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Empresa reaça de tecnologia que elegeu Trump chega ao Brasil, de olho em 2018

Acusada de influenciar o referendo que levou à saída do Reino Unido da União Europeia, a Cambridge Analytica tem em João Doria seu parceiro ideal

A Cambridge Analytica is watching you. Foto do filme 1984, de 1956
Guilherme Coutinho
18 de outubro de 2017, 21h04

Uma empresa de inteligência artificial, que garante ser capaz de ler a cabeça de milhões de pessoas em tempo real, está protagonizando uma verdadeira revolução conservadora no mundo. Este poderia ser o roteiro de um capítulo da série de ficção científica Black Mirror ou parte de um futuro distópico imaginado por George Orwell, mas é exatamente o que tem ocorrido com a empresa de big data Cambridge Analytica. A empresa, que trabalhou nas campanhas vencedoras do Brexit e de Donald Trump, instalou uma operação no Brasil visando as eleições de 2018. E já parece ter o candidato ideal por aqui.

O jornal britânico The Guardian classificou o papel dela no Brexit como “sinistro” e como uma ameaça à soberania inglesa

O fundador e maior acionista da Cambridge é o bilionário norte-americano Robert Mercer, conhecido, entre outras coisas, por ter reinventado Wall Street com o uso de inteligência artificial e por ser um dos maiores financiadores de projetos de ultradireita nos EUA, além de sua notória amizade com o presidente do país. O big data da empresa funciona basicamente com armazenamento, processamento e análise de dados em tempo real, o que permite ter um conhecimento assustadoramente aprofundado sobre seu campo de interesse. Em seu próprio site, a Cambridge garante possuir mais de 5 mil dados de 230 milhões de eleitores norte-americanos. No entanto, eles não revelam como exatamente utilizam esses dados e qual é sua metodologia de aplicação.

A atuação da empresa em campanhas tem sido amplamente criticada, apesar de sua eficácia raramente ser questionada. O jornal britânico The Guardian classificou o papel dela no Brexit como “sinistro” e como uma ameaça à soberania inglesa em uma série de artigos a partir deste, The great British Brexit robbery: how our democracy was hijacked (O grande roubo britânico do Brexit: como nossa democracia foi sequestrada). As matérias, assinadas pela jornalista Carole Cadwalladr, denunciaram como a empresa influenciou os votos pela saída do Reino Unido da União Europeia, inclusive violando leis britânicas.

No dia seguinte à publicação da primeira reportagem, a jornalista contou no twitter que a empresa ameaçou processá-la.

Claro, a repórter disse que era “assustador” ser ameaçada de processo por um bilionário…

Agora, embora nem o Guardian nem a empresa confirmem a existência de uma ação judicial, as reportagens de Carole aparecem com a epígrafe: “este artigo é alvo de queixas legais por parte da Cambridge Analytica”. A denúncia do jornal está sendo investigada pelo British Information Commissioner’s Office (ICO), uma agência independente que monitora o cumprimento das estritas leis britânicas sobre a internet e os meios de comunicação (sim, lá existe regulação da mídia). A empresa afirma que não se envolveu no referendo, apesar de seu nome aparecer em reportagens da época afirmando o contrário.

Já a revista digital norte-americana Newsweek questionou a ética da Cambridge Analytica no artigo de capa How big data mines personal info to craft fake news and manipulate voters (Como o Big Data garimpa informações pessoais para gerar notícias falsas e manipular eleitores). Segundo a revista, após as críticas, a empresa, que antes se autopromovia de forma agressiva, passou a ser mais low profile e a negar o uso de dados do facebook, a não ser em questionários com o “expresso consentimento” dos usuários da rede de Mark Zuckerberg.

Após as críticas, a empresa passou a ser mais low profile e a negar o uso de dados do facebook, a não ser em questionários com “expresso consentimento”

De olho nas eleições de 2018, a Cambridge desembarcou no Brasil recentemente, por meio de uma parceria com o marqueteiro baiano André Torretta. E João Dória, pré-candidato a presidência, que já usa softwares de big data, está na área. “Fiz muita palestra para o Doria, para o Lide. É uma conversa que eu não posso negar”, afirmou Torretta ao jornal El Pais. Sobre o MBL, Torretta afirmou não ter relação profissional com o grupo, mas elogiou a eficiência do discurso. “Este tipo de comunicação, que o MBL sabe fazer muito bem, era usada em guerra. É mais figadal. Alguém ensinou isso para eles”, disse, indicando que a tecnologia está funcionando como o epicentro da onda conservadora que assola o país.

Doria, sem dúvida, representa à perfeição o perfil da Cambridge Analytica. Como Trump, foi apresentador de TV, é da direita conservadora, obedece ostensivamente ao mercado e utiliza de forma entusiasmada as redes sociais. A julgar por ações como o apoio a Temer e Aécio, as polêmicas como a “ração humana” e a demolição de prédios com pessoas dentro na Cracolândia, o prefeito de São Paulo parece não ter limites de ordem ética sobre os métodos obscuros da empresa. Em uma eleição com restrições a financiamento de campanha, as redes prometem ter um papel primordial na disputa pelos maiores cargos do país. É a vida imitando a arte. No caso, a distopia.

 

 


(11) comentários Escrever comentário

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Rodrigo Dias em 18/10/2017 - 22h07 comentou:

Enquanto isso os “posmodernos” (que sempre fingiram ser de esquerda) insistem que “tudo é conhecimento”. Mas conhecimento mesmo pra fazer esses truques, só tem quem ESTUDOU BASTANTE. E a esquerda continua engolindo a falácia posmoderna, talvez por preguiça, talvez por ignorância, talvez por ambos. E pra piorar, apenas muito raramente aceita investigar a questão.

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Rodrigo Dias em 19/10/2017 - 13h44 comentou:

Cynara, você parece ser uma pessoa inteligente, mas também evita fazer comentários quando faço críticas ao posmodernismo. Você não sente que há algo errado nessa tendência que tem dominado nossas universidades e esvaziado a capacidade analítica dos nossos estudantes? Mando dois links onde tentei explicar melhor meu ponto de vista: http://socialismonatural.blogspot.com.br/2017/08/os-defensores-do-posmodernismo-sao-de.html e sexodrogaseroquenrol.blogspot.com.br/2013/06/denuncia-do-pos-modernismo-como-arma.html. Por favor, diga alguma coisa.

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    Cynara Menezes em 19/10/2017 - 14h36 comentou:

    não comento porque acho tudo isso um saco. a divergência é sempre boa, tenho problema com esquerda que não aceita divergência

PAULO em 19/10/2017 - 14h58 comentou:

Estamos ferrados pra 2018, Doria, Bolsonaro….!!!!, os jovens estão cedendo ao pensamento fascista, tempos sombrios estão por vir!!!!!

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Rodrigo Dias em 19/10/2017 - 16h29 comentou:

Não estou falando de “divergência”. Estou falando de um movimento anti-intelectual que está se passando por esquerda e deixando nossos jovens de esquerda (principalmente os estudantes de humanas — que são os que mais se envolvem politicamente) ignorantes, alienados e sem noção do que sejam ciência, lógica e filosofia. Você concorda que “cada um tem a sua verdade”? Antes se dizia que “cada um tem a sua opinião”, e opiniões podem ser mudadas. É inclusive saudável mudar de opinião quando a mesma não corresponde aos fatos. Mas o que está sendo ensinado há décadas? Que “não existem fatos”. Temos agora uma geração de potenciais esquerdistas que vive uma espécie de conto-de-fadas, e isso está arruinando o poder da esquerda. Onde é que eu vou encontrar alguém “de esquerda” no Brasil que queira denunciar essa farsa?

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Francisco Fontes Lima Neto em 20/10/2017 - 19h08 comentou:

Divergir é salutar, porém é importante saber porque marchar junto.
Nesses tempos que a face conservadora e reacionária do Brasil escancara com sua usual sem vergonhice, nós de esquerda deveríamos relembrar porque Hitler chegou ao poder na Alemanha.
Um livro magistral de Trotsky, Revolução e Contrarevolução na Alemanha, dá muita ênfase à divisão fa esquerda com socialistas e comunistas vendo o outro como o diabo.
E o verdadeiro demo só na espreita!

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Rodrigo Dias em 20/10/2017 - 22h59 comentou:

Cynara, quer dizer que você diria do nazismo que “é uma boa divergência”? Que uma pessoa gostar de ter escravos na sua fazenda “é uma boa divergência”? Que um país que tortura e mata homossexuais “é uma boa divergência”? Fala sério!

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    Cynara Menezes em 21/10/2017 - 13h51 comentou:

    falei de divergências dentro da esquerda. você tá pirado?

Maria Alice Correia em 21/10/2017 - 00h28 comentou:

Certeza que as redes estão sendo assaltadas por mensagens em vídeos produzidos em inglês e traduzidos para o português. Há meses tenho visto vários. São bem feitos, com discursos rasos e aparentemente coerentes. Estão fazendo um estrago mental. Como sim, foi feito contra o PT, Lula e Dilma, desde o segundo mandato de Lula. Olhos e mente abertos, minha gente….. que a batalha é desonesta, aética……

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Rodrigo Dias em 30/10/2017 - 21h41 comentou:

“falei de divergências dentro da esquerda” Ah tá! Mas eu não estava falando de esquerda, Cynara. Leia de novo: ““posmodernos” (que sempre fingiram ser de esquerda)”. Não falei de divergências dentro da esquerda, estou falando de um movimento que finge ser de esquerda, sabota os cérebros de milhões de estudantes, e a maioria da esquerda brasileira não vê. (E claro, tem aqueles que fingem que não viram, como fingem ser de esquerda.)

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Rodrigo Dias em 06/11/2017 - 14h46 comentou:

E então, Cynara? Entendeu agora?

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