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Maggie e eu, por Christopher Hitchens

Este é o mais engraçado e surpreendente texto que já li sobre Margaret Thatcher. O escritor britânico Christopher Hitchens (1949-2011) conta como foi seu primeiro encontro com a dama-de-ferro em 1975. O causo está em suas memórias, Hitch-22, publicadas em português no Brasil pela Nova Fronteira. E, aqui, no site da Vanity Fair, em inglês. […]

Cynara Menezes
13 de abril de 2013, 16h30

(o escritor Christopher Hitchens. Foto: Art Streiber)

Este é o mais engraçado e surpreendente texto que já li sobre Margaret Thatcher. O escritor britânico Christopher Hitchens (1949-2011) conta como foi seu primeiro encontro com a dama-de-ferro em 1975. O causo está em suas memórias, Hitch-22, publicadas em português no Brasil pela Nova Fronteira. E, aqui, no site da Vanity Fair, em inglês.

Nesta época, Hitchens era um jovem jornalista de esquerda e tinha 26 anos. Thatcher tinha quase 50 e acabava de assumir a liderança do Partido Conservador. A partir de 1989, Hitchens daria uma guinada à direita e renegaria o passado trotskista. Antes de morrer de câncer, tinha ganhado uma forte reputação literária como ateísta, principalmente com a obra Deus Não É Grande, também publicada entre nós.

Muito divertido, leiam. E tem Christopher Hitchens contando em vídeo como foi, no final do post.

***

Maggie atrevida (“Naughty Maggie”)

Por Christopher Hitchens

As circunstâncias não poderiam ser mais propícias para mim: os “Tories” estavam tendo uma recepção na Câmara dos Lordes (…) e havia um rumor de que a nova líder do Partido Conservador estaria entre os presentes. Eu tinha escrito um longo artigo para o The New York Times Magazine dizendo que se o Partido Trabalhista não pudesse revolucionar a sociedade britânica, então a tarefa poderia muito bem cair para a direita. Tinha também escrito um texto curto para o New Statesman relatando a convenção do Partido Conservador e dizendo en passant que achei a sra. Thatcher surpreendentemente sexy. (Até hoje nunca recebi tantas cartas furiosas dizendo: “Como você pôde?”). Eu me sentia imune à sra. Thatcher em muitas outras maneiras, já que a desenvolta defensora do “livre mercado” parecia se chocar com a apaixonada aliada do regime colonial branco, autoritário e protecionista na Rodésia. E isso foi o que me deu a oportunidade de lutar corpo a corpo com ela tão cedo em sua carreira.

Na festa estava sir Peregrine Worsthorne, um cara sereno e engajado com quem eu tinha tido muitos debates na Rodésia, tanto no celebrado bar colonial do hotel Meikles quanto em outros locais menos elegantes. Eu inclusive o apresentei a sir Roy Welensky, o poderoso velho direitista branco, líder patronal e ex-primeiro-ministro, que havia rompido com o traiçoneiro grupo pró-apartheid ligado a Ian Smith. “Isto sempre pareceu perfeitamente simples para mim, sr. Verse-torn“, o velho buldogue grunhiu em seu inconfundível sotaque regional. “Se você não gosta de negros (pronuncia blick), então não venha viver na África (Ifrica).” Worsthorne concordou que lhe parecia justo, como poderia dizer que não, e então sentiu que me devia algo em troca. “Se importa de conhecer a nova líder?” Como eu poderia recusar? Em instantes, Margaret Thatcher e eu estávamos face-a-face.

Em instantes, também, eu tinha me virado para ela e estava lhe mostrando o traseiro. Creio que devo dar alguma espécie de explicação a isto. Tão logo nós apertamos as mãos, percebi que ela sabia meu nome e tinha talvez me conectado com a publicação semanal socialista que tinha recentemente chamado-a de sexy. Enquanto ela titubeava adoravelmente em um momento de confusão, me senti obrigado a buscar controvérsia e escolhi brigar com ela sobre um detalhe da política para o Zimbabue/Rodésia. Ela me superou. Eu estava certo em um determinado ponto e ela, errada. Mas sustentou seu equívoco com uma força tão adamantina que acabei concedendo e até fiz uma ligeira mesura para enfatizar meu reconhecimento. “Não”, ela disse. “Curve-se mais baixo”. Sorrindo amistosamente, curvei-me um pouco mais. “Não, não”, ela trinou. “Muito mais baixo!” A essa altura, o interesse de um pequeno grupo de presentes era crescente. De novo me curvei, desta vez muito mais consciente de que estava sendo observado. Ela deu a volta por trás de mim, preparou a artilharia e me golpeou no traseiro com o papel da ordem do dia no Parlamento que havia enrolado pelas costas em forma de cilindro. Retornei à vertical meio desajeitadamente. Enquanto ela se afastava, olhou por sobre os ombros e balançou quase imperceptivelmente a cadeira enquanto pronunciava as palavras “garoto atrevido!” (“naughty boy!”).

Tenho uma testemunha ocular. Na época, no entanto, eu mesmo não acreditava. Só de uma perspectiva posterior, olhando a maneira como ela massacrou e intimidou toda a antiga liderança masculina de seu partido e os substituiu por idiotas manipuláveis, é que posso apreciar o vislumbre premonitório que eu tinha permitido –o que alguém, em outro contexto, chamaria de “a palmada do governo forte” (“the smack of firm government”, definição de um ministro de Thatcher). Mesmo naquela época, quando saí da festa, sabia que tinha encontrado alguém bastante impressionante. E o pior do “thatcherismo”, como eu começava a descobrir gradualmente, era o roedor que vagarosamente se agitava em minhas vísceras: o difícil mas inarredável sentimento de que, em alguns assuntos essenciais, ela poderia estar certa.


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(4) comentários Escrever comentário

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Almir Ferreira em 13/04/2013 - 17h03 comentou:

Gosto do Hitchens apenas na sua vertente ateia. Na política ele é decepcionante, apesar de toda a monstruosa erudição.

Responder

    morenasol em 13/04/2013 - 20h30 comentou:

    eu acho ele brilhante. tem reportagens incríveis na vanity fair. podia ter se tornado conservador, mas não era uma pessoa arcaica

    antonio em 14/04/2013 - 05h07 comentou:

    realmente, se tornou conservador, mas não perdeu o "espírito" crítico. para criticá-lo deve se evitar polarizações. enfim, um cara singular.

César Ricardo em 10/10/2018 - 16h53 comentou:

Em um primeiro momento, ele trocou uma religião pela outra. Mais tarde, abandonou a religião esquerdista e se tornou ateu por inteiro…

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