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Fake news: mais do que mau jornalismo, uma máquina antiética de fazer dinheiro

A real discussão a ser feita é sobre a ameaça que a fabricação, circulação e divulgação de notícias falsas e mentiras maliciosas trazem para a democracia

The Yellow Press, L.M.Glackens, 1910
Da Redação
04 de maio de 2017, 21h09

Por Aidan White, do Ethical Journalism

Tradução de Charles Nisz*

Não há assunto mais comentado na mídia atual do que as chamadas fake news (notícias falsas). Mas esse debate é prejudicado pelo mau entendimento desse fenômeno, das suas origens e porque ele traz ameaças não apenas ao jornalismo, mas a todo o sistema democrático e a pluralidade de opiniões.

Para começar a discutir o tema e entender do que estamos falando, vamos primeiro definir o que são fake news. Donald Trump alardeia sua definição desse conceito em coletivas de imprensa: é qualquer forma de jornalismo com a qual ele discorde.

“Isso é fake news“, grita Trump para qualquer repórter ou jornalista de uma empresa que contradiga a ele ou à trupe instalada na Casa Branca. Quando o presidente dos EUA faz afirmações infundadas e rotula reportagem apurada de “falsas” e quando sua equipe de governo expõe teorias sobre “fatos alternativos”, o desafio posto ao jornalismo e aos valores que ele representa é ameaçador.

Seja intencional ou não, o dilacerante ataque de Trump aos jornalistas que o criticam abriu um debate sobre verdade e confiança na comunicação pública, mesmo que seu ataque aos jornalistas e à mídia seja estúpido e politicamente desonesto.

Pensar que a crise causada pelas fake news tem raízes nos erros de descuidados ou incompetentes jornalistas é uma preguiçosa distração política que nos afasta da real discussão a ser feita sobre a ameaça que a fabricação, circulação e divulgação de notícias falsas e mentiras maliciosas trazem para a democracia.

Vamos para uma segunda definição, desenvolvida pela Ethical Journalism Network: “notícias falsas são informações deliberadamente fabricadas e publicadas com a intenção de iludir e enganar os outros para que acreditem em falsidades ou duvidem de fatos verificáveis”. Se aceitarmos esse ponto de vista, torna-se mais fácil identificar informações que devem ser problemáticas para quem se preocupa com a democracia, a liberdade de expressão e as comunicações públicas responsáveis.

Essa definição é útil por um motivo muito simples. Ela estabelece um padrão para definir o que é propaganda política; desinformação na publicidade; distorção, exagero, malícia e comunicações egoístas em qualquer forma de discurso público.

Naturalmente, o jornalismo tem sua parcela de responsabilidade também. Sempre houve falsidade e desinformação no ramo. O jornalismo tem muitos repórteres independentes que criam notícias ou maquiam fatos e citações. Mas estes são repórteres desonestos –quando expostos, são colocados no seu devido lugar e mandados para casa.

Editores conceituados serão os primeiros a admitir que o jornalismo é uma profissão competitiva e é inevitável que, no processo frenético de apuração noticiosa e na correria para vencer o deadline, erros serão cometidos. Mas o jornalismo digno do nome reconhece seus erros. A proliferação de colunas de “erramos” nos jornais impressos e digitais demonstra que a precisão e a confiabilidade permanecem fundamentais para a confiabilidade do jornalismo, é seu maior bem público.

A ameaça representada por falsas notícias não surge por causa do trabalho dos jornalistas, apesar dos grandes esforços de líderes políticos como Trump, do premiê turco Erdogan ou do presidente russo Vladimir Putin, em atacar o jornalismo independente e vozes dissidentes –não para defender a verdade e o pluralismo, mas para intimidar a mídia para que ela siga a agenda política deles.

Mas não há como negar que informações falsas são uma força disruptiva na comunicação moderna. Também não há dúvida de que elas representam uma ameaça para a democracia como ficou claro pelo papel desempenhado por narrativas falsas na eleição presidencial dos Estados Unidos de 2016 e o referendo sobre a saída Grã-Bretanha da União Europeia.

Uma grande parte do problema reside na natureza imperfeita da comunicação contemporânea, mais precisamente, do modelo de negócio das principais plataformas da Internet como Google, Facebook e Twitter.

Essas redes circulam informações em um ambiente livre de valoração, não fazendo distinção entre jornalismo de qualidade e as mentiras das pessoas que disseminam discurso de ódio ou até mesmo imagens de tortura, assassinato e outras maldades que os humanos são capazes de cometer.

Usando algoritmos sofisticados e bancos de dados ilimitados que fornecem acesso a milhões de assinantes, esse modelo de negócios é impulsionado por “informações virais” que se espalham e fornecem cliques suficientes para acionar a publicidade digital. Não importa se a informação é verdadeira ou honesta. O que conta é se ela é sensacional, provocativa e estimulante o suficiente para atrair a atenção.

Este modelo encoraja um novo espírito empreendedor no mundo da informação, mas não é um espírito que favoreça a comunicação e o jornalismo éticos. Ninguém deve se surpreender, portanto, que adolescentes macedônios com conhecimento em tecnologia tenham usado a plataforma do Facebook para divulgar notícias falsas em torno da eleição nos Estados Unidos –afinal, era uma ótima oportunidade de negócios.

O uso de algoritmos e robôs para gerenciar e distribuir informações regularmente leva as grandes empresas de tecnologia a se meter em enrascadas mesmo quando elas estão tentando fazer a coisa certa. A censura do Facebook a uma célebre foto da guerra do Vietnã em 2016 é um exemplo desses problemas trazidos pela robotização da informação.

Isso ocorreu por causa das tentativas da empresa de tirar do ar fotos que exploravam a nudez infantil, mas isso levou a uma batalha com um editor, irritou empresas de mídia e defensores da liberdade de expressão mundo afora.

Os defensores da digitalização dizem que os robôs são úteis. Certamente são, mas eles não podem ser codificados com valores éticos e morais. Não há dúvidas que os humanos são melhores para lidar com questões éticas sobre conteúdo jornalístico ou informativo. No entanto, o novo modelo de negócios tira dos humanos qualquer papel significativo nesse trabalho.

A ameaça à esfera pública da informação é evidente, mas não é apenas o jornalismo de interesse público ou o direito do leitor em em acessar informações confiáveis que está em risco. Tim Berners-Lee, inventor da world wide web, advertiu recentemente que o modelo de negócios de plataformas online é também uma potencial ameaça para a democracia representativa, especialmente no momento das eleições.

Ele diz que as técnicas sofisticadas usadas para promover a propaganda política online podem ser antiéticas pela forma como elas direcionam as pessoas e direcionam os eleitores para sites de notícias falsas.

Ele usou o 28º aniversário da world wide web para falar sobre os perigos que surgem quando a maioria das pessoas obtém suas informações de poucas fontes e sobre a crescente sofisticação de algoritmos que se baseiam em abundantes bancos de dados pessoais para campanhas políticas.

Em uma carta aberta publicada em 12/03/2017, Lee escreveu: “Uma fonte sugere que na eleição norte-americana de 2016, até 50.000 variações de anúncios estavam sendo oferecidos todos os dias no Facebook, uma situação quase impossível de monitorar”, ele escreveu . “E há sugestões de que algumas propagandas políticas –nos EUA e em todo o mundo– estão sendo usadas de forma antiética: para direcionar os eleitores para sites de fake news, por exemplo… Isso é democrático?” É uma questão que vale a pena perguntar em todos os níveis da política.

O desenvolvimento de modelos de negócios guiados por algoritmos que privilegiam os cliques em vez do conteúdo já drenaram o sangue da publicidade da indústria de mídia tradicional mundo afora e enfraqueceram o jornalismo ético. Eles abriram a porta para uma nova cultura de comunicação na qual a verdade e a honestidade foram eclipsadas pelas falsas notícias, intolerância e mentiras maliciosas. Esse negócio legitimou uma política fantasiosa, capaz de incentivar a ignorância, a incerteza e o medo na mente dos eleitores.

Essa realidade leva o debate sobre as fake news muito além dos resmungos e ressentimentos dos presidentes marqueteiros que só querem domesticar a imprensa. Ela levanta questões maiores, que dizem respeito não apenas ao futuro do jornalismo, mas também sobre a natureza da própria democracia representativa.

 

*PAGUE O TRADUTOR: Gostou da matéria? Contribua com o autor. Todas as doações para este post irão para o tradutor Charles Nisz. Se você preferir, pode depositar direto na conta dele: Charles Jungles Nisz Lourenço, Banco Itau, agência 3748, conta corrente 04689-7, CPF 301.580.808-74. Obrigada por colaborar com uma nova forma de fazer jornalismo no Brasil, sustentada pelos leitores.

 

 


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