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Cultura

Comunista, sim. Ateu, também. Por Lelé Filgueiras (1932-2014)

Tive a enorme honra de conhecer o arquiteto João Filgueiras Lima, o Lelé, há dez anos, para juntos escrevermos o livro O Que É Ser Arquiteto pela editora Record. Durante uma semana, conversamos durante horas. Eu gravava tudo e depois transpus para o papel quase exatamente do jeito que ele falou sobre a vida, a […]

Cynara Menezes
21 de maio de 2014, 21h19

(Lelé e Oscar Niemeyer. Foto: Arquivo pessoal)

Tive a enorme honra de conhecer o arquiteto João Filgueiras Lima, o Lelé, há dez anos, para juntos escrevermos o livro O Que É Ser Arquiteto pela editora Record. Durante uma semana, conversamos durante horas. Eu gravava tudo e depois transpus para o papel quase exatamente do jeito que ele falou sobre a vida, a carreira, sua maneira socialista de ver o mundo.

Discípulo e amigo de Oscar Niemeyer, com quem trabalhou na construção de Brasília, Lelé era considerado um craque da argamassa armada: enormes estruturas de concreto, levíssimas, que barateiam o custo das obras, e por isso mesmo de enorme utilidade na arquitetura pública, que Lelé optou por seguir, até por questões ideológicas. Sua obra mais conhecida são os hospitais da Rede Sarah, onde pôde aplicar as ideias inovadoras de utilização da luz e ventilação naturais inspiradas na arquitetura nórdica, que ele adorava.

Um dos seus últimos trabalhos foi a concretização de um desejo antigo de outro grande amigo, Darcy Ribeiro, para quem projetou o Memorial que o antropólogo queria que se tornasse conhecido como “Beijódromo”, na UnB. E assim foi.

(desenho de Lelé para o Beijódromo)

Carioca do subúrbio do Encantado radicado em Salvador, Lelé ganhou o apelido por conta das peladas na escola. Como jogava na mesma posição que um artilheiro do Vasco da Gama chamado Lelé (Manuel Pessanha), alguém sapecou o nome e pegou. O pai de Lelé era pianista e o gosto pela música passou para o filho, que enchia as noites do acampamento, durante a construção de Brasília, com o seu acordeão. Uma das frases inesquecíveis de Lelé para mim, aliás, foi quando eu perguntei qual era sua maior frustração na vida, achando que ele iria responder algo como “não ter podido levar adiante a reforma do Centro Histórico de Salvador que planejei com Lina Bo Bardi”  que eu adoraria que tivesse acontecido.

Mas Lelé, que continuava a tocar teclado, disse:

 O que me causa frustração é não ler partitura.

Lelé morreu hoje e fiquei muito triste com a partida de mais um  mestre. Em sua homenagem, publico um capítulo do livro que fizemos e que trata justamente destes temas tão caros a ele, a mim e a este blog. Beijo, Lelé querido.

***

(Lelé tocando acordeão no acampamento na construção de Brasília)

Comunista, sim. Ateu, também

Por Lelé Filgueiras

Estive na China quando ela se encontrava num estágio ainda mais atrasado do que a União Soviética na época em que a visitei, na década de 1960. Fui no mesmo período em que o cartunista Henfil (1944-1988) escreveu o livro Henfil na China (antes da Coca-Cola), em 1984. Claro que quando ele escreveu era um pouco caricatura, afinal Henfil era humorista. Eu gostei de muitas coisas que vi.

Quase não havia automóveis, só bicicletas. Mesmo diante dessas circunstâncias tão peculiares, aquele barulho infernal de campainha de bicicleta, achei agradável, todo mundo vestido de azul e cinza. Isso para mim era confortável. Para não ficar diferente, comprei uma roupa igual à deles. Antes, as crianças vinham me cutucar para ver se eu era um bicho, alguém que tinha caído do planeta Marte. Lembro de ver um carrinho de bebê comunitário, com uma mãe só levando os bebês da vizinhança toda para passear. Pareceu-me solidário.

Quando cheguei em Cantão, umas pessoas do Ministério da Cultura de lá iriam me receber, mas era tanta gente na estação de trem  eu vinha de Hong Kong  que fiquei absolutamente perdido, não vi o cartaz que eles fizeram. Minha situação era péssima: milhares de pessoas, todas vestidas de cinza e azul, olhando para mim e rindo, ninguém falava inglês. Depois, por muita sorte, com mala e tudo, andando a pé, vi uma coisa escrita em inglês, e era um prédio de turismo. Lá eles conseguiram me identificar, mas já tinha perdido o dia inteiro nessa confusão.

(Um dos hospitais da Rede Sarah)

Sinto-me comunista até hoje, acho que com o capitalismo a gente não vai se desenvolver mais. Posso ter revisto algumas posições, mas continuo achando que o homem só pode ser feliz através do socialismo. Tenho absoluta convicção de que com o capitalismo só vai haver guerras e mais guerras. Claro que do totalitarismo a gente não gosta. Naquela época, como havia duas tendências tão antagônicas e o capitalismo era maioria, houve essa tentativa de se fechar, a chamada Cortina de Ferro. Cuba só pode subsistir até hoje rodeada pelos EUA, nessa crueldade do bloqueio econômico, com um regime de força. O poder do capitalismo é tão grande que, quando abre, corrompe tudo.

É difícil estabelecer o socialismo enquanto houver esse capitalismo selvagem que está aí, com um poder de fogo muito maior. O capitalismo se alimenta da miséria dos países pobres, e a globalização não foi feita para resolver nossos problemas; estamos mais miseráveis do que antes, não resolveu nada. Acho que a humanidade foi mais feliz enquanto havia os dois, capitalismo e socialismo. De certa maneira, equilibrava.

Quando havia essas duas forças, é lógico que a arrogância dos EUA não era tão grande, porque sabiam que do outro lado existia uma bomba igualzinha à deles. Não era como hoje, que os EUA dizem que vão desarmar algum país e começam uma guerra. Isso é ridículo, tem que desarmá-los primeiro, porque têm todas as armas. É uma coisa tão contraditõria, essa forma de encarar a igualdade do mundo, é um absurdo que se vê no capitalismo. O lado competitivo, ter de ser um winner (vencedor), não um loser (perdedor). Não posso aceitar, é uma coisa forte dentro de mim. Vou morrer socialista, comunista, o que for, não tem condição.

Se não atuo na iniciativa privada é porque não sei, tenho horror aos valores que são colocados. Foi uma opção bastante ideológica também, feita num período em que estava sedimentando essas informações. Não era militante, mas participava das reuniões do PCB com Oscar (Niemeyer), na época da UnB. Como estudante, na faculdade, não tinha me envolvido, mas o que aconteceu é que ficamos, eu e o arquiteto Ítalo Campofiorito, sendo uma espécie de representantes de Oscar na Universidade, quando ele estava ausente, nas discussões que havia. E fiquei um pouco como representante do PCB na UnB, embora não-filiado. Desde pequeno tinha isso em mim, um primo comunista, essas coisas vão chegando… A convicção ideológica não foi forçada, era natural.

(Uma aula de Lelé)

Minha família era espírita, e havia todo aquele sincretismo com a religião católica, umbanda, valia tudo  essa coisa brasileira, uma mistura danada. A Bahia, então, é formidável. O baiano pensa com a mente e com o coração. Como tudo isso é carregado de emocional, propicia o sincretismo, fundir no caldeirão crenças muitas vezes antagônicas, misturar religião católica com candomblé. Acho essa geléia fantástica. No meu caso, havia toda uma pressão da família pela religião, mas não conseguia acreditar. Não posso me influenciar por uma coisa que não estou sentindo por dentro.

Sou ateu. Envolvo-me com o candomblé na Bahia mais como objeto de estudo, acho interessante. Toda sexta-feira visto uma camisa branca, e é porque de certa maneira respeito a cultura baiana de se vestir de branco na sexta. Não sei exatamente por quê, mas uso. Um dos maiores amigos que tive foi frei Mateus Rocha, da ordem dos dominicanos. Passamos muitas noites conversando. Essa diferença que havia entre nós, de eu não acreditar em Deus, não impedia que tivéssemos os mesmos valores éticos, uma visão socialista idêntica do mundo.

Não sei por que essas coisas podem de repente afastar as pessoas. É fundamental procurar os pontos de identidade, eles sempre existem. Se a gente faz isso, consegue viver coletivamente; se radicaliza, não dá.

 


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(16) comentários Escrever comentário

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Pedro em 22/05/2014 - 15h11 comentou:

=)

Responder

herbo em 22/05/2014 - 18h09 comentou:

Construiu o campos de pituaçu da UCSal, quando chove não se escuta aula, grande arquiteto!

Responder

    Annibal em 04/06/2014 - 19h21 comentou:

    Você teve o cuidado de verificar se o(s) prédio(s) do "CAMPUS" de Pituaçu, e não "campos", como escreveu, não teve ou tiveram sua(s) estrutura(s) acústica(s) comprometida(s) por má manutenção?
    Conheço inúmero prédios projetados por ele e, em nenhum deles, encontrei problemas de acústica.
    Seria muito bom você, antes de fazer comentários depreciativos sobre quem quer que seja, se inteirar do assunto para não ficar espalhando bobagem.
    P.S. Se comenta sobre o referido campus deduzo que seja um universitário e, como tal, deveria também se preocupar com a escrita.

Maia Kaefman em 22/05/2014 - 18h46 comentou:

A cada "espigão" bege de varanda de blindex que sobe em Sampa esses velhos deixam mais saudade. De fato é a terra das possibilidades infinitas e das realidades medíocres…

Responder

Fabio em 22/05/2014 - 19h05 comentou:

Uma grande perda, fez um trabalho exemplar.

Responder

Ivamberto em 22/05/2014 - 22h38 comentou:

Lele foi e sempre será um ótimo referencial.

Responder

ceticista em 27/05/2014 - 00h00 comentou:

██ "Tenho absoluta convicção de que com o capitalismo só vai haver guerras e mais guerras".
— Isso pode ate ser ateu mas nao é cético. Um cético mesmo não pode afirmar nada sobre o futuro pq ele não é PROFETA (a não ser q el tenha alguma maquina q mostre o futuro de como seria um mundo comunista "melhor").

Sabe qual diferença entre um RELIGIOSO e um COMUNISTA ATEU (UTOPICO)? Quase nenhuma, pois ambos se baseiam em fé de mundo melhor; com diferença q ateus não creem em deuses ou sobrenatural, mas creem numa era de paz perfeita e progresso q nem os profetas biblicos pregam. Os dois usam muito o IDEALISMO em vez de se basear no REALISMO.

— Eu sou ATEU mas NÃO SOU COMUNISTA. Esses radicalismos. Ser ateu eh nao acreditar em deuses e sobrenatural e ponto. Nada além disso. Sou ateu de direita (vamo colocar dessa forma) mas não sou utopico, não digo q no capitalismo a paz reinará na terra, pq odiar e fazer guerra faz parte dos seres humanos (esquerda, direita, pra cima pra baixo nao interessa q lado vai).

Uma prova de q NEM TODO ATEU É COMUNISTA sou eu (mas se quiser mais outros como prova procure q vai achar) e NEM COMUNISTA É ATEU é Ariano Suassuna, por exmplo, o cara criticou a Evolução das especies; o Hugo Chavez fez até sinal da cruz pro Bush (q tb era cristao, mas protestante).

— Ariano Suassuna – Defesa contra a teoria da evolução: http://www.youtube.com/watch?v=s4R89HMKSHY

Eu nao tenho utopias (ao contrário da dona desse site q cita "utopiapolitik") nao posso afirmar q um mundo comunista ou capitalista serah melhor. Quem garante q um asteroide destrua esse planeta? Ness ponto comunistas parecem profetas q tentam anunciar um mundo perfeito q nunca vai existir pq o ser humano eh imperfeito por NATUREZA.

UTOPIA ( http://www.dicio.com.br/utopia ) =>
▄ Situações determinadas em que os indivíduos estão em estado de felicidade e harmonia.
▄ Local em que tudo acontece de maneira perfeita e/ou ideal.
▄ Que está no âmbito do IRREALIZÁVEL; QUIMERA, SONHO, FANTASIA.
▄ Política. P.ext. Qualquer situação IMAGINATIVA que, remetendo ao que é IDEAL e priorizando a qualidade de vida, garante uma sociedade mais justa e com políticas públicas igualitárias.

Responder

    Direita em 07/09/2014 - 21h34 comentou:

    Boa, também sou ateu e de DIREITA. A esquerda gosta de querer dominar tudo para eles…

    Aldo Anizio em 28/01/2015 - 04h13 comentou:

    Opa. Sou mais um para endossar a lista dos Ateus de Direita.

    No Brasil infelizmente ser ateu é sinonimo de esquerdismo, gaysismo, lesbianismo e comunismo.

    Ta ficando perigoso essa associação do comunismo com a nossa forma de pensar.

@AdmCritica em 05/06/2014 - 04h50 comentou:

Não desejo polemizar com o falecido, até porque seria um debate injusto, para dizer o mínimo. Nem preciso reconhecer sua genialidade e contribuição, já que seus trabalhos falam por isto, assim como o reconhecimento já veio e de mim independe.

Porém há um comentário que desejo marcar sobre esta discussão que envolve espiritualidade, leitura ontológica e opinião política. Afinal, as palavras "ateu" e "comunista" são particularmente fortes, uma vez que mexem com paixões.

Devo dizer de pronto que discordo da relação de inevitabilidade dialógica entre estas, sobretudo no que diz respeito à simplista associação entre comunismo e ateísmo.

Responder

    @AdmCritica em 05/06/2014 - 04h50 comentou:

    Sobre o primeiro adjetivo, é preciso esclarecer algo. Há uma diferença entre alguém acreditar que o capitalismo é um processo social limitador e irracional, o qual deve ser substituído, e o ser "comunista".

    Um comunista é um indivíduo que vive em uma comuna, na qual a propriedade privada do capital não existe; ou seja, um local onde os meios de produção pertencem à comunidade. O comunismo então aparece como uma sociedade com mercado, dotada de capital, porém sem capitalistas; onde os indivíduos mantém suas propriedades privadas, bem como tem total controle sobre o fruto de seu trabalho, mas não podem se apropriar do trabalho alheio. Qual o problema quando alguém se afirma comunista? É que as comunas são MUITO raras, embora existam experiências.

    Quando alguém acredita que o capitalismo precisa ser superado, que a exploração do trabalho deve cessar e que a propriedade do capital deve deixar de privada, isto não a torna comunista, mas sim somente anti-capitalista. Isto tampouco a torna detentora de uma crítica radical, uma vez que a "crítica radical" é a atividade prático-histórica de desnudar as estruturas relacionais que funcionam como suporte, a qual assume portanto a concepção materialista histórico-dialética como premissa de pensamento.

    @AdmCritica em 05/06/2014 - 04h51 comentou:

    Existe uma tendência de se considerar que, quem adota como premissas os resultados das investigações de Marx — bem como da tradição de pensamento que o faz — é, portanto, tanto comunista como crítico radical, o que não necessariamente é verdadeiro.

    Por outro lado, a questão do ateísmo é mesmo bastante controversa. Até porque, como alguém mais atrás bem exemplificou, existem ateístas de diversas orientações políticas, bem como deístas também nas fileiras de diversas correntes à esquerda e à direita.

    O ateu é simplesmente alguém que não acredita em uma instância sobrenatural superior. Mas, quando Marx faz uma crítica dura sobre o papel da religião na dominação do homem — sobretudo destacando como a sociedade cria deuses para tanto —, assume-se, portanto, que o socialismo e o comunismo devem estar associados ao ateísmo. Para Marx, a essência do fenômeno "divindade" eram materiais: as relações sociais de dominação do homem sobre o homem; uma materialidade subjetiva, é verdade.

    Mas, este um dos resultados que Marx chega por meio de suas investigações radicais e críticas, e não a crítica, nem tampouco a radicalidade em si. Esta entendimento do que é resultado e do que é procedimento nos leva a concluir que um crítico radical não é que aceita a explicação marxiana, mas que usa o modus operandi por aquele aperfeiçoado para chegar à explicações que façam sentido no contexto histórico e de conhecimento a partir do qual pesquisa.

    @AdmCritica em 05/06/2014 - 04h51 comentou:

    Assim, façamos uma reflexão com base em conhecimentos que Marx não tinha. Como assegura a trabalho de Carl Jung, a experiência de fé é uma pulsão primária da psiquê humana, a qual, como as outras, precisa de sublimação. Não é possível escapar, dada a herança psico-social da humanidade, desta característica primitiva de nosso self (e aqui não uso "primitivo" como involuído, mas como "primordial", "estrutural"). Acontece que, mesmo que um indivíduo negue a possibilidade de uma espiritualidade, a pulsão continua presente, acabando por aflorar em outro lugar — quem conhece o sistema psicanalítico entende que a energia psíquica não desaparece.

    Por outro lado, a filosofia crítica de Kant nos leva a compreender que, pela própria limitação da razão, não somos capazes a chegar até a coisas-em-si; quando olhamos e analisamos um objeto qualquer, este objeto não passa a fazer parte de nós; o captamos por meio de impressões sensíveis causadas por elementos que, em última instância, são meras aproximações inferenciais dos efeitos que aquele objeto causa em outras coisas, como a luz que permite ver, a gravidade que permite sentir o peso, o espaço que nos auxilia a compreender a dimensão, etc. Ou seja, o que conhecemos é apenas fenômeno. Marx, neste caso, brilha ao dizer que a coisa-em-si que importa são as relações sociais e históricas que dão significado às coisas, e não necessariamente a matéria vulgar da qual é composta — até porque, como indica Kant, esta é inacessível, portanto a metafísica encontra-se morta e enterrada.

    @AdmCritica em 05/06/2014 - 04h51 comentou:

    Assim, se considerarmos que Deus (uma divindade qualquer) é um algo sobre o qual poderíamos conhecer, esbararíamos no fato que uma característica essencial de sua definição é o fato de que estas coisas-em-si, as divindades, são imanifestas — não possuem um fenômeno que possa ser captado pelos sentidos. Não podemos ter certeza, por outro lado, que todas as coisas-em-si tem fenômenos, apenas que todo fenômeno tem uma coisa-em-si. Logo, se não é possível provar a existência de Deus, tampouco podemos provar a sua inexistência. Tudo que podemos fazer racionalmente, como demonstra Marx, é explicitar as relações sociais por detrás da ideia de uma divindade.

    E mesmo Marx, brilhante ao explicar o papel social da religiosidade como elemento de controle social, não é capaz com sua crítica de provar a inexistência de Deus, mas tão somente o mau-uso da ideia de Deus.

    Agora lembremos, a energia psíquica da pulsão primitiva do instinto de religiosidade não desaparece se você chega a esse entendimento. Nosso inconsciente tem a peculiar característica de ser irracional. Se um indivíduo não sublima esta energia por meio da religiosidade, a tendência de fé aparece em outro lugar. No caso dos ateístas, quase sempre se materializa, é interessante perceber, em uma fé cega na razão — sobretudo na ciência mais fenomênica, que não se propõem a realizar a crítica radical.

    @AdmCritica em 05/06/2014 - 04h52 comentou:

    Mais acima alguém disse que comunismo e religiosidade são aproximados. Talvez, não entraremos nesta seara. Mas, o que é evidentemente próximo da religiosidade é a maneira intransigente como um ateísta nega a divindade. Mesmo incapaz de provar, afirma a inexistência de Deus, enquanto endeusa uma razão incapaz de lhe fornecer os artifícios necessários para dizer o que diz. Ou seja, sublima a pulsão de religiosidade num lugar estranho.

    Talvez alguns leitores menos críticos de Marx, que não se deem ao trabalho de entender como funciona o processo de conhecimento, mas somente incorporem as conclusões deste, hajam da mesma forma. Assumem, religiosamente, que suas explicações são verdade e as usam. Tudo bem, Marx acertou e é verdade, o capitalismo tende à irracionalidade desde o momento de sua vitória sobre o antigo regime. Mas, o capitalismo tem se reinventado e, mesmo que se argumente que isto se dê sobre as mesmas bases, é preciso constantemente refazer O CAMINHO de Marx: da crítica radical ao entendimento das relações sociais por detrás dos fenômenos.

    No meu entendimento, comunismo (crítica radical) e ateísmo (compreensão do papel social da religião) são opiniões referentes a instâncias completamente distintas das estruturas de formação do indivíduo. Cada qual deve ser guardada em seu devido lugar. Eu, por exemplo, estou tentando constantemente realizar a crítica radical — e inclusive assumo que a crítica marxiana à religião é verdadeira. Mas, acredito em Deus. Afinal, se o mundo é contraditório, quem sou eu para pensar que serei capaz de não o sê-lo?

Paulo Luiz mendonça. em 04/10/2014 - 12h34 comentou:

Seria bom mesmo ter vida após a morte?

Imaginemos uma situação, por exemplo uma criança, inicia sua vida em um lar qualquer, cresce religiosa praticante, confiante que existe vida após a morte. Ela se torna adulta, casa e tem dois ou três filhos, lá pelos cinqüenta anos morre, deixa seus filhos, seu marido, seus pais, parentes e amigos.
Imaginemos como ela se sentirá lá no paraíso, estará ela feliz por ter merecido o céu, ou estará extremamente triste pensando principalmente nos seus filhos: Será que sofrem! E meu marido será que arranjou uma madrasta má para meus filhos, meus pais como estarão, meus amigos e meus parentes será que sofrem pela minha morte!
Alguém em sã consciência poderá pensar que ela está em júbilo por ter ganhado o tão prometido céu. Creio que não, a tristeza deve lhe corroer a alma pela eternidade.
Sendo assim, acredito que a melhor justiça seria não ter vida após a morte, isso eliminaria o sofrimento de quem parte e deixa seus entes queridos.
Os teólogos irão dizer que a pessoa que foi para lá, com o tempo esquece, como nós aqui esquecemos os que morreram. Esta explicação não procede, porque para nós que ficamos sabemos perfeitamente que a pessoa morreu, está enterrada e tudo acabou, mas para quem está no paraíso, jamais esquecerá, porque os que ficaram estão vivos, podem estar sofrendo. Uma mãe jamais esquecerá principalmente dos seus filhos, a angustia se prolongará para sempre. Portanto na morte, o fim de tudo seria a justiça perfeita.

Paulo Luiz Mendonça.

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