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25 anos após o fim da guerra fria, EUA vivem “love affair” com o socialismo

Enquanto no Brasil a direita segue repetindo platitudes sobre o socialismo (assim como faz a direita norte-americana mais apatetada), o termo está em alta no país-símbolo do capitalismo. Tudo se deve ao senador Bernie Sanders, o pré-candidato democrata à presidência que conseguiu roubar os holofotes da rival Hillary Clinton. Auto-denominado “socialista democrático”, Sanders, ao contrário […]

Cynara Menezes
25 de janeiro de 2016, 20h49
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(Punho erguido no comício de Bernie Sanders no Colorado. Foto: Nat Stein)

Enquanto no Brasil a direita segue repetindo platitudes sobre o socialismo (assim como faz a direita norte-americana mais apatetada), o termo está em alta no país-símbolo do capitalismo. Tudo se deve ao senador Bernie Sanders, o pré-candidato democrata à presidência que conseguiu roubar os holofotes da rival Hillary Clinton. Auto-denominado “socialista democrático”, Sanders, ao contrário de muita gente que se diz de esquerda por aqui, não economiza no uso da palavra. E faz bem, porque pesquisas recentes mostram que boa parte do eleitorado democrata hoje se define como socialista. Não é incrível?

“Socialism” foi escolhida “a palavra do ano” em 2015 pelo dicionário online Merriam-Webster. É atualmente a 7ª palavra mais buscada em todos os tempos no dicionário e a pesquisa por seu significado aumentou 169% no ano passado. “O fato de um candidato à presidência de um partido majoritário abraçar o socialismo mostra que o termo superou as definições do tempo da guerra fria”, publicou o Merriam-Webster em seu site. O verbete que o dicionário norte-americano dedica ao socialismo também se modernizou: o conceito aparece mais identificado com a social-democracia europeia, com a regulação da economia pelo Estado e as políticas sociais aplicados em países como a Suécia e a Dinamarca do que com (como repetem sem parar os bolsomitômanos) o totalitarismo da finada União Soviética ou da Coreia do Norte.

Desde que Bernie começou a ameaçar Hillary, pipocam por toda parte artigos perguntando se “a América estará finalmente pronta para o socialismo”.

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Ora, a História mostra que foi preciso muito sangue derramado para conter os ímpetos socialistas na terra do tio Sam. Existiu um socialismo cristão por lá desde o século 19, anterior portanto à revolução russa. Nos primeiros anos do século 20, um forte movimento sindical de cunho socialista e anarquista foi reprimido com tortura, prisões, pena de morte e deportações (leia mais aqui e aqui). Durante o macartismo, a partir da década de 1950, comunistas passaram a ser acusados de “espionagem” em favor da URSS e executados na cadeira elétrica. Mas, nos anos 1960, ativistas dos direitos civis como os Panteras Negras continuavam a se identificar como comunistas ou socialistas.

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(Cartaz dos Panteras Negras por Emory Douglas, 1969)

Se o socialismo, mesmo perseguido, nunca morreu inteiramente nos EUA, pode-se dizer que nos últimos meses resolveu sair do armário. Já há inclusive quem fale que a América vive um novo love affair com o socialismo… Um facilitador para esta redescoberta é que agora não existe um inimigo da pátria que “represente” o socialismo. Ou seja, o socialismo voltou a ser o que é em sua essência, uma forma de ver o mundo. E o socialista deixou de ser o “traidor da pátria”. Não existe mais razão para perseguir pessoas que pensem desta maneira, ainda mais em um país onde a liberdade de pensamento é o artigo número um da Constituição.

Uma pesquisa do instituto Gallup de junho de 2015 revelou, de forma surpreendente, que 47% dos norte-americanos disseram que poderiam votar num candidato que se intitula “socialista”. Entre os democratas, o número dos que votariam em um socialista para a presidência sobe para 59%. O mais impressionante é que até entre os republicanos há gente que não veria problema em votar em alguém que se denominasse assim: 26% deles disseram que também poderiam votar num político dito socialista.

Outra pesquisa, feita entre os eleitores democratas no estado do Iowa neste mês, mostra que 43% deles usariam a palavra “socialista” para se descrever a si mesmos. Um número maior do que os que disseram ser “capitalistas”: 38%. Uma terceira sondagem, patrocinada pelo jornal The New York Times em conjunto com a cadeia de TV CBS em novembro de 2015, revelou que também os apoiadores de Hillary Clinton possuem uma imagem positiva do socialismo. 56% dos eleitores aptos a votar nas primárias do partido Democrata disseram ver de forma positiva um governo identificado com o socialismo, contra 29% que têm uma visão negativa. O número é ainda maior entre os jovens (63%) e afro-descendentes (70%). O interesse no socialismo tem tudo a ver com a crescente desigualdade no país: 88% dos eleitores democratas ouvidos pela pesquisa disseram que o abismo entre pobres e ricos é um assunto urgente a ser enfrentado.

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Apesar de não se furtar de falar de socialismo ou de posar para fotos com o punho erguido, célebre símbolo comunista, Bernie Sanders tem se mostrado disposto a esclarecer que o mundo de hoje é diferente e que a esquerda evoluiu. “Da próxima vez que me atacarem como socialista, lembrem-se que eu não defendo que o governo deva confiscar a mercearia da esquina ou deter os meios de produção”, disse ele. “O que eu acredito é que a classe média e os trabalhadores deste país, que produzem a riqueza, merecem um padrão de vida decente e seus ganhos devem subir, não baixar.” Não à toa, enquanto Hillary conta com o suporte financeiro de bancos e emissoras de TV, os principais doadores de Bernie são sindicatos e entidades ligadas aos trabalhadores.

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(Doadores de Bernie Sanders…)

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(…e doadores de Hillary Clinton)

Nesta entrevista ao humorista Seth Meyers, Bernie explica por que o socialismo não é um palavrão. Ele cita países como a Noruega, em que a saúde é um direito de todas as pessoas, como aliás quase toda a Europa, diferentemente do que acontece nos EUA, onde quem não tem dinheiro para custear um plano de saúde privado morre na rua (assista ao documentário Sicko, de Michael Moore, sobre o tema). Ou países em que a educação é pública e gratuita e todo jovem pode ir à universidade, não apenas quem pode pagá-la, ao contrário dos EUA. E em que os governos trabalham para as classes menos favorecidas e não para os bilionários.

“Para mim, socialismo democrático significa que nós podemos criar uma economia que funcione para todos, não apenas para os muito ricos. Socialismo democrático significa que nós podemos reformar um sistema político que hoje não é só absolutamente injusto como é, em muitos aspectos, corrupto”, disse Bernie em um discurso na Universidade de Georgetown em novembro, desmontando a falácia da “terra das oportunidades iguais para todos” e da “meritocracia”. Aonde quer que ele vá, arrasta multidões. Esta semana, milhares de simpatizantes de sua candidatura marcharam em 35 cidades dos EUA. Aqui, na terra de Obama:

E pensar que diziam que o socialismo estava na pior, hein? Mesmo que Bernie Sanders não saia candidato à presidência, a sementinha está plantada. Sempre que os EUA enfrentarem crises econômicas, que o fosso entre os pobres e ricos aumentar e que mais gente estiver morando nas ruas, uma palavra vibrará nos ouvidos dos norte-americanos: por que não tentamos o socialismo?

 

 


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