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Donos da bola: a geração latino-americana que não aprendeu a perder

Por Rafael Holanda Barroso, de Quito* Com a proclamação de vitória do socialista Lenín Moreno (Alianza PAÍS) neste domingo, o Equador se soma a outros países da região em que a oposição de direita se recusa a aceitar o resultado da eleição e coloca em xeque o espírito democrático da América Latina. Com 99% dos votos […]

Da Redação
04 de abril de 2017, 17h36
leninmoreno

(O presidente eleito do Equador, Lenín Moreno. Foto: divulgação)

Por Rafael Holanda Barroso, de Quito*

Com a proclamação de vitória do socialista Lenín Moreno (Alianza PAÍS) neste domingo, o Equador se soma a outros países da região em que a oposição de direita se recusa a aceitar o resultado da eleição e coloca em xeque o espírito democrático da América Latina.

Com 99% dos votos consolidados, Lenín obteve 51.16%. O opositor, Guillermo Lasso (Alianza CREO — Suma), 48.84%. A vitória de Lenín era esperada pelas pesquisas de opinião que foram feitas durante a semana. No entanto, três dos quatro institutos de pesquisa que fizeram boca-de-urna apontavam para a vitória da oposição, mesmo que apertada.

Foi o suficiente para que o próprio candidato derrotado e uma multidão de apoiadores tomassem as ruas da capital Quito, dizendo se tratar de uma fraude eleitoral, a exemplo do que fizeram no primeiro turno.

Mesmo sem provas contundentes que baseiem essas alegações, a oposição equatoriana deslegitima o resultado apresentado pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE) e auditado por comissões da Unasul, Parlasul, OEA e outras instituições internacionais, perfazendo um total de mais de 240 observadores. A vitória de Lenín já foi reconhecida pela própria OEA, cujo secretário-geral Luis Almagro cumprimentou o presidente eleito pelo twitter.

Além dos “bolivarianos” Bolívia e Venezuela, os governos da Espanha, El Salvador, Paraguai, Costa Rica, Uruguai, Argentina, Colômbia, Peru e Chile também fizeram questão de cumprimentar Lenín Moreno.

Mas a oposição continua esperneando. O roteiro implementado é conhecido, é o mesmo feito no Brasil, quando Dilma Rousseff ganhou de Aécio Neves em 2014 por uma margem muito pequena de votos: os tucanos e seus eleitores não aceitaram a derrota democrática, falaram em fraude eleitoral e depois se juntaram ao PMDB e outros partidos de centro-direita para fazer a usurpação de poder e de linha política por meio de um golpe parlamentar, desrespeitando o resultado das urnas.

O mesmo havia acontecido com Nicolás Maduro, que obteve apertada vitória sobre o opositor Henrique Capriles, na Venezuela, em 2013. Exatamente como ocorre no Equador agora, a oposição foi às ruas de Caracas apresentando denúncias superficiais e falando em fraude. Na eleição legislativa, os anti-chavistas conseguiram sólida maioria, o que impede Maduro de governar até hoje.

No Paraguai, em 2012, Fernando Lugo, também de esquerda, sofreu um processo de impeachment em 24 horas, mesmo sem concretude nas acusações, com o mesmo modelo de golpe parlamentar implementado no Brasil.

 

Geração que não sabe perder

Este padrão demonstra que há uma geração na América Latina que não sabe lidar bem com derrotas. Fica ainda pior com a formação das chamadas “bolhas sociais”, em que as pessoas interagem mais com pessoas que pensam igual a elas, diminuindo a capacidade de perceber e entender o outro. É a geração do: “ninguém pensa diferente de mim, apenas milhões”. Como diz Zygmunt Bauman:

“O diálogo real não é falar com gente que pensa igual a você. As redes sociais não ensinam a dialogar porque é muito fácil evitar a controvérsia.”

A frustração está muito presente. É uma geração que chega tão cheia de si nas disputas, que não consegue lidar com o fracasso, ou com a simples opção de não ser um sucesso.

No contexto das campanhas eleitorais ainda existe um fator crescente que devemos analisar. É o crescimento dos chamados alternative facts. O termo foi usado pela comunicação do governo Donald Trump (EUA) para defender a opinião do multimilionário mesmo com a abundância de dados e provas que contradiziam o que era dito.

O poder dessas narrativas fabricadas convence muita gente, principalmente nos interiores dessas bolhas sociais e em contextos polarizados, onde o oponente democrático se torna inimigo desta bolha. Qualquer informação, mesmo sem lastro, inverossímil ou estrategicamente criada, vira automaticamente verdade e arma para alvejar o inimigo. É a vez da pós-verdade.

Vejo essa realidade muito forte aqui em Quito. A oposição ao governo Correa raramente foca em contradições claras do governo. O debate político, que poderia ser rico, construtivo e efetivamente controlar as ações governamentais ou gerar uma mudança positiva, acaba se tornando mais uma esfera de compartilhamento de ódio, muitas vezes racial e de classe, e de proliferação de mentiras e propostas contraditórias.

Um exemplo é o debate sobre o ingresso no ensino superior público, onde eleitores do oposicionista Lasso criticam as medidas de Correa, pedindo mais acesso e pedindo que se acabe com as difíceis provas das universidades. Lasso prometeu acabar com a prova, para alegria da plateia, mas em nenhum momento disse que aumentaria vagas ou facilitaria o acesso. Pelo contrário, disse que diminuiria o investimento público em educação.

O nível baixa bastante quando analisamos as denúncias de fraude no processo eleitoral por aqui, que até agora não encontrou respaldo em evidências ou testemunhos concretos. O uso deliberado dos alternative facts tomou conta dos discursos dos líderes, jornais e eleitores da oposição, que de forma irresponsável inflamam o país. Questionar o processo é legítimo, mas quando vira uma cultura permanente de não reconhecer resultados democráticos, seguindo dizendo-se vencedores, percebemos o autoritarismo por trás do comportamento.

É possível listar vários líderes em ascensão que, como Lasso, sabem se aproveitar dessa nova cultura política, não se aprofundando sobre as prioridades programáticas ou planos, mas surfando no tema da vez e falando o que as pessoas da sua bolha querem ouvir.

Enquanto metade da população comemora o coroamento da década ganada, fazendo referência aos dez anos da chamada revolução cidadã de Rafael Correa, que incontestavelmente garantiu avanços sociais e sobretudo estabilidade política e econômica em um país marcado pelas frequentes trocas de presidente, Constituição e até de moeda, a outra está frustrada e não aceita o resultado democrático. A oposição, por mais que não seja maioria, cresceu na Assembléia, e pode construir consensos em pontos críticos do governo da Alianza PAÍS.

Para essa geração da direita equatoriana a hora agora é de superar a frustração e perceber a própria limitação em convencer um país que é muito maior do que a bolha da elite branca equatoriana. Vencer a primeira fase do luto, que é a negação, e conhecer o seu próprio país, seu povo, sua história, para aí sim conseguir desenhar um outro futuro. Esse deveria ser o esforço de toda essa geração.

 

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