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Jon Lee Anderson: não, Thatcher não era uma “campeã da liberdade”, Obama

O jornalista norte-americano Jon Lee Anderson, autor da biografia de Che Guevara, publicou este ótimo texto no blog da prestigiada revista The New Yorker. Tomei a liberdade de traduzi-lo para que vocês o vejam colocar a ex-primeira-ministra britânica Margaret Thatcher, morta na segunda-feira 8 de abril, em seu devido lugar na história da democracia, muito […]

Cynara Menezes
11 de abril de 2013, 16h12

(tem gente que prefere Thatcher e Pinochet…)

(…a Allende e Neruda. Fazer o quê?)

O jornalista norte-americano Jon Lee Anderson, autor da biografia de Che Guevara, publicou este ótimo texto no blog da prestigiada revista The New Yorker. Tomei a liberdade de traduzi-lo para que vocês o vejam colocar a ex-primeira-ministra britânica Margaret Thatcher, morta na segunda-feira 8 de abril, em seu devido lugar na história da democracia, muito além dos elogios que tratam de canonizá-la post mortem. Leiam.

***

Neruda, Pinochet e Thatcher: encontrando justiça nos restos mortais exumados de um poeta

Por Jon Lee Anderson

É curioso, historicamente falando, que Margaret Thatcher tenha morrido no mesmo dia em que os peritos criminais no Chile exumaram os restos do grande poeta chileno Pablo Neruda. Ganhador do Prêmio Nobel de Literatura em 1971 e autor do épico Vinte Poemas de Amor e Uma Canção Desesperada, Neruda morreu com 69 anos (supostamente de um câncer de próstata), apenas doze dias depois do violento gope de Estado de 11 de setembro de 1973, organizado pelo comandante do exército, Augusto Pinochet, contra o presidente socialista eleito, Salvador Allende. Os aviões de combate bombardeavam o Palácio Presidencial e Allende resistia com valentia, mas cometeria o suicídio, com um fuzil que lhe havia sido presenteado pelo presidente de Cuba, Fidel Castro, quando os capangas de Pinochet tomaram o prédio. Neruda era muito amigo e apoiador de Allende; estava doente, mas planejava sair do país rumo ao México, onde havia sido convidado a se exilar. Enquanto jazia no leito de morte em uma clínica, sua casa foi destroçada pelos militares.

Em seu funeral, uma enorme multidão marchou pelas ruas de Santiago –uma cidade sombria e praticamente vazia, exceto pelos veículos militares. Diante de sua tumba, em um dos poucos atos conhecidos contra o golpe de Estado nos dias que se sucederam, os assistentes cantaram a Internacional e saudaram Neruda e também Allende. Ao mesmo tempo, os homens do regime rodeavam a cidade, queimando livros de autores proscritos e caçando aqueles que pudessem achar, para torturar ou matar.

Um par de anos atrás, o ex-motorista de Neruda expressou a suspeita de que Neruda havia sido envenenado, dizendo ter ouvido do poeta que os médicos lhe deram uma injeção e que, imediatamente depois, seu estado piorou drasticamente. Há outras pequenas evidências que reforçam sua teoria, mas nada conclusivo. Agora, é possível que a criminalística proporcione a resposta a uma incômoda pergunta histórica.

Por que trazer Maggie Thatcher a isso? Segunda-feira, em nota oficial, o presidente Barack Obama disse que Thatcher foi “uma das grandes campeãs da independência e da liberdade”. Na verdade, ela não foi. Thatcher foi uma feroz combatente da Guerra Fria e, no que diz respeito ao Chile, nunca mostrou a devida compaixão pelas pessoas que Pinochet matou em nome do anti-comunismo. Preferia falar do tão alardeado “milagre econômico chileno”.

E matar foi o que ele fez. Os soldados de Pinochet reuniram milhares de suspeitos no estádio nacional do país e, ali mesmo, os levaram aos vestiários, corredores e arquibancadas para torturá-los e assassiná-los a tiros. Centenas morreram nesta situação. Um deles foi o reverenciado cantor chileno Victor Jara, que foi massacrado, suas mãos e costelas quebradas e em seguida metralhado, seu corpo jogado fora como lixo num beco da capital –junto com muitos outros. A matança continuou inclusive depois que Pinochet e seus militares tiveram o firme controle do poder; só que era feito em segredo, nos quartéis militares, em edifícios da polícia e no interior do país. Críticos e opositores do novo regime também foram assassinados em outros países. Em 1976, a agência de inteligência de Pinochet planejou e executou um atentado com carro-bomba em Washington que acabou com a vida do ex-embaixador chileno nos Estados Unidos na gestão Allende, Orlando Letelier, assim como de seu auxiliar norte-americano Ronni Moffitt. A Grã-Bretanha qualificou a matança de Pinochet como inadequada e implementou sanções ao regime, negando-lhe prover armamentos –isso até que Margaret Thatcher se tornou primeira-ministra.

Em 1980, um ano depois que Thatcher tomou posse, acabou o embargo de armas a Pinochet; logo ele estava comprando armamentos do Reino Unido. Em 1982, durante a Guerra das Malvinas, Pinochet ajudou o governo de Thatcher com informações de inteligência sobre a Argentina. A partir daí, a relação se tornou absolutamente confortável, tanto que Pinochet e seus familiares começaram a fazer uma peregrinação particular anual a Londres. Durante estas visitas, eles e os Thatcher comiam juntos e bebericavam uísque. Em 1998, quando eu estava escrevendo um perfil de Pinochet para The New Yorker, Lucía, a filha de Pinochet, descreveu a senhora Thatcher com reverência, mas confidenciou que o comportamento do marido da Primeira-Ministra, Dennis Thatcher, era um tanto embaraçoso e que ele costumava ficar bêbado nos encontros. A última vez que me encontrei com o próprio Pinochet em Londres, em outubro de 1998, ele me disse que ia telefonar a “La Señora” Thatcher com a esperança de que tivesse tempo de encontrá-lo para o chá. Duas semanas depois, Pinochet, ainda em Londres, foi preso por ordem do juiz espanhol Baltasar Garzón. Durante a prolongada quase-detenção de Pinochet, em uma casa confortável no subúrbio londrino de Virginia Water, Thatcher mostrou sua solidariedade ao visitá-lo. Ali, diante das câmeras de televisão, expressou a dívida da Grã-Bretanha com seu regime: “Sei o quanto devemos ao senhor” por “sua ajuda durante a campanha das Malvinas”. Também disse: “Foi você quem levou a democracia ao Chile”.

(imagens do encontro)

Isso, naturalmente, é uma deturpação de proporções tão gargantuescas que não pode ser menosprezada como excesso de zelo de um amigo leal.

Pinochet morreu em 2006 sob prisão domiciliar e enfrentando mais de 300 processos criminais por violação de direitos humanos, evasão fiscal e malversação de fundos. Naquela época, suspeitava-se que tinha mais de 28 milhões de dólares escondidos em contas secretas em vários países, sem nenhum sinal de que haviam sido obtidos legalmente. No final, a única defesa de Pinochet foi uma humilhante alegação de demência –de que não era capaz de se lembrar de seus crimes. O derradeiro ataque cardíaco veio antes de que pudesse ser condenado.

Durante os anos do que poderia se chamar de retorno do Chile à democracia –quando Pinochet foi forçado a deixar a presidência após um plebiscito sobre seu mandato, que perdeu– pouco se fez para exorcizar de fato os demônios do país, e muito menos julgá-los. Pinochet  conservou o comando das forças armadas e quando se retirou, em 1998, tornou-se senador vitalício, o que lhe dava imunidade a processos judiciais. Até sua prisão na Grã-Bretanha, os presidentes que governaram o Chile “democrático” continuavam a caminhar na ponta dos pés ao redor do fato de que o ex-torturador em chefe do país seguia ditando os termos do debate nacional sobre seu passado recente. No entanto, 16 meses após o retorno à casa, Pinochet perdeu a imunidade parlamentar, foi indiciado criminalmente por alguns dos crimes da era golpista, e permaneceu boa parte do resto de sua vida em prisão domiciliar. Mas foi Michelle Bachelet, presidenta do Chile de 2006 a 2010 –a filha de um general que se opôs ao golpe e foi torturado até que morreu de um ataque do coração na prisão–, quem acabou com a tradição de deferência.

Num país onde, por décadas, a história foi enterrada, é justo que os chilenos desenterrem Neruda para averiguar o que aconteceu com ele. Em certo sentido, Neruda foi o Lorca chileno, o poeta espanhol assassinado nas primeiras semanas do golpe de estado fascista de Francisco Franco na Espanha em 1936, e cujo sangue tem sido uma mancha na consciência do país desde então.

O Chile tem agora a chance de fazer a coisa certa por seu poeta. A casa de praia de Neruda na Isla Negra, a alguns quilômetros de Santiago pela costa, é uma encantadora, modesta residência numa praia rochosa, com janelas que se abrem para o mar e decorada com a lírica coleção de carrancas de velhos barcos do poeta. Ele e sua viúva, Matilde Urrutia, foram sepultados ali, e foi lá que os peritos foram buscar a verdade sobre o que ocorreu. Mesmo que Neruda tenha morrido de câncer, como se disse na época, sua exumação é uma oportunidade para reforçar a mensagem aos autoritários de toda parte que as palavras de um poeta sempre durarão mais que as suas, e ainda mais que a adulação cega de seus poderosos amigos.


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(1) comentário Escrever comentário

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AMAURI TOMAZ em 11/04/2013 - 18h10 comentou:

matéria bastante esclarecedora e que pode fazer mudar muitas pessoas de pensamento e até mesmo de opinião.PARABENS

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