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Cultura

Bentinho, o primeiro coxinha da história

Fraco e mimado, Bentinho foi incapaz de um único gesto de dúvida para com a única mulher que amou além da mãe

Portrait of a Dandy (Toulouse-Lautrec), Giovanni Boldini, c. 1880-1890
Cynara Menezes
24 de janeiro de 2013, 22h31

Rapazola, Bento Santiago, o Bentinho, ganhou de um conhecido no trem da central o apelido de Dom Casmurro, por ser homem calado, metido consigo mesmo e possuir “fumos de fidalgo”. Atualmente, teria sido apelidado “coxinha”. Coxinha, para quem não sabe, é o novo “mauricinho”, sujeito jovem com hábitos, trajes e pensamentos antiquados. Aquele cara que nos tempos dos nossos pais era chamado de “almofadinha”.

Criado pelo tio, pela mãe e pela prima dela, todos de cônjuge falecido, Bentinho cresce superprotegido na “casa dos três viúvos”. Um agregado, José Dias, completa o círculo de opressão em torno do guri. Não, não é bom criar filhos assim… Como o primogênito lhe nasceu morto, sua mãe, carola, faz promessa a Deus que, se o próximo vingar, irá metê-lo na igreja. O menino cresce neste ambiente devoto e austero, tendo como diversão ir à missa. Lá, a mãe não parava de lhe dizer “que reparasse no padre, não tirasse os olhos do padre”.

Em casa, gostava também de brincar de missa, e o padre amigo da família atesta sua vocação: seus brinquedos “sempre foram de igreja”, e que “adorava os ofícios divinos”. Se já existisse Opus Dei, o pobrezinho certamente brincaria de ser seu fundador. De forma que, aos 15 anos, o coxinha, ops, Bentinho acaba mesmo sendo enviado ao seminário. Fico pensando se, a exemplo de tantos coxinhas mundo afora, não teria outro destino se tivesse tido a coragem de desobedecer à mãe. O momento era ideal: na flor da adolescência, começava a se meter pelos cantos, aos beijos furtivos com a travessa e sedutora Capitu, e a descumprir as próprias promessas de rezar padres-nossos e ave-marias às centenas.

Não vou nem mencionar a mal-resolvida relação homoerótica que Bentinho teve com o amigo Escobar, de quem suspeitou anos a fio ser o pai do filho que teria com Capitu, sem qualquer prova que sustentasse a paranoia

Pelo contrário, Bentinho não só obedeceu bovinamente à genitora como deu ouvidos às intrigas do agregado José Dias de que a amada tinha olhos oblíquos e dissimulados de cigana. Palavras que iriam persegui-lo pelo resto da vida. Fraco, incapaz de decidir por conta própria, só escapa do destino de virar padre graças à interferência de amigos e forma-se, claro, bacharel em Direito. Não vou nem mencionar a mal-resolvida relação homoerótica que Bentinho teve com o amigo Escobar, de quem suspeitou anos a fio ser o pai do filho que teria com Capitu, sem qualquer prova que sustentasse a paranoia.

Avarento, apesar de rico, Bentinho chega a lamentar ter que gastar dinheiro para manter os estudos do rapaz após a morte de Capitu. E revela-se insensível ao ponto de jantar e ir ao teatro no mesmo dia em que é informado da morte prematura de Ezequiel, o filho que rejeitou. Típico filhinho da mamãe, machista, egoísta e cruel, foi incapaz de um único gesto de arrependimento ou de dúvida para com a única mulher que amou –além da mãe.

E política? Ora, como muitos coxinhas, Bentinho dizia-se apolítico, embora conservador de berço. Fosse hoje em dia e fosse ele uma pessoa de carne e osso, não um personagem de Machado de Assis, com certeza estaria engrossando as fileiras da “nova” direita brasileira.

 


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(11) comentários Escrever comentário

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Amyr em 24/01/2013 - 23h10 comentou:

Cynara, sou seu fã. Bentinho era um bunda-mole. Em Curitiba o chamaríamos de "piá-de-prédio".

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    morenasol em 24/01/2013 - 23h19 comentou:

    hahahaha. hilário. adorei

glaucocortez em 25/01/2013 - 01h52 comentou:

Cynara, muito legal. O desafio de contestar o único dono da voz. Genial Machado!

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Amanda em 25/01/2013 - 13h17 comentou:

Falei exatamente isso no meu trabalho de ficção brasileira.
Bentinho é um frouxo!
uma pena que os leitores mais ingênuos compram o discurso do narrador.
Perdi as contas de quantas vezes ouvi por aí que Capitu não valia nada.

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Anderson em 25/01/2013 - 16h49 comentou:

rá, será q vc já conhece o coxinha da câmara de BH?
http://www.youtube.com/watch?v=YDi1GcrGtEA

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addison em 25/01/2013 - 18h05 comentou:

Tens razão , GLAUCO CORTEZ, por ocasião de meus estudos em Curitiba, haviam muitos, e inclusive os chamávamos de CURITIBOCAS !!!!!!!!!!!!!!! Isto na década de 60, mas pelo que vi nada mudou!!

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Bruno em 26/01/2013 - 00h59 comentou:

O coxinha de São Paulo é o prefeito

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Miguel do Rosário em 26/01/2013 - 02h20 comentou:

Taí, o Machado continua moderno, não? Bentinho poderia também ser editor de cultura da Folha.

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Helder em 26/01/2013 - 17h44 comentou:

Machado sabia das coisas…

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mauro em 21/11/2013 - 23h22 comentou:

Pode ter sido o primeiro da literatura brasileira, mas da história eu colocaria o Calígula. Coxinha típico

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Igor em 17/12/2013 - 01h32 comentou:

Agora faça um texto falando do outro lado da moeda, o pseudo-intelectual com mania de grandeza: Brás Cubas. Esse se identificava com a esquerda brasileira, um playboyzinho arrogante e hipócrita, que se achava muito caridoso, mas não conseguia dar uma moeda de ouro a um frei que salvara sua vida, tal qual esses revolucionários de facebook (e uma grande parcela dos seus leitores) que falam e falam de comunismo, mas nunca fizeram uma caridade na vida.

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