Socialista Morena
Direitos Humanos

Deputado defende que artista que fez performance no MAM seja torturado

"Direitos humanos é um porrete de pau de guatambu, que a gente usou muitos anos em delegacia de polícia, rabo de tatu, que também usamos em bons tempos", disse Laerte Bessa, do DF

O deputado defensor da tortura Laerte Bessa, do DF. Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Katia Guimarães
04 de outubro de 2017, 12h09

A Câmara dos Deputados é um espelho de como vive hoje o Brasil pós-golpe, que censura a arte, é hipócrita e implacável com as diferenças em nome da moral e dos bons costumes. O plenário da Casa foi palco, na noite desta terça-feira, 3 de outubro, de discursos grotescos de ódio só vistos durante a ditadura militar, protagonizados por deputados das bancadas evangélica e da bala, que pregaram a porrada e a tortura em colegas parlamentares e no coreógrafo Wagner Schwartz. A ira foi apoiada por parte dos deputados, que aplaudiram os ataques à performance do artista na exposição Brasil em Multiplicação —nela, seu corpo nu podia ser tocado pelo público, em uma interpretação da obra Bicho, de Lygia Clark. Quando deputados de oposição reagiram, foram xingados e ameaçados de porrada.

Uma das intervenções mais horripilantes foi a do deputado Laerte Bessa (PR-DF), ex-diretor-geral da Polícia Civil de Brasília, que se diz  um dos maiores especialistas em segurança pública do país e é relator da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 171/93 que reduz a maioridade penal de 18 anos para 16 anos. Depois de exaltar a tortura e fazer ameaças dentro do plenário, Bessa disse que o artista merecia levar uma “taca”. Saudosista, Bessa lembrou os anos de chumbo ao citar com insolência o pau de guatambu, um dos dez tipos de atrocidades cometidas pelos militares nos porões da ditadura.

“Pergunta se ele conhece direitos humanos? Direitos humanos é um porrete de pau de guatambu, que a gente usou muitos anos em delegacia de polícia. Se ele conhece rabo de tatu (usado para chicotear presos), que também usamos em bons tempos em delegacia de polícia. Se aquele vagabundo fosse fazer aquela exposição ia levar uma ‘taca’ que ele nunca mais iria querer ser artista e nunca mais iria tomar banho pelado”, afirmou Bessa depois de levar um pito do presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que mandou retirar o registro de seu discurso dos arquivos da Câmara.

A agressão foi endereçada não só ao artista do MAM, mas ao deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ), que pouco antes, sob vaias, criticou Rodrigo Maia por permitir que os deputados fundamentalistas usem a tribuna para incitar a violência e o ódio. “O que eles estão fazendo aqui é mentir deliberadamente, porque querem criar uma cortina de fumaça através desse sistema moral —hipócritas e falsos moralistas que são— para, na verdade, deixar passar uma agenda que destrói o direito dos trabalhadores, que quer aprovar a reforma da Previdência e fazer o que fizeram agora: votar por negociação de dívidas bilionárias de empresários políticos aqui dentro. Eles enganam os trouxas com essa pauta moral. Volto a dizer, são todos hipócritas, porque um aparece acusado de estupro, outro assiste a vídeo pornô no plenário, outro é acusado de comandar grupo de extermínio, mas são eles que se acham homens que defendem a família brasileira”, enfatizou.

Se aquele vagabundo fosse fazer aquela exposição ia levar uma 'taca' que ele nunca mais iria querer ser artista e nunca mais iria tomar banho pelado

No facebook, Wyllys relatou o episódio: “Tudo isso porque eu fui desmontar os discursos demagógicos deles contra os artistas e em ‘defesa da família brasileira’. Acusei-os do que são: hipócritas, porque são acusados na justiça de estupro, de comandar grupos de extermínio nas periferias das cidades e de assistir a vídeo pornô em plenário, enquanto usam o tema da ‘moral e dos bons costumes’ como cortina de fumaça para esconder que estão vendendo o patrimônio nacional, destruindo o direito dos trabalhadores, pondo fim à aposentadoria e protegendo a corrupção de Michel Temer e seu governo. Que ‘defensores da família” são esses?”

A confusão começou porque o deputado João Rodrigues (PSD-SC) provocou discussões no plenário com seu discurso fascista sobre a performance de Wagner Schwartz. O parlamentar não poupou nem mesmo os colegas que defenderam a mostra no MAM. “Não é só um ataque à moral do povo brasileiro, mas é pra mexer com o subconsciente dos tarados do Brasil. O psicopata, o tarado por criança, quando vê aquela imagem daquele patife, certamente dirá: ‘tudo pode’”, completou. Mas vejam só, quem falou isso foi justo o parlamentar que, em 2015, foi flagrado no plenário vendo vídeo de pornografia pelo celular em plena votação da reforma política. Na época, alegou que recebia “muita sacanagem” de seus amigos.

Transtornado, João Rodrigues defendeu o cacete em quem apoiou a mostra. Em nome da moral da família brasileira, é claro. “Tem que ir para a porrada com esses canalhas!”, disse, interrompido por aplausos. “Nós não podemos mais ficar quietos diante disso tudo que está acontecendo todos os dias às portas das nossas casas! Se você for um, é em você que eu dou na cara! Se você for um apoiador de patife, se você apoia tarado, é na sua cara que eu dou! Isso é para você e para qualquer pilantra que está aqui dentro! Vocês têm que ter vergonha na cara, bando de pilantras!”, completou, sob palmas e vaias.

Ninguém vê uma reação dessas quando crianças morrem de fome e são diariamente vítimas de pedofilia no país, mas, para João Rodrigues, a mostra foi um ataque previsto no ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), o mesmo que eles querem vilipendiar reduzindo a maioridade penal, da qual Bessa é relator. “Não consigo acreditar que tenha algum pilantra, algum vagabundo dentro dessa Casa que aplauda isso, porque se tiver tem que levar porrada. Se tiver tem que ir para o cacete, para aprender. Bando de safado, bando de vagabundo, bando de traidores da moral da família brasileira. Tem que ir pra porrada com esses canalhas”, bradou. “Canalhas, pilantras, tarados, saibam que a coisa não é como vocês querem; é como tem que ser, como a lei brasileira estabelece! Vocês têm que ter mais respeito pelas famílias, pelo menos por quem quer ter a união familiar, o respeito, a educação.”

Para João Rodrigues, a mostra foi um ataque previsto no ECA, o mesmo que eles querem vilipendiar reduzindo a maioridade penal, da qual Bessa é relator

Apoiando João Rodrigues, o deputado Major Olímpio (SD-SP) alegou que “nenhum direito é absoluto. O direito à liberdade de expressão não se sobrepuja ao direito da criança à família e à proteção” e lançou mão da Constituição Brasileira para condenar a performance no MAM e anunciar que apresentou representação ao Ministério Público para apurar atos de “pedofilia” na exposição. “Não dá para proteger criminoso, pedófilo. Não dá para dizer que é arte mesmo”, afirmou.

A cena no plenário indignou vários parlamentares e o deputado Edmilson Rodrigues (PSOL-PA) pegou o microfone para reagir ao discurso de ódio de seu colega, lembrando o episódio da pornografia no celular do parlamentar catarinense. “Ele foi flagrado assistindo filme pornográfico. Se é filme pornográfico, tem sexo, tem nu. Tenha vergonha na cara aqueles que querem dar puxão de orelha aos quem têm compromisso com a arte e a justiça social”, afirmou. Isso bastou para a confusão se instaurar e o deputado do PSC partir para cima de Edmilson, que foi xingado de filho da puta. Seguranças foram chamados para conter o embate entre os dois.

O líder do PSOL, deputado Glauber Braga (PT-RJ) também condenou a hipocrisia de João Rodrigues. “Está para nascer quem vai, com esse tipo de expediente, amedrontar a bancada do PSOL. V.Exas. não amedrontarão a bancada do PSOL. Nós não deixaremos de maneira alguma de fazer nesta tribuna e neste plenário as nossas defesas. Podem ter a certeza de que, para fazer com que a hipocrisia não seja fato consumado, aqueles que fingem defender as crianças brasileiras e são os mesmos que incentivam a política de guerra para matar milhões de brasileiros e brasileiras, inclusive milhões de crianças, não vão ter da nossa parte uma ação que possa ser submissa a esse tipo de comportamento. Se acham que vão utilizar o plenário para nos intimidar, estão muito enganados. Vamos continuar defendendo a democracia, a liberdade e a justiça. Não nos intimidarão”, completou.

Cenas lamentáveis como estas causam arrepios, não só porque foram protagonizadas por pessoas que deveriam estar na capital federal para ajudar a criar um país mais justo e humano, mas porque contaminam toda uma geração. Falas como as de ontem estimulam uma horda de imbecis a colocar em prática os que os seus líderes pregam. Vale lembrar que funcionários do MAM de São Paulo apanharam durante o protesto contra a exposição e o artista Wagner Schwartz foi ameaçado.

É bom ficar de olho no que acontece daqui para a frente. Enquanto isso no Rio de Janeiro, talvez para não provocar ânimos mais exaltados, o Museu de Arte Moderna do Rio arregou para o fundamentalismo religioso encarnado na figura do prefeito carioca, Marcelo Crivella, da Universal do Reino de Deus, que, no final de semana, em tom de ameaça, disse em vídeo que a exposição Queermuseu não deveria chegar à cidade. É muito difícil ver que o país virou um imenso pasto para a intolerância e o fascismo.

 

 


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Ney em 04/10/2017 - 22h29 comentou:

O Golpe como a presidenta Dilma disse não foi contra o seu governo, foi contra todos nós. Tipos como Jana, o dono da Riachuelo, o Bolso, Kim Katupiri, Dó-ria e outros nazistas estão pautando as discussões e são levados a sério por uma horda de atrasados que acham que isto esta certo e é a saída e são incapazes de perceber que os retrocessos atingirão em cheio o povo, a classe trabalhadora. Eu mesmo não pensava que estes golpistas teriam tanta coragem! Que 2018 chegue logo e que estes energumenos não floresçam, pois com a grande abstenção não será fácil pra eles também, tomara!

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MARCIA F SANTOS FERREIRA SANTOS em 06/10/2017 - 13h44 comentou:

Se o povo não acordar e não se levantar,teremos de volta a ditadura,a mordaça que já chegou em forma de lei,que proíbe na internet,na eleição,de falar mal(verdade) dos candidatos,proibição a arte e querendo de volta a tortura.O pior se instalou no país,uma justiça parcial,onde se forja documentos,para se incriminar e condenar sem provas.2018 é a chance do povo,dá um basta e não votar em nenhum que apoiaram esses golpistas ou voltará para a senzala.QUEREMOS NOSSA DEMOCRACIA DE VOLTA.#Lula 2018.

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ari em 07/10/2017 - 20h20 comentou:

Acho que li por aqui que o ódio a PT está emburrecendo parte da população.
Imagine-se uma figura intragável como o Caiado “preocupado” com as crianças. Ele, que juntamente com seu partido foram sistematicamente contra toda e qualquer ação afirmativa em favor dos mais fracos e dos excluídos, inclusive recorrendo ao STF, como no caso do Mais Médicos, um programa que considero um dos maiores avanços na saúde pública no Brasil. Quem se consultou com um cubano, como eu aqui no sertão baiano, não quer nem ouvir falar nos antigos passadores de receita

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Paul Lelys em 08/10/2017 - 09h32 comentou:

Temo que 2018 não passe de mais uma fase deste golpe indigno, forjarão as eleições, como creio que já fizeram nas eleições municipais passadas. Só a população teria condições de alterar estes rumos, se já tivesse se erguido em monumentais manifestações. O que infelizmente não se viu. Talvez nossos netos consigam restaurar parte da democracia, até lá milhões morrerão de doença e fome, outros tantos assassinados em nome da pseudo “segurança” pela qual o povo clama e acreditem, terão milícias autorizadas pelo poder a matar em via pública se assim desejarem. Não gostaria de ver meus netos nascendo e crescendo em lugar como este. IMENSA VERGONHA DE SER BRASILEIROS.

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