofensas, com links externos ao site, e em letras maiúsculas. Em casos de ofensas pessoais, preconceituosas, ou que incitem o ódio e a violência, denuncie.

nilton de souza moraes em 22/09/2017 - 10h20 comentou:

sou primo de sergio sampaio

Responder

nilton de souza moraes em 22/09/2017 - 10h21 comentou:

itapeba,maricá,rj

Responder

nilton de souza moraes em 22/09/2017 - 10h23 comentou:

dona maria de lurdes irmã de perycles de moraes tio de sergio sampaio meu pai

Responder

Joao Evangelista de Paula Filho. em 28/02/2018 - 15h12 comentou:

todo ser humano ligado às idéias de Sérgio Sampaio, certamente tem reserva de responsabilidades, sobras de compromisso humano e autenticidade. Só agora sei dos movimentos para promoção da obra de Sampaio. Ainda hoje sito nos grupos de contestações esse “CARA”! Por favor, quero estarem contato com vocês! abraço. João.

Responder

Marcos Alves Costa em 23/09/2019 - 20h34 comentou:

Bom saber mais um pouco da obra desse gênio da musica,poucas pessoas conhecem a história dele.
Parabéns pela iniciativa!!.

Responder

Luiz Hespanha em 12/01/2020 - 22h58 comentou:

Soa clichê dizer que Sérgio Sampaio continua sendo um artista à frente do seu tempo. Continua sim…Porque Sérgio está vivo e canções como “Brasília”, “Rosa púrpura de Cubatão”, “Cruel”, “Polícia, bandido, cachorro e dentista” e todas as outras que fez são provas de vida de sua eternidade.

Responder

Suely Maria de Oliveira em 11/02/2021 - 14h50 comentou:

Gostaria de vídeos dele nos últimos anos de vida

Responder

Luan Lima em 27/03/2022 - 08h12 comentou:

Sérgio Sampaio é um dos grandes gênios da música popular brasileira. É triste saber que, assim como Augusto dos Anjos, Van Gogh, Franz Kafka etc., não teve o reconhecimento que merecia em vida.

Responder

Marli Soares de Oliveira em 19/06/2022 - 10h42 comentou:

SEMPRE GOSTEI DA MUSICA MESMO SEM ENTENDER HOJE ENTENDO EU QUERO E BOTAR MEU BLOCO NA RUA

Responder

Deixe uma resposta

 


Mais publicações

Cultura

A televisão, por Eduardo Galeano


  I Era um pulgueiro dos subúrbios, o mais barato que havia em Santa Fé e em toda a República Argentina, um galpão mambembe que caía aos pedaços, mas Fernando Birri não perdia nenhum filme…

Cultura

Fotografia: a melancólica fauna urbana de Maneco Magnesio


A difícil e fascinante arte de bisbilhotar pessoas desconhecidas com a câmera –e às vezes ter que fugir correndo delas