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Biógrafo Lira Neto: ao se matar, Getúlio Vargas adiou o golpe militar por dez anos

Já passava das 11 horas da noite do dia 7 de setembro de 1979, na praça Maurício Loureiro, centro de São Borja (RS), quando Leonel Brizola (1922-2004) subiu no palanque para fazer seu primeiro discurso em território brasileiro após voltar dos 15 anos de exílio que lhe foram impostos pela ditadura militar. Diante de 1500 […]

Cynara Menezes
25 de agosto de 2014, 21h04
getuliomanzon

(Getúlio Vargas por Jean Manzon)

Já passava das 11 horas da noite do dia 7 de setembro de 1979, na praça Maurício Loureiro, centro de São Borja (RS), quando Leonel Brizola (1922-2004) subiu no palanque para fazer seu primeiro discurso em território brasileiro após voltar dos 15 anos de exílio que lhe foram impostos pela ditadura militar. Diante de 1500 pessoas, o trabalhista Brizola fez questão de destacar uma teoria que muitos ainda hoje ignoram ou rejeitam: o suicídio de Getúlio Vargas em 24 de agosto de 1954 foi capaz de deter por dez anos o golpe que se abateria sobre o Brasil em abril de 1964.

Segundo Brizola, ao escrever “saio da vida para entrar na história” na célebre Carta-Testamento, Getúlio publicava “uma denúncia e ao mesmo tempo uma antevisão”. Prevendo o golpe, Vargas se matava para deter a quartelada que se desenhava com o manifesto assinado, na véspera, por 19 generais exigindo sua renúncia entre eles, o mesmo Castelo Branco que se tornaria presidente à força dez anos depois. Aeronáutica e Marinha já haviam feito idêntico pedido.

“Isso não é aceito pelas elites de nosso país, pela maioria dos sociólogos, pela maioria dos cientistas políticos, mas estou convencido que o Presidente Vargas anteviu este regime, até pensando que viesse no dia imediato à sua morte, mas foi o impacto emocional de seu gesto que ainda permitiu que as nossas liberdades fossem respeitadas durante mais dez anos”, afirmou Brizola, de acordo com o jornal Folha de S.Paulo, citado no livro El Caudillo, de FC Leite Filho.

Getúlio deixara com João Goulart, seu ex-ministro do Trabalho, uma das três cópias da Carta-Testamento, sinalizando que ele seria seu principal herdeiro político. Alçado ao poder em 1961, Jango herdaria também o ódio das mesmas forças que levaram Getulio ao suicídio: os militares, o conservadorismo e a imprensa.

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(Jango e Tancredo Neves à frente do funeral de Getúlio em 1954)

Procurei o autor da monumental biografia de Getúlio, Lira Neto, para averiguar se ele concorda com a visão de Brizola e também para saber de que forma, ideologicamente, ele situaria o complexo Vargas. Vejam a entrevista.

Brizola dizia que, ao se suicidar, Getúlio adiou o golpe militar em dez anos. É verdade?
Lira Neto: Mais do que uma tese defendida por Brizola, esta é uma constatação histórica, esposada por vários especialistas e estudiosos. Basta dizer que os almirantes, brigadeiros e generais que assinaram os três célebres manifestos militares exigindo o afastamento de Getúlio do poder em agosto de 1954 foram os mesmos que derrubaram João Goulart em 1964. Até o pretexto de que Getúlio planejava instaurar uma república sindicalista se repetiu na deposição de Jango. Em um e outro caso, os mesmos udenistas e setores conservadores do empresariado forneceram o apoio político-civil aos quartéis para derrubar um presidente constitucionalmente eleito.

Dá para imaginar hipoteticamente o que teria acontecido com o Brasil se Getúlio não tivesse se matado?
Lira: Ao optar pelo suicídio, Getúlio neutralizou os adversários que já se consideravam vitoriosos e com o poder nas mãos. O golpe civil-militar já estava em plena execução. Muito provavelmente, Getúlio seria retirado do palácio e levado para a prisão e, posteriormente, para o exílio. Os militares jamais repetiriam o “erro” de 1945, quando após derrubá-lo permitiram que ele permanecesse livre, em território nacional, recolhido a São Borja, articulando as circunstâncias de sua volta ao poder, o que afinal ocorreu em 1950, por extraordinária votação popular. Nos três livros, mostro como, desde sempre, já a partir de 1930, Getúlio trabalhou com a perspectiva do sacrifício pessoal como um ato político de resistência, como um protesto eloquente contra os inimigos. Ele jamais se permitiria passar à posteridade como um derrotado, exposto ao vexame, eternizado por um fracasso. Nesse sentido, encontrou, na morte, a sua vitória.

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(Brizola, sua mulher Neusa e Getúlio)

Brizola e Jango eram seguidores do trabalhismo. Darcy Ribeiro via o trabalhismo como uma espécie de socialismo. Você concorda?
Lira: Na verdade, Getúlio era um homem pragmático, que se amoldava de acordo com as circunstâncias, para além das convicções ideológicas. Em 1929, em entrevista a um jornal gaúcho, disse que sua grande inspiração política era, textualmente, “a renovação criadora do fascismo de Benito Mussolini”.  No momento em que a democracia e o sistema representativo se encontravam em xeque, com a quebra da Bolsa de Nova York e a Grande Depressão norte-americana, ele se posicionava como um simpatizante assumido dos regimes autoritários europeus, incluindo o nazifascismo, que surgia como pretenso antídoto para a crise do regime democrático. Chegou, inclusive, a cogitar o apoio brasileiro ao Eixo durante a Segunda Guerra, mas acabou aderindo aos Aliados por questões econômicas e estratégicas.

Alguns avanços de Getúlio na área trabalhista são modernos até hoje, tanto é que sofrem críticas dos setores mais conservadores da economia. Neste aspecto, pode-se dizer que Getúlio era “de esquerda”?
Lira: Quando Getúlio, após a queda em 1945, retornou ao cenário político em 1950, em pleno contexto da Guerra Fria, a defesa que sempre fizera do Estado intervencionista o colocou, pelo menos no plano do discurso, à esquerda do espectro político. Enquanto seus adversários pregavam a manutenção do alinhamento incondicional aos Estados Unidos, interpretando assim de modo esquemático qualquer negação ao liberalismo como uma opção pelo comunismo russo, ele passou a defender a “democracia social”, reforçando a ideia geral de que se convertera ao socialismo. Tratava-se, é claro, de uma simplificação, de um reducionismo. Getúlio sempre foi um anticomunista ferrenho. E, a rigor, com sua política de industrialização e de urbanização do país, promoveu a gênese do próprio capitalismo no Brasil.

Mesmo seu primeiro governo tendo sido uma ditadura severa, você considera que Getúlio teve qualidades como presidente? Quais?
Lira: Getúlio, com todas as suas inúmeras contradições, deixou pelo menos dois grandes legados para o país. O primeiro foi o seu projeto nacional desenvolvimentista, que nos legou por exemplo a Petrobras, a siderúrgica de Volta Redonda e o BNDES, conduzindo assim um país agrário, semifeudal, monocultor, para o caminho da industrialização. O outro legado, sem dúvida, foi a vasta legislação trabalhista, que impôs um relativo equilíbrio na relação entre capital e trabalho e representou um inegável avanço para uma nação que, numa perspectiva histórica, se encontrava recém-saído da escravidão. Em síntese, Getúlio ajudou a modernizar o Brasil. Mas, mesmo nesse caso, é preciso evitar o pensamento simplista. As conquistas no campo do trabalhismo não podem ser entendidas como um gesto benevolente e magnânimo de um “pai dos pobres”. Elas foram conquistas da própria classe trabalhadora. Getúlio teve a sensibilidade histórica e a astúcia política de responder a uma demanda pré-existente. O movimento sindical dos anos 20, controlado por anarquistas e comunistas, pressionava por mudanças. Ao decretar leis favoráveis ao trabalhador, Getúlio tomou-lhes a bandeira e passou a tutelar o sindicalismo, por meio do Ministério do Trabalho. Bom lembrar que não havia sindicatos livres durante o Estado Novo.

Por último: por que São Paulo não tem nenhuma avenida com o nome dele?
A rusga dos paulistas com a memória de Getúlio remete, é óbvio, ao trauma da Revolução Constitucionalista de 1932. Contudo, como bem salientam vários historiadores e cientistas políticos, São Paulo acabou sendo o grande beneficiado pela política de industrialização da chamada Era Vargas. Com um detalhe: na sua volta ao poder, nas eleições de 1950, Getúlio teve a campanha financiada por membros da emergente burguesia industrial paulista.

Clique aqui para ler mais sobre Getúlio e o golpe de 1964 no especial da EBC, de onde reproduzo este vídeo com Lira Neto:


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(5) comentários Escrever comentário

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Bruno Alvarenga em 26/08/2014 - 10h55 comentou:

A lucidez dos seus textos é digna de louvor! Sou um seguidor assíduo do blog. Não sou moreno, mas tenho a convicção de que o socialismo é a melhor opção. Rs! Parabéns pelo seu trabalho.

Responder

    morenasol em 26/08/2014 - 15h41 comentou:

    obrigada. o "moreno" aí é uma homenagem a nossa mestiçagem, que inclui brancos, negros, índios, morenos, mulatos, nipônicos… todos são bem-vindos ; )

Stravinskyi em 26/08/2014 - 18h48 comentou:

"É constrangedor ver todos os principais candidatos se estapeando pelo eleitorado conservador. (…) Na minha opinião, tem pastor demais e maconha de menos. A maioria dos candidatos não fede nem cheira -a não ser um deles, que cheira. (…) Ateus, maconheiros, vagabundas, pederastas, sapatões e travestis do mundo: uni-vos. Porque o lado de lá tá bem juntinho."

Gregório Duvivier.

Era pra dar dó, mas só dá vontade de rir. O Gregório é um dos porta-vozes do esquerdismo-sujinho-porra-louca, aquele que enxerga uma superioridade antropológica em favela, lixão, vala negra, zona de baixo meretrício, consumo conspícuo de drogas. Acreditam que é ali que se encontra a verdadeira humanidade e que só gente "do bem" percebe tanta beleza.

O "humorista" (aspas mais do que necessárias), filho da Olivia Byington e sobrinho da Bianca Byington – fama e "talento" no Brasil são capitanias hereditárias – gosta de atacar os "conservadores" em diversos flancos. Seja debochando da religião dos outros, defendendo os militantes gays (bem diferente de gays que não transformam sexo em bandeira), as "vadias", a maconha, o escambau.

Onde houver um coxinha, haverá o Gregório do outro lado discordando.

Se hay coxinha, soy contra!

Mas nota-se que ele anda amuado. Seu queridinho Marcelo Freixo é tão bom de voto que preferiu garantir mais quatro anos recebendo salário e verba de gabinete na Alerj para ajudar "ONGs" e "Institutos de Direitos Humanos" (advocacia de black blocs, diriam alguns) do que se arriscar a levar outra surra como foi na eleição para a prefeitura do Rio.

O PSOL, seu partido do coração e sabe-se lá mais quais partes do corpo, é cada vez mais empurrado para guetos como DCEs, "marchas da maconha", "coletivos" e outras nugacidades de esquerda.

E pra piorar a direita olavista-conservadora-coxinha-zueira está por toda parte. Imagino o desencanto do Gregório depois que termina uma gravação do Porta dos Fundos, pega seu cheque gordo para bancar a vida cara do Leblon, liga o MacBook, acessa a internet para ver as novidades e se depara com o Flávio Morgenstern, o Alexandre Borges, a turma do Implicante, o Bolsonaro Zuero, as Garotas Direitas, isso para não mencionar a turma da Veja e a expectativa de grandes votações de candidatos conservadores.

O cara deve pensar "cadê aquele Brasil do Chico, da turma de bandeira do PT bebendo choppinho no Jobi, cadê aquele Rio de Janeiro que parecia uma gigantesca casinha de DCE da PUC?".

Estão todos no mesmo lugar, Gregório, só que não falam mais sozinhos como sempre falaram. Agora o "outro lado" cansou de só ouvir pregação de Che Guevara de apartamento e maconheiro de playground e resolveu falar também.

E sinceramente, como essa turminha de esquerda é fraca. Bastou meia dúzia de direitistas, algumas redes sociais e umas ironias bem colocadas para começar o mimimi. Se acostumaram a décadas dominando todo o debate e agora estão assustados, indignados, revoltados, porque sabem que o discurso de esquerda só prospera quando é discurso único.

Se colocar um que seja do outro lado a coisa complica.

No fundo o dilema da turma do Gregório é o seguinte: eles sempre disseram que adoram a democracia, que defendem a liberdade e os direitos de todo mundo, mas não contavam com esse "probleminha" da democracia, da liberdade e dos direitos individuais: pode ser que tenha gente discordando de você do "outro lado".

Mas não se deprima, você sempre pode deixar a política pra lá e falar de futebol, artes, cinema e até humor, mesmo que sem graça.

A porta dos fundos é a serventia da casa.

Link do desabafo do Gregório: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/gregorioduvi

Responder

Luís CPPrudente em 10/09/2014 - 23h27 comentou:

Getúlio Vargas foi um grande nacionalista e um desenvolvimentista. Foi bravo e heroico ao se matar e impedir que os reacionários tomassem o poder já em 1954. Graças à Getúlio Vargas o Brasil é um país grande e importante no mundo, mesmo que os reacionários tenham assumido o poder dez anos mais tarde, eles não conseguiram fazer na Ditadura Militar de 64 o que eles poderiam ter feito com facilidade se assumissem o Brasil em 1954: destruição da Petrobrás e dos direitos trabalhistas.

Responder

Marconix em 15/09/2014 - 20h09 comentou:

Esse parece ser um tema um pouco forçado. Será que os militares não queriam evitar uma nova ditadura Vargas? Não sei porque a esquerda franca e nobre do Brasil não se declara responsável pelo processo de criação de um estado socialista, a República Democrática do Brasil, cujo início do processo foi abruptamente interrompido por um bando de militares reacionários e muito pouco afetos ao comunismo progressista. Não creio que Lira Neto tenha autoridade suficiente para falar desse tema, principalmente de forma tão leviana e pouco profunda, sem cientificidade ou nenhum contexto com a política internacional, que afinal de contas explica o movimento de 1964, sendo que os mesmos fatores ainda não estavam presentes em 1954. Óbvio que a autoridade de Lira para falar desse tema é dado pelos seus colegas vermelhos e os demais interessados em transformar essa história numa verdade. Uma dica: basta repeti-la mil vezes como era feito na Alemanha Nazista.

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