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Direitos Humanos, Maconha

Direto na mente: conheça o clube de boxe chileno turbinado com cannabis

Enquanto aqui no Brasil o ministro da Justiça do governo ilegítimo sonha ridiculamente em “erradicar a maconha na América do Sul”, no Chile, onde é permitido plantar para consumo próprio até seis plantas da erva desde 2015, surgiu um clube de boxe turbinado com cannabis. Assim como muitos lutadores de UFC, o treinador da academia […]

Cynara Menezes
16 de janeiro de 2017, 21h44
boxemaconha

(Fotos: Pablo Muñoz/The Clinic)

Enquanto aqui no Brasil o ministro da Justiça do governo ilegítimo sonha ridiculamente em “erradicar a maconha na América do Sul”, no Chile, onde é permitido plantar para consumo próprio até seis plantas da erva desde 2015, surgiu um clube de boxe turbinado com cannabis. Assim como muitos lutadores de UFC, o treinador da academia Boxing & Weed (que é médico) aponta as vantagens de dar uns jabs, cruzados e ganchos chapado. Direto na mente.

Leiam, traduzi para vocês do jornal chileno The Clinic.

***

Por Matías Burgos, no The Clinic

É sexta à noite em Curicó, a 192 quilômetros de Santiago, no Chile, e o quintal de um pequeno ginásio recebe os alunos que chegam para o treino de boxe. Alguns alongam e conversam enquanto se forma o círculo ritual do início da aula, para o qual Edgardo, 35 anos, dono de um growshop (loja de sementes e outros itens para autocultivadores), acaba de enrolar dois baseados grandes e cheirosos. “Esta é Mazar, uma variedade índica potente e com efeito ideal para fazer exercícios”, diz, antes de dar uma tragada profunda. Com o blues de Muddy Waters soando ao fundo, o treinador dá as instruções para esta sessão, parando apenas para dar uma bola e passar os baseados entre os alunos. Quando já não restam nem as pontas e sobram as risadas, ele anuncia, em alto e bom som: “Chega, agora todos para o aquecimento!”

Com esta cerimônia começam os treinamentos de Boxing & Weed, o clube esportivo e social fundado há seis meses por um grupo de curicanos que adora lutas e fumar maconha. Seu líder é Felipe Goren, 30 anos, médico e boxeador amador desde os 19 anos, que até agora arregimentou 20 homens e quatro mulheres que seguem o seu método ao pé da letra. Administradores, agrônomos, estudantes universitários e uma advogada são alguns dos membros do clube que se reúne quatro noites por semana e cujas idades flutuam entre os 18 e os 54 anos.

No Chile, desde julho de 2015 é permitido plantar até seis pés de cannabis em casa para consumo próprio. Em outubro do ano passado, a legalização do autocultivo foi mantida em nova votação na Câmara dos Deputados. Também está permitido o plantio de maconha com fins medicinais. A venda continua proibida.

“É a mistura perfeita entre um esporte de contato e a tranquilidade para enfrentar o oponente com reflexos e desenvoltura. Fumar não só te ajuda a superar o cansaço durante os primeiros 20 minutos de aquecimento como também te mantém concentrado em aprender os aspectos técnicos durante a aula”, conta Felipe, supervisionando os movimentos de seus alunos. Ele explica que a maconha age de forma muito similar aos opioides, semelhante a um relaxante muscular, estimulando o sistema nervoso parassimpático e causando um estado de relaxamento corporal que permite controlar melhor a respiração, a pressão sanguínea e as batidas do coração.

Em 2014, cansado de não achar uma academia de boxe que lhe agradasse, Felipe se instalou com um par de amigos no pátio de sua casa para treinar escutando heavy metal enquanto fumavam. Correndo, perceberam que chapados conseguiam continuar trotando durante quilômetros sem parar, então decidiram integrar os becks ao treino. “Com maconha nos treinamentos, a superação está na resistência para romper a barreira da dor, isso é o que te permite chegar mais longe”, diz o clínico-geral sobre a teoria que continua atraindo adeptos na cidade. Dos oito que começaram o clube, agora são 24 e seguem recebendo gente.

Durante as aulas, o heavy metal é lei e Slayer soa alto no reduzido espaço ocupado pelos 14 alunos que vieram desta vez. A primeira parte do treino é um extenuante circuito de exercícios de aquecimento: trote curto com saltos, 10 flexões de braços e logo levantar-se rápido para repetir, sem parar. Olhando de fora, não se notam sinais de que os alunos estejam sob o efeito de alguma substância, mas as pupilas dilatadas de seus olhos vermelhos mostram um estado de concentração em que cada um segue seu próprio ritmo sem pressões, para alegria dos quatro membros com mais idade.

Hernán Neira, 45 anos, dono de uma oficina metalúrgica, nunca tinha feito boxe e agora comparece três vezes por semana. Provou maconha um par de vezes na vida antes de entrar no clube. “Entrei neste clube e tinha sentimentos contraditórios sobre o tema, mas era pura ignorância que enfiam na sua cabeça desde pequeno”. Ele conta que, após a separação da esposa, ficou deprimido durante anos e que chegou à academia pesando 107 quilos. Em quatro meses no clube conseguiu perder 14 quilos. “O que me ajudou foi o esporte e a erva, é uma terapia. Voltei a escutar o metal que curtia em minha adolescência, foi uma experiência incrível”, afirma, calçando as luvas.

O mecânico opina que o Estado deveria legalizar a maconha. “É uma planta como qualquer outra. Por que não conviver com ela em harmonia e aproveitá-la? Eu recomendo este treino às pessoas da minha idade e aos mais velhos, é bom para trabalhar a mente e o corpo. Não precisam sentir medo”, diz Hernán antes de começar a trocar golpes com um de seus companheiros. Ele afirma que quando seu filho mais velho fizer 18 anos irá convidá-lo a se juntar ao clube para passarem mais tempo juntos.

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Embora tenha começado como um clube de homens, logo os integrantes começaram a convidar mulheres. “Foi junto com a campanha ‘ni una a menos’ (sobre a violência contra a mulher). Acho que é bom para as meninas tomar medidas para se protegerem. Ter a tranquilidade de caminhar sem que nenhum babaca se faça de engraçadinho”, diz Goren.

Todos concordam que Dani Miranda, 22 anos, é a mais frequente e talentosa, e inclusive apostam nela para subir no ringue logo. É garçonete em um café e jamais havia feito boxe, mas agora golpeia mais rápido que todos. “Sempre quis aprender a dar porrada em alguém, mas nunca havia lutado. No princípio você se sente como uma boboca distribuindo socos. Eu nunca treinaria boxe se não fosse desta forma tão relaxante e divertida”, diz, dando golpes no ar. “Com a maconha você se concentra na respiração, no movimento, em se esquivar bem. Treinando assim a mente se libera das inseguranças, só importa o que estou fazendo agora, nada mais.”

Dani tentou atrair suas amigas para o clube, mas conta que elas não se interessam. “A maioria das mulheres ficam paralisadas com um ataque, mas, com preparo, o corpo passa a responder sozinho. É preciso saber se defender, está muito perigoso o ambiente para todas e isso poderia salvar a sua vida”, adverte.

Felipe coloca uma música do Suicidal Tendencies, bola um baseado e motiva seus alunos para a última meia hora. “Vamos! Round, round! A dor faz parte, não parem!”, grita. Chama um aluno para dar conselhos e aproveita para pôr o baseado em sua boca, já que as luvas impedem o jovem de segurar o beck.

O treinador é assessorado nas aulas por Álex Álvarez, 27 anos, boxeador profissional da categoria peso pesado que em 2005 foi vice-campeão meio-médio ligeiro no Chile. Compete desde os 13 anos e está lesionado, mas espera voltar a lutar em pouco tempo. Ele se autodenomina como o mais chapado de todos. “A ideia é que o boxe nos fortaleça fisicamente e a erva, mentalmente. É incrível fumar uma bomba e começar a treinar, você pensa um monte de coisas. Passa diante dos seus olhos o filme de que você é um campeão e você se concentra pacas. Se eu sinto medo, devo utilizá-lo para ficar atento, e com a erva consigo isso”, descreve.

“Aqui saímos do mundo normal e nos enfiamos numa mentalidade de guerra, de treinar duro, mas sempre com pensamentos positivos. Porque a ideia não é fumar e subir num ringue; serve para se preparar psicologicamente. Assim você treina focado no que quer ser e quando está fumado faz com mais vontade”, argumenta o boxeador. Álvares é abstêmio há três anos e prefere fumar uma berlota em vez de beber, porque o álcool o deixa violento. “Como lutador, ficar bêbado é muito pior. Em uma briga, você pode perder o controle e aí já era. E ainda que as pessoas pensem que sou um viciado, sei que estou muito melhor do que outros boxeadores que enchem a cara”, diz, com segurança.

O último exercício da noite é de autoria do doutor Goren. Ao ritmo de Pantera, todos se abraçam em círculo e começam a rodar até que ele ordene que parem. Então, como em um concerto, fazem um violento mosh e se empurram fortemente, tentando se manter no centro e de pé. “É um bom treino para a estabilidade: chocar-se, voltar e contra-atacar com tudo. Além do mais, é hilário”, diz Juan Pablo, 28 anos, agrônomo e membro fundador. Diante da pergunta sobre de onde sai a maconha, esclarece que não se pode vender ali e que todos devem trazer para o treinamento.

Os alunos aplaudem o final da aula e se felicitam pelo progresso. Chegou o momento do ritual de encerramento: novamente em círculo, um aluno saca um bong de vidro que passa de mão em mão, compartilhando os pensamentos e avaliações de cada um. Sobre esta cachimbada final que faz vários tossirem, Felipe explica que serve como um analgésico e anti-inflamatório altamente eficaz. E também dá muita larica, por isso todos se vestem para sair ao ansiado terceiro tempo. Esta noite vão de chorrillanas (prato típico do Chile, com batatas fritas, carne e ovos) e cervejas.

“A ideia é evoluir até chegar a competir pelo clube. Esse é o objetivo para 2017, subir ao ringue”, diz o médico, devorando batatas fritas. O cansaço é evidente nas caras de todos, mas não a ponto de recusar o último beck da noite, fora do restaurante. “Esta é uma verdadeira terapia. Você se coloca a pensar em toda a merda do dia, em suas reações ruins, em como ser melhor amanhã, em auto-satisfazer-se e auto-conhecer-se. Mandar os problemas para longe”, diz Dani antes de anunciar que vai embora. “É um método ideal para as pessoas que já estão na esfera do neurótico, ou seja, a maioria da população chilena. Não há nada como trocar uns socos como cavalheiros e depois compartilhar um bom baseado”, afirma Goren, soltando uma grossa fumaça cinza pela boca.

 

 


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Luciano em 06/04/2018 - 19h52 comentou:

Se eu pudesse voltar a lutar um dia artes marciais, eu preferiria lutar sóbrio! Eu nunca fumei maconha más eu percebo que se o álcool já me deixa tranquilo demais imagine a maconha, a adrenalina do combate me deixa mais ligado pois quando eu era lutador de artes marciais eu transformava a tensão em energia explosiva durante o combate.

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