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Luana, a Rainha da Lapa: “A Copa e as Olimpíadas foram excelentes para fazer dinheiro”

Uma entrevista livre de puritanismo com a travesti carioca Luana Muniz feita pelo jornal chileno The Clinic

FOTOS: ALEJANDRO OLIVARES/THE CLINIC
Da Redação
09 de outubro de 2016, 13h53

Imperdível esta entrevista livre de puritanismo com a travesti carioca Luana Muniz, a Rainha da Lapa, feita pelo jornal chileno The Clinic. Ouvir as travestis é sempre rico, uma quebra de paradigmas. E elas são tão pouco ouvidas por nossa mídia… Eu traduzi para vocês, leiam.

***

Por Desirée Yépez, no The Clinic

Luana Muniz nasceu varão há 58 anos. Quando pequeno, abriu um livro e se encontrou com “Luana”, a personagem de uma guerreira africana. Assim queria ser: mulher, linda, rica e amada. Era 1969 e a ditadura militar estava instalada no Brasil. A repressão e a proibição atentavam contra toda forma de diversidade, mas ninguém pôde inocular medo nessa menina que nascia em um corpo não correspondente.

Há 47 anos que ela está nas ruas se prostituindo. Foram tempos difíceis, viu milhares de travestis morrerem agredidas nos postes –entre urina e merda– e também outras a quem a Aids não deu trégua. Apesar disso, não tem sido ruim para ela. Em cima do salto, percorreu mais de 39 países e participou de programas de televisão, filmes e obras de teatro. Fama que há vários anos a levou a se autoproclamar como a chefona de um dos bairros mais boêmios do Rio: se intitulou a Rainha da Lapa.

Segundo estatística do Transgender Europe’s Trans Murder Monitoring (TMM) Project, 50% dos crimes contra a população trans no mundo são cometidos no Brasil. Mas Luana passeia tranquila pelas ruas. Desde 2002 que, além de exercer o comércio sexual, preside a Associação dos Profissionais do Sexo do Gênero Travesti, Transexuais e Transformistas do Rio de Janeiro, organização que funciona em um casarão em pleno bairro da Lapa. Até ali chegam dezenas de garotas que buscam um teto ou algum tipo de ajuda. Ela lhes cobra algum valor pela diária e podem receber seus clientes. O álcool, a droga e os roubos são proibidos.

– Com que idade você começou a se prostituir?

Comecei muito jovem, nos tempos da ditadura no Brasil, aos 9 anos. Com essa idade saí de casa. Antigamente os lugares onde ficavam as prostitutas e as travestis eram os postes, cheios de urina, merda e pedras, eu enfrentei isso. Logo veio a época do HIV, que não tinha esse nome, era o ‘câncer gay’. Aos 20 anos fui viver em Paris e começou minha carreira internacional. O que ganhei investi. Assim se passaram 48 anos de prostituição e 37 de carreira artística. Tenho tripla cidadania, brasileira, italiana e portuguesa.

– Por que você saiu de casa aos nove anos?

Porque ninguém manda em mim. Eu era uma força da natureza que ninguém controlava. Nunca quis obedecer a ninguém. Vesti uma minissaia e saí para viver a vida. A maioria das travestis não quer seguir regras… Quando era pequena queria ser rica, famosa, linda, casada, mulher. Agora não quero ser mulher, quero ser travesti. Sou tratada como uma dama, mas se me ofendem, me transformo num macho, num diabo.

Uma travesti é assassinada a cada 24 horas, e com os homossexuais é a mesma coisa. O Brasil se diz um país democrático, sem preconceito, mas é uma grande mentira

– Quem te levou para a prostituição?

A rua, os homens, conheci as travestis dessa época, quando tudo era precário. Os hormônios eram proibidos e a maquiagem para homem também. Eram tempos muito difíceis, mas se ganhava muito dinheiro.

– No começo, você trabalhava onde?

Tiradentes, Lapa, Copacabana, Ipanema. Ao voltar da Europa compreendi que era preciso trabalhar pelos direitos das travestis. Reuni algumas que também trabalharam na Europa e em 2002 criei a associação, porque o tempo da navalha e da faca já passou. Agora devemos lutar, falar de nossos problemas, cumprir com nossos deveres para exigir nossos direitos, ainda que sempre apareça alguma que envergonha a categoria.

– Como é ser travesti no Rio de Janeiro?

Sou uma representante da comunidade LGBTI e as pessoas me respeitam pela minha história como profissional do sexo, artista e empresária. Há outras pessoas que também trabalham por nossos direitos. O índice de criminalidade no Brasil, principalmente no Norte e Nordeste, é muito alto. Os preconceitos e a intolerância ainda são fortes. Neste país a vida em geral está banalizada. Todos os dias se mata um policial, uma mulher, uma travesti. Segundo as estatísticas a cada 30 minutos morre uma mulher no Brasil. Uma travesti é assassinada a cada 24 horas, e com os homossexuais é a mesma coisa. O Brasil se diz um país democrático, sem preconceito, mas é uma grande mentira. Agora, no Rio a situação é muito melhor que antes. A Lapa é um ponto turístico, muitas pessoas vêm para cá, há muitos restaurantes e bares. Mas também atrai a marginalidade. Muitas travestis, sobretudo de outros lugares do país, vêm a esta região e, infelizmente, cometem delitos como roubos. 20% das travestis do mundo se perdem nas drogas e morrem prematuramente.

– Falando de trabalho, segundo as estatísticas, 90% das travestis estão nas ruas.

Estes são os dados. A prefeitura diz que a maioria não quer estar na rua, mas isso é mentira. O sonho de uma travesti é ser O Nascimento de Vênus, ser linda, bela e ganhar dinheiro facilmente. Mas na realidade não é assim, tem que ter capacidade para suportar quem chega, ser simpática. Agora o mercado de trabalho está se abrindo em todo o mundo. Barack Obama pensou numa transexual para ser senadora. Há advogadas, médicas. Existem programas de organizações que dão oportunidades e projetos para estudar. Minha exigência é que exista acesso ao estudo. Não faço apologia da prostituição, nem apoio a prostituição infantil. Incentivo quem queira um trabalho convencional a se preparar, mas o problema é que não querem.

– Que oportunidades de trabalho reais tem uma travesti?

Há aquelas que se dedicam à área de estética e trabalham em salões de beleza, e incentivo que façam isso. Também há cursos de corte e costura. Abri uma loja de roupas, no térreo do edifício onde funciona a associação, e uma travesti trabalha ali. É uma minoria que oferece essas oportunidades. Não se abre o jornal e se veem ofertas de trabalho para as travestis e se passará muito tempo antes de que isso aconteça.

luanaesquina

– O Brasil é o segundo destino de turismo sexual depois da Tailândia. Como funciona o mercado de trabalho vinculado ao sexo?

Cada uma das meninas toma conta de seu trabalho. Cada uma que se preocupe com sua bunda, eu só não quero problemas. Eu as incentivo para que estudem uma carreira paralela, porque em algum momento isto vai acabar. A juventude é importante em qualquer área profissional. Eu vivo da prostituição. As propriedades que tenho comprei com dinheiro da prostituição. Fiz espetáculos em Paris, Ibiza, Ilhas Canárias, mas o que me deixou mais dinheiro foi a prostituição. Sempre tive estrela para ganhar sem negociar. Cuido da minha aparência. Durante o dia estou cansada porque tenho que resolver todos os meus assuntos, mas de noite me transformo em uma deusa. Apesar de a crise também ter afetado a prostituição, ninguém deixa de comer nem de trepar. Quando deixar de ser puta vou ser cozinheira.

– Qual é o perfil dos seus clientes?

Pode ser qualquer pessoa: desde quem vive na rua até de maior nível socioeconômico. Não existe um termômetro do sexo.

– Como é a relação com a polícia?

No Rio nos respeitam muito. Até me chamam na delegacia para resolver problemas de travestis.

– Quais são os problemas mais comuns?

Discussão com a polícia ao fazer abordagem dos clientes. O trabalho na rua é conquistar os homens, não me interessa o que acontece. Mas há outras que se metem em problemas, porque o que falta no Brasil é educação.

– Os policiais procuram seus serviços?

Também. No momento de fazer o programa não me interessa nada a vida do outro, vamos fazer o que queremos fazer: como, me comem, chupo, me chupam. Dou o serviço e quero a grana. Todo mundo conhece Luana Muniz e se criaram mitos ao redor de mim. Quem me conhece profundamente sabe que tenho um bom coração, mas se me tratam mal, trato mal.

Quanto custa o programa?

Depende da negociação. Por exemplo, podem ser 50 reais por meia hora. Mas se pode fazer um programa de 20 reais e sair dali com 2 mil. Isso depende da negociação, do poder de sedução. Sophia Loren dizia que a maior arma do sexo, de ser mulher, feminina, é o mistério. Sou uma enciclopédia viva.

– O negócio melhorou com a Copa do Mundo e as Olimpíadas?

Foi excelente para fazer dinheiro, só não ganhou quem não quis. Houve muitos clientes. Três vezes mais.

Dou o serviço e quero a grana. Todo mundo conhece Luana Muniz e se criaram mitos ao redor de mim. Quem me conhece profundamente sabe que tenho um bom coração, mas se me tratam mal, trato mal

– Até quantos clientes você atende numa noite?

Depende. Na minha época de ouro, atendi até 50 homens numa noite.

– O que é mais complicado de ser uma travesti profissional do sexo?

Para mim é uma felicidade plena, um sucesso, uma soma de felicidades e satisfações.

– Você se apaixonou alguma vez?

Me casei oito vezes, mas deixei os oito porque sou como Marilyn Monroe, valorizo mais os diamantes do que os homens. Diamonds are forever. Eu gosto mais de dinheiro do que de pau, o pau é um complemento.

– Mas teve um grande amor?

Sim, tive. Mas fiz como a maioria das mulheres, pus todos os meus sentimentos na sua mão e ele fez o que quis. Depois disso aprendi e nunca mais. Isso foi nos anos 1970, depois me casei com um francês, um italiano… Só dinheiro. E além disso tenho a maior riqueza do mundo, educação, gentileza e amigos.

– Você está com alguém agora?

Com todos e com ninguém. Quem paga mais me leva.

– Há disputas entre as travestis?

No centro, não. Eu apelo à união e ao respeito. A razão principal pela qual as travestis brigam é pela beleza. Ninguém é melhor do que ninguém, todos merecem respeito.

– Você é querida pelas pessoas?

Sou considerada e respeitada pelas pessoas. Creio que 70% gostam de mim, 20% fingem que gostam e 10% não gostam. Sou considerada a Rainha da Lapa.

– De onde veio este título?

Me foi concedido.

– E o que representa?

Respeito, união, dignidade. Para esta Luana existir foram muitos anos de construção.

– Quantas cirurgias plásticas você fez?

Várias. Só não fui operada da cintura, das panturrilhas, dos pés, das mãos e do pau. Meu pau está aqui, eu o amo, e, se pudesse, o aumentaria.

 

 


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