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Direitos Humanos

Bolsonaro diz saber quem matou pai do presidente da OAB, mas esconde há 45 anos

Presidente disse, sobre circunstâncias do desaparecimento de Fernando Santa Cruz pelo regime militar: "Um dia eu conto para ele"

Fernando Santa Cruz em 1967. Ele é o primeiro da esquerda. Foto: arquivo pessoal
Da Redação
29 de julho de 2019, 15h28

Fernando Augusto Santa Cruz de Oliveira tinha acabado de completar 26 anos quando ele e Eduardo Collier, de 25 anos, foram presos. Era 23 de fevereiro de 1974, sábado de carnaval, e Fernando saíra da casa de seu irmão, Marcelo de Santa Cruz de Oliveira, no Rio, para encontrar Collier, seu amigo de infância, que morava em Copacabana. Nunca mais se soube dos dois –até agora, quando o presidente da República, Jair Bolsonaro, afirma ter conhecimento do que ocorreu com Fernando e escondeu até hoje, 45 anos depois do fato. 

Não há registro da participação do estudante de Direito e funcionário do Departamento de Águas e Energia Elétrica na luta armada. Fernando era casado e tinha um filho de 2 anos, Felipe, que hoje é presidente da OAB Nacional. “Um dia, se o presidente da OAB quiser saber como é que o pai dele desapareceu no período militar, eu conto para ele. Ele não vai querer ouvir a verdade. Eu conto para ele”, disse Bolsonaro.

A mãe de Fernando e avó de Felipe, dona Elzita, procurou o filho até morrer, em junho deste ano, aos 105 anos de idade.

O presidente, que não esconde ser fã do torturador Brilhante Ustra, deu com a língua nos dentes sobre o desaparecimento, cujos responsáveis ele está acobertando desde 1974, por revanchismo. A OAB pediu o afastamento de Sérgio Moro logo que o Intercept começou a divulgar as mensagens onde sua parcialidade na Lava-Jato fica explícita, e o presidente da entidade afirmou que o ex-juiz “usa o cargo, aniquila a independência da Polícia Federal e ainda banca o chefe de quadrilha ao dizer que sabe das conversas de autoridades que não são investigadas”, de acordo com a colunista Monica Bergamo, do jornal Folha de S. Paulo.

Felipe, filho de Fernando, acabou entendendo que o pai tinha sido preso. E como ele não voltou, certa vez disse a um amiguinho: “O soldado matou meu pai, só que não sei por quê. Quando crescer, vou ao quartel saber onde esconderam meu pai”. Bolsonaro sabe

A Comissão da Verdade cita o livro Desaparecidos Políticos, do Comitê Brasileiro pela Anistia/RJ, organizado por Reinaldo Cabral e Ronaldo Lapa, sobre a reação de Felipe ao ser perguntado pelo pai desaparecido. “Com o tempo, Felipe, filho de Fernando, acabou entendendo que seu pai tinha sido preso. E como ele não voltou mais, certa vez Felipe disse a um dos seus amiguinhos: ‘O soldado matou o meu pai, só que eu não sei por quê. Mamãe me disse que quando eu ficar grande eu vou entender. Mas quando eu crescer, vou ao quartel saber onde esconderam meu pai’.” Bolsonaro sabe.

Os irmãos de Fernando refazem foto na exposição Ausências, de Gustavo Germano, em 2012

“Em 2012”, diz o relatório da comissão, “o delegado aposentado do DOPS Cláudio Guerra, no livro Memórias de uma Guerra Suja, revela que Fernando Santa Cruz e mais outros nove presos políticos foram mortos e seus corpos foram incinerados no forno da Usina de Açúcar “Cambayba”, localizada no município de Campos, no Estado do Rio de Janeiro”. Outros relatos dão conta de que Fernando e seu amigo Eduardo foram esquartejados na Casa da Morte de Petrópolis, no Rio. Bolsonaro pode esclarecer.

Se alguém incorre em crime é o próprio presidente, pois se ele sabe como morreu o pai de Santa Cruz, tem de contar. Caso contrário, estará acobertando um crime. Sem falar que agiu, de modo leviano e cruel, ferindo o decoro do cargo

O sindicato dos Advogados do Rio soltou nota de repúdio contra o presidente da República. “Desprezível, é o mínimo que se pode dizer de mais um ataque do presidente ao presidente do Conselho Federal da OAB, Felipe Santa Cruz”, diz o texto. “Se alguém incorre em crime esse alguém é o próprio presidente, pois se ele sabe, como afirma, como morreu o pai de Santa Cruz, tem de contar. Caso contrário, estará acobertando um crime, além de esconder informações sobre um desaparecido político. Sem falar que ele agiu, ao fazer tal declaração, de modo leviano e cruel, ferindo, a nosso ver, o decoro no exercício do mais alto cargo da República.”

Os ex-candidatos à presidência Marina Silva (REDE), Fernando Haddad (PT) e Guilherme Boulos (PSOL) protestaram contra a fala de Bolsonaro no twitter.

A Anistia Internacional também se manifestou.

O PT vai entrar com uma ação na Procuradoria Geral da República contra Bolsonaro pela fala contra o presidente da OAB. A entidade que representa os advogados soltou uma nota de repúdio durante a tarde da segunda-feira. “Todas as autoridades do País, inclusive o Senhor Presidente da República, devem obediência à Constituição Federal, que instituiu nosso país como Estado Democrático de Direito e tem entre seus fundamentos a dignidade da pessoa humana, na qual se inclui o direito ao respeito da memória dos mortos”, diz o texto.

O presidente da OAB mostrou todo o seu repúdio com as declarações de Bolsonaro pelo twitter.

O funcionário público que sabe de um crime e não denuncia comete prevaricação: “Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal”. Em live no facebook, o presidente voltou a dizer que sabe quem matou o pai do presidente da OAB, segundo ele “justiçado” pelos próprios colegas de AP, o que não muda o fato de que durante décadas tem acobertado assassinos.

Tudo indica, no entanto, que Bolsonaro está mentindo: os próprios militares registraram que Fernando e Eduardo foram presos. “A ficha de Fernando encontrada em 1992 no DOPS/SP revela que ele foi efetivamente preso pelas forças da repressão. Assim está registrado nesse documento oficial: ‘nascido em 1948, casado, funcionário público, estudante de Direito, preso no RJ em 23/03/1974’. Em outro relatório, do Ministério da Marinha, consta que Fernando ‘foi preso no RJ em 23/02/1974, sendo dado como desaparecido a partir de então’.”

A pergunta que fica é: se o presidente da República foi capaz de esconder durante anos quem matou o pai do presidente da OAB, como saber se ele também não esconde os responsáveis por outros assassinatos, como o de Marielle?

Assista a um documentário sobre Fernando Santa Cruz produzido pelo DCE da UFF (Universidade Federal Fluminense) em 1999.

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