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Direitos Humanos

Assassinatos de quilombolas sobem 350% em 2017; o que diz o candidato que os atacou?

Bolsonaro disse que quilombola "não serve nem para procriar" e que, se eleito, "não vai ter um centímetro demarcado para quilombola"

Criança brinca no quilombo Pitanga dos Palmares/Caipora, em Simões Filho, Bahia. Foto. Paula Froes/GOVBA
Da Redação
10 de outubro de 2018, 18h57

“No dia 24 de março de 2017, três pistoleiros entraram na casa do casal Sr. Jurandir e Sra. Maria Rosa, lideranças do quilombo Marobá dos Teixeiras, localizado no norte do estado de Minas Gerais. O casal foi vítima de tortura e tentativa de envenenamento. Sr. Jurandir foi amarrado a um poste de energia elétrica e torturado a golpes de porrete, socos e chutes. Sra. Maria Rosa foi igualmente torturada e obrigada a ingerir um líquido que ela acreditava ser chumbinho. Em seguida, ainda amarrada, injetaram em seu braço uma substância desconhecida.”

Este é um dos 18 assassinatos de quilombolas ocorridos em 2017 e narrados na publicação Racismo e Violência Contra Quilombos no Brasil. Lançado na semana passada em Brasília, o documento sistematizou as violações decorrentes de criminalizações, ataques, ameaças e violências (incluindo assassinatos) entre 2008 e 2017 e suas relações com os quilombos e territórios quilombolas. O número de mortes de quilombolas no ano passado representa um aumento de 350% em relação ao ano anterior, 2016. Segundo o texto, o crescimento “revela uma mudança de conjuntura política e social que agrava o risco da manutenção dos modos de vida e da sobrevivência dos quilombos no país”.

Jurandir foi amarrado a um poste e torturado a golpes de porrete, socos e chutes. Maria Rosa foi igualmente torturada e obrigada a ingerir um líquido que ela acreditava ser chumbinho. Em seguida, injetaram em seu braço uma substância desconhecida

“As várias situações de violência que fomos capazes de mapear com essa pesquisa são reveladoras do estado de vulnerabilidade em que os quilombos se encontram atualmente, dando indicações do tipo e dos níveis dos ataques à vida, às relações culturais, às identidades, aos meios de subsistência e à posse sobre os territórios”, afirmam Selma Dealdina e Givânia Silva, integrantes da CONAQ (Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras e Rurais Quilombolas), uma das instituições responsáveis pela publicação, ao lado da ONG Terra de Direitos, em parceria com o Coletivo de Assessoria Jurídica Joãozinho de Mangal e a Associação de Trabalhadoras e Trabalhadores Rurais da Bahia.

O trabalho envolveu pesquisa documental do acervo da CONAQ, de notícias em jornais, redes sociais e outras publicações, além de técnicas específicas de amostragem. “Com essa pesquisa, conseguimos perceber o nível de desumanização presente nas mortes da população negra. Uma das grandes dificuldades foi a de encontrar os sujeitos com os seus nomes (muitas pessoas são enterradas com apelidos), mostrando o quanto o processo de extermínio das vidas negras não importa. Por isso, as fontes mais importantes que encontramos foram as famílias”, disse Gilvânia. “Não estamos falando apenas de uma morte qualquer, estamos falando de corpos e vidas que se colocam em defesa do território.”

A maior parte dos assassinatos de quilombolas (68,4%) ao longo dos anos aconteceu por armas de fogo. Foi dessa forma que mataram Raimundo Silva, o “Umbico”, de 57 anos, liderança do quilombo do Charco, no Maranhão. Na manhã do dia 12 de abril de 2017, Umbico foi emboscado e alvejado com quatro tiros nas costas, desferidos por uma espingarda popularmente conhecida como “Bate Bucha”, quando voltava para casa após buscar a aposentadoria da mãe. O dinheiro da aposentadoria foi encontrado em seu bolso, descartando-se a possibilidade de latrocínio.

Ao contrário do que afirmou o candidato Jair Bolsonaro em abril do ano passado, que os quilombolas “não fazem nada”, o quilombo do Charco, como todos os quilombos, subsiste graças à agricultura familiar. No Charco, que existe há cerca de 150 anos, se plantam mandioca, arroz, milho e batata, mas até  até 2008 um fazendeiro que afirma que o quilombo está em sua propriedade, ficava com parte da produção a título de pagamento do foro. Indignados com a situação, os quilombolas foram à Justiça, solicitando que o fazendeiro comprovasse que de fato detinha a posse das terras, o que não aconteceu, e a cobrança deixou então de ser feita. Desde então, a violência se intensificou e os quilombolas do Charco passaram a sofrer ameaças, culminando no assassinato, em 2010, de Flaviano Pinto Neto, presidente da associação de moradores.

Em 2014, a Anistia Internacional chegou a organizar uma petição para exigir do ministério do Desenvolvimento Agrário que garantisse a imediata titulação das terras. Segundo a Anistia, a falta de titulação deixa os quilombolas do Charco –cerca de 130 famílias– em situação de “extrema vulnerabilidade”. Em 2015, a então presidenta Dilma Rousseff assinou o decreto de desapropriação do território do quilombo, mas foi afastada do cargo pelos golpistas antes que o processo fosse concluído.

O que acontecerá com os quilombolas se Bolsonaro, que disse que eles “não servem nem para procriar” e que no seu governo não haverá nem um centímetro de terra para quilombola ou indígena, ganhar a disputa pela presidência da República?

“Depois do impeachment da presidenta Dilma Rousseff, o acirramento da política de austeridade e de seus impactos
sobre os direitos humanos levou à redução dos valores para pouco mais de três milhões em 2017 e menos de um milhão de reais para o ano de 2018. Essas reduções ocorrem em um contexto em que os processos administrativos
de titulação, pouco a pouco, e lentamente, chegam à fase de desapropriações”, diz o documento.

O que acontecerá com os quilombolas se o candidato Jair Bolsonaro, que disse que eles “não servem nem para procriar” e que no seu governo não haverá nem um centímetro de terra para quilombola ou indígena, ganhar a disputa pela presidência da República? “Pode ter certeza que se eu chegar lá não vai ter dinheiro pra ONG. Se depender de mim, todo cidadão vai ter uma arma de fogo dentro de casa. Não vai ter um centímetro demarcado para reserva indígena ou para quilombola”, disse o candidato de extrema-direita diante de uma platéia no Clube Hebraica, no Rio.

 

 


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