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Cultura

A televisão, por Eduardo Galeano

  I Era um pulgueiro dos subúrbios, o mais barato que havia em Santa Fé e em toda a República Argentina, um galpão mambembe que caía aos pedaços, mas Fernando Birri não perdia nenhum filme ou cerimônia que era celebrada na escuridão daquele grandioso templo da infância. Nesse cinema, o cinema Doré, Fernando viu uma […]

Cynara Menezes
13 de abril de 2015, 09h13

 

(Ilustração de Quino)

I

Era um pulgueiro dos subúrbios, o mais barato que havia em Santa Fé e em toda a República Argentina, um galpão mambembe que caía aos pedaços, mas Fernando Birri não perdia nenhum filme ou cerimônia que era celebrada na escuridão daquele grandioso templo da infância.

Nesse cinema, o cinema Doré, Fernando viu uma vez uns episódios sobre os mistérios do Egito Antigo. Havia um faraó sentado em seu trono na frente de um poço. O faraó parecia adormecido, mas com um dedo enroscava a barba. Nisso, abria os olhos e fazia um sinal. Então o mago do reino pronunciava um esconjuro e as águas do poço se alvorotavam e se incendiavam. Quando as chamas se apagavam e as águas serenavam, o faraó se inclinava sobre o poço. Ali, nas águas transparentes, ele via tudo o que naquele momento estava acontecendo no Egito e no mundo.

Meio século depois, evocando o faraó e sua infância, Fernando teve uma certeza: aquele poço mágico, onde se via tudo o que acontecia, era um aparelho de televisão.

II

A televisão mostra o que acontece?

Em nossos países, a televisão mostra o que ela quer que aconteça: e nada acontece se a televisão não mostrar.

A televisão, essa última luz que te salva da solidão e da noite, é a realidade. Porque a vida é um espetáculo: para os que se comportam bem, o sistema promete uma boa poltrona.

III

A tevê dispara imagens que reproduzem o sistema e as vozes que lhe fazem eco; e não há canto do mundo que ela não alcance. O planeta inteiro é um vasto subúrbio de Dallas. Nós comemos emoções importadas como se fossem salsichas em lata, enquanto os jovens filhos da televisão, treinados para contemplar a vida em vez de fazê-la, sacodem os ombros.

Na América Latina, a liberdade de expressão consiste no direito ao resmungo em algum rádio ou em jornais de escassa circulação. Os livros não precisam ser proibidos pela polícia: os preços já os proíbem.

IV

Rosa Maria Mateo, uma das figuras mais populares da televisão espanhola, me contou essa história. Uma mulher tinha escrito uma carta para ela, de algum lugarzinho perdido, pedindo que por favor contasse a verdade:

– Quando eu olho para a senhora, a senhora está olhando para mim?

Rosa Maria me contou, e disse que não sabia o que responder.

V

Nos verões, a TV uruguaia dedica longos programas a Punta del Este.

Mais interessadas nas coisas do que nas pessoas, as câmaras chegam ao êxtase quando exibem as casas dos ricos que estão de férias. Estas mansões ostentosas se parecem aos mausoléus de mármore e bronze no cemitério de La Recoleta, em Buenos Aires, que é a Punta del Este de depois.

Pela tela desfilam os eleitos e seus símbolos de poder. O sistema, que edifica a pirâmide social escolhendo pelo avesso, recompensa pouca gente. Eis aqui os premiados: são os usurários de boas unhas e os mercadores de dentes bons, os políticos de nariz crescente e os doutores de costas de borracha.

A televisão se propõe a adular os que mandam no rio da Prata, mas sem querer cumpre uma função educativa exemplar: nos mostra os picos culminantes e neles dilata a breguice e o mau gosto dos triunfantes caçadores de dinheiro.

Debaixo da aparente estupidez, existe a estupidez verdadeira.

(de O Livro dos Abraços, editora L&PM, 2006. Tradução Eric Nepomuceno) 


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(5) comentários Escrever comentário

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Danilo Mendes em 14/12/2012 - 20h11 comentou:

Com a última frase do texto me veio em mente a revista Caras. Nada mais brega que a revista Caras. A cultura Ilha de Caras. Mostrar o burguês bebendo champanhe na banheira. Sub celebridades com olhar blasé em cima da cama. Peruas de de cabelos de boneca abraçadas a poodles. eca!! Depois o "diferenciado" sou eu, a Classe C.

Acho que fugi um pouco do tema Televisão, Ahh a televisão, essa me deixou burro, muito burro demais.

Responder

    morenasol em 15/12/2012 - 03h07 comentou:

    acho que não fugiu, não, danilo. é por aí mesmo. o mesmo tipo de gente. punta del este é a cara de caras.

Cícero em 15/12/2012 - 04h09 comentou:

Concordo com o autor do livro, porém, com o advento da internet e, sobretudo, com o desenvolvimento das redes sociais, a Televisão, especialmente a TV aberta, vem perdendo espaço.

Veja-se, por exemplo, o vídeo a seguir.
http://www.youtube.com/watch?feature=player_detai

Portanto, hoje a Televisão já não exerce nas pessoas a mesma influência que exercia há 30 anos atrás.

Além do mais, a grande maioria de jovens e crianças passam, quase o dia inteiro, na frente de um computador ou falando ao celular… Para essa galera, a TV passou a ser uma exceção.

Responder

Messias Macedo em 16/12/2012 - 16h02 comentou:

A INCIVILIDADE [SERVIL] TRANSVESTIDA DE EMPÁFIA! ENTENDA

… Sistematicamente, todas as vezes que o *Alexandre Garcia 'trata da Lei do Meios o faz destratando' (sic) os limites da análise tendenciosa, atrofiando a discussão a um reducionismo criminoso – procedimento covarde, leviano, desonesto e, sobretudo, deliberadamente capcioso!… Simplesmente, o tal jornalista preconiza que a Lei dos Meios significa tão somente o cerceamento da liberdade de expressão, o cerceamento da liberdade de expressão (idem sic)!…
… Qualquer pessoa dotada de boa fé – ainda que em tese discorde, pelo menos a priori, do referido democrático e civilizatório [a Lei dos Meios] – tem o dever de estudar melhor o assunto, compreender a dimensão da temática, identificar interpretações equivocadas – muitas das quais movidas por interesses inconfessáveis das [nefastas] oligarquias… Dirimir dúvidas, enfim…
Sinceramente, causa-nos profunda irritação e dor ouvir estas declarações sendo proferidas diuturnamente por (de)formadores de opinião, que apostam no terrorismo das bravatas e na falta de discernimento da maioria da população brasileira!…

… A DIREITONA [eterna] OPOSIÇÃO AO BRASIL precisa admitir a necessidade de uma urgente – ainda que mínima -, digamos, **'reciclagem'!… As elites brasileiras não deveriam insistir no absurdo de [estupidamente] continuar ‘desprezando as próprias ignorâncias!', lembrando o enunciado lapidar do eminente escritor e pensador humanista uruguaio Eduardo Galeano…

… Com toda a humildade: Magnífica presidente Dilma Rousseff, não nos faça sentir inveja da presidente Cristina Kirchner!… É óbvio que o encaminhamento das discussões acerca da imperiosa Lei dos Meios em nosso país deverá ter um rito próprio, um curso baseado em nossas experiências democráticas, ouvindo todos os segmentos direta ou indiretamente envolvidos no debate salutar – incluindo, é claro, desde os barões da "grande" mídia nativa até os consumidores dos diversos conteúdos das múltiplas formas de mídia…
*o mesmo ex-porta-voz da ditadura militar, 'ditabranda' [militar] segundo os Frias 'da folha de São Paulo'!
**'reciclagem': utilizando termo caro ao discurso do [DEMo]tucano José (S)erra!…

Por fim… Ou melhor, 'por início':
[Lei de Meios promove a liberdade de expressão, diz juiz.
A sentença do juiz Horacio Alfonso é taxativa e afirma que não há argumentos para declarar a inconstitucionalidade da Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual, como pretendia o grupo Clarín. Alfonsi conclui sua decisão dizendo que “as restrições à concentração” não implicam “um prejuízo à liberdade de expressão” e enfatiza inclusive que um regime que articula os direitos dos operadores, ao invés de cercear a liberdade de expressão, está promovendo essa liberdade e não a cerceando.
(…)

em http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/lei-de-me

EM TEMPO DE ALVÍSSARAS!: parabéns aos responsáveis pela conspícua e radicalmente democrática casa cibernética, blog 'viomundo'!…

AVANTE POVO BRASILEIRO!… E veremos quem tem 'a farinha da verdade no saco'!… E não deveremos deixar de considerar o seguinte provérbio hindu: 'Toda a verdade deixa de ser uma verdade quando ela é uma verdade.'

Hasta la Victoria Siempre!

Saudações democráticas, progressistas, civilizatórias, nacionalistas e antigolpistas,

BRASIL (QUASE-)NAÇÃO
Bahia, Feira de Santana
Messias Franca de Macedo

Responder

Messias Macedo em 16/12/2012 - 16h39 comentou:

No mundo de Murdoch
Mídia

A mídia é o único poder que tem a prerrogativa de editar as próprias leis

Arrisco a dizer: o relatório Levenson é a mais corajosa e serena crítica aos abusos e malfeitos da mídia contemporânea. O relatório é tão destemido em sua ousadia como a Areopagítica de John Milton ao pregar a liberdade de impressão em 1644, no auge da Revolução Inglesa.
(…)

Por Luiz Gonzaga Belluzzo
em http://www.cartacapital.com.br

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EM TEMPO: qual ‘jornalista amigo(a) dos patrões barões da grande MÉRDIA nativa’ irá desqualificar a análise do economista Luiz Gonzaga Belluzzo, tachando-o de reacionário xiita fundamentalista, além de torcedor do ‘Parmeira’ do José (S)erra?!…

Lei dos Meios JÁ passou da hora!…

EM TEMPO: Magnífica e intrépida presidente Dilma Rousseff, não nos faça sentir inveja da presidente Cristina Kirchner!…

BRASIL (QUASE-)NAÇÃO
Bahia, Feira de Santana
Messias Franca de Macedo

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