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Nosso futuro? Energia elétrica pode custar mais que o aluguel na Argentina

Pequenas e médias empresas são as mais afetadas: uma rotisseria chega a pagar mais de 11 mil pesos de luz (quase 1900 reais)

Rotisseria com conta de luz de 11 mil pesos. Foto: Martín Fernández
Martín Fernández Lorenzo
26 de abril de 2018, 17h51

Quando Mauricio Macri assumiu como presidente da Argentina em dezembro de 2015, os 51% da população que o elegeral pelas urnas estavam felizes e esperançosos de que a mudança política ia trazer prosperidade e novos ares, mas a lua-de-mel durou pouco. Apenas um mês depois, o ministro da Energia, José Aranguren, ex-presidente da Shell no país, fez o “sinceramiento” das tarifas básicas de luz e gás –ou seja, trouxe as tarifas “para a realidade”, como fala no Brasil o presidente da Petrobras, Pedro Parente.

A primeira medida foi devastadora: não só os argentinos passaram a pagar a luz mensalmente (antes a cobrança era bimestral), como a conta veio com um aumento de 350%. Sem anestesia. No meio do ano de 2016, o aumento da tarifa de energia elétrica alcançava 400%. Enquanto o desfalque no salário do trabalhador ocorria, o presidente Macri declarava, justificando a medida: “Se em pleno inverno você está de camiseta e sem meia, significa que está consumindo energia demais”.

O futuro não seria diferente. O ano de 2017 veio e os aumentos em luz e gás continuaram, mas não foram os únicos. Houve também um aumento sem precedentes que quiseram passar despercebido na conta de água, também em torno dos 400%. Se no começo os eleitores do Cambiemos, aliança política de Macri, utilizavam a mesma frase do governo, de que “pagávamos pouco”, com os aumentos incessantes a toada deixou de se repetir.

Segundo o site El Destape, o aumento na conta de luz alcançou, em dois anos, nada menos que 2800%. Estima-se que o gás subiu entre 500% e 1000% desde que Macri chegou ao poder. E assim o argentino vai se preparando para enfrentar o inverno.

Ao mesmo tempo que “sincera” as contas, o governo não parece nada sincero nos números que divulga: em março, Macri anunciou que a pobreza caiu 25,7%, coisa que ninguém consegue enxergar ou acreditar

Somado ao corte nos subsídios, o salário do trabalhador literalmente se desfez. Segundo um estudo da Universidade Nacional de Avellaneda, desde que Macri assumiu, o poder aquisitivo do argentino caiu mais do que a de qualquer outro trabalhador da América do Sul: -6,1%. Enquanto isso, o poder aquisitivo na Bolívia de Evo Morales, que não entrou na onda neoliberal, teve um crescimento de 8,2% no mesmo período, assim como o Uruguai de Tabaré Vasquez e o Chile de Michele Bachelet. O atual salário mínimo argentino só alcança 28% da cesta básica.

Só os bolivianos tiveram crescimento no poder aquisitivo

“O processo de deterioração do poder de compra na Argentina se que produziu em 2016 reverte a tendência que se apresentou em grande parte dos 12 anos precedentes”, destaca o estudo. Com o mercado interno destroçado, o descontrole das faturas de energia, a depender do lugar ou zona em que se viva, trouxe números surreais. As pequenas e médias empresas são as mais afetadas: algumas têm faturas mais altas até que o valor do aluguel, algo impensável aqui ou em qualquer lugar do mundo. Uma rotisseria na grande Buenos Aires chega a pagar mais de 11 mil pesos de luz (quase 1900 reais ao câmbio de hoje).

Ao mesmo tempo que “sincera” as contas, o governo não parece ser nada sincero nos números que divulga: em março, Macri anunciou que a pobreza caiu 25,7%, coisa que ninguém consegue enxergar ou acreditar. Eles dizem que há, nas palavras do presidente, um “crescimento invisível”. Mas, como dizia Perón citando Aristóteles: “A única verdade é a realidade”.

No Brasil, o gás de cozinha já subiu 54% desde que Temer assumiu. Se levar a cabo seu plano de privatizar a Eletrobras, a conta de luz aumentará automaticamente até 16,7%

E a realidade é que o poder aquisitivo dos argentinos se corroeu, a classe média não chega ao fim do mês, os pobres aumentando e a única medida que toma este governo que chegou com a bandeira de “pobreza zero” é a de empobrecer mais os argentinos a cada dia. Se fosse mesmo sincero, um slogan mais próximo à realidade seria “pobreza 100”.

No Brasil, o gás de cozinha já subiu 54% desde que Temer assumiu. Se levar a cabo seu plano de privatizar a Eletrobras, a conta de luz aumentará automaticamente até 16,7%, segundo a Aneel, a agência reguladora do setor. No último dia 19, Temer assinou um decreto autorizando estudos para a privatização da empresa, que precisa ser autorizada pelo Congresso Nacional.

 


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Marcos Santos em 27/04/2018 - 11h28 comentou:

Duas perguntas:
– Por que o governo subsidiava a energia elétrica?
– Existe concorrência no setor ou monopólio?

Responder

    João Junior em 29/04/2018 - 00h08 comentou:

    Energia é algo necessário à produção. E, por isso, estratégico, um ativo de qualquer país. Nos EUA a energia é motivo de guerra. Por energia, ou pelo petróleo, como queira, os EUA fazem guerra em qualquer canto do planeta. Daí que exista o monopólio estatal no Brasil, para controlar um bem indispensável à qualquer economia que queira crescer.

    Pois bem, energia barata é item indispensável para qualquer país que queira desenvolver-se. E a forma mais barata de obter energia é por meio do monopólio estatal. Por quê? Por que uma estatal não visa o lucro, e não visa o lucro porque não pode visar o lucro, mas a prestação do serviço público. O dinheiro público é chamado recurso porque é o que ele é, recurso. No serviço público impera, ou deveria imperar, a ideia de que existe o lucro social. A rede pública de energia, por exemplo, é o que se quer manter a partir dos impostos. Portanto, o dinheiro dos impostos é o recurso que permite a energia como recurso natural à população. O dinheiro público é chamado de recurso porque mantém um recurso físico a partir do recurso financeiro para o povo sem a lógica do lucro financeiro, mas com a lógica do lucro social, que é a lógica que permite a cobrança dos impostos.

    Não se pode privatizar o setor elétrico por que o Brasil, como nação, deveria ter um projeto de crescimento sustentável e, necessariamente, ocorrerá o aumento da tarifa se houver a privatização simplesmente porque uma empresa privada age em nome do lucro. E isso gera um efeito cascata que fará todos os preços subirem, mais ou menos como acontece quando o preço do diesel sobe. Os custos com geração, transmissão e distribuição de energia não se encaixam na velha máxima de que a concorrência traz o menor preço porque ela não funciona com a energia porque energia é um produto inigualável, não existe genérico para a energia, ela é necessária à toda atividade produtiva e a toda gente, porque energia não é um bem estocável, ela deve ser consumida na mesma hora em que é produzida. E a lógica do lucro condiciona a população e a produção à lógica do sequestrador, ou seja, ou se paga o valor exigido, ou se corta o fornecimento da luz.

    É daí que surge a lógica de subsidiar a produção de energia, para diminuir o custo do produtor e do consumidor, porque a natureza excepcional da produção energética eleva os custos de produção a montantes vultosos que uma empresa privada jamais esperaria duas ou três décadas para ver o retorno, ou seja, é necessário manter a produção energética estrategicamente como estatal.

    E, bem a propósito, as telecomunicações no Brasil foram privatizadas há mais de duas décadas, e ainda hoje pagamos as tarifas mais caras do mundo. E sabemos que as operadoras de celular, por exemplo, estão longe de serem eficientes. Com concorrência e tudo. De verdade ou nem tanto.

Marcos Santos em 02/05/2018 - 09h12 comentou:

João Júnior, os subsídios do governo, prejuízos e ineficiências das estatais são pagos com o dinheiro dos impostos e representam dinheiro que poderia ser investido em outras áreas, como educação, saúde, e infraestrutura. Os impostos são finitos, algo que nem todos tem noção.

No Brasil, hoje em dia, não existe monopólio de energia elétrica, porém também não tem livre mercado. O que acha deste artigo?
http://www.antoniolima.web.br.com/arquivos/modelos.htm

Responder

    João Junior em 03/05/2018 - 02h01 comentou:

    É necessário entender a diferença entre investimento privado e investimento público e, ao mesmo tempo, entender a dificuldade da produção e da entrega de energia elétrica ao consumidor. Primeiro, o consumo de energia elétrica exige conhecimentos técnicos que a maioria das pessoas não domina e parte da conta de luz remunera técnicos especializados que administram a conta de luz das pessoas que não saberiam como realizar a administração do próprio consumo.

    Você sabia que a energia elétrica só pode ser produzida sob encomenda? Você sabia que, além de encomendar a energia ANTES de consumi-la, você precisa consumi-la no MESMO INSTANTE em que é gerada? Você acha mesmo que a maioria das pessoas teria capacidade técnica de dizer quantos Watt de potência seus eletrodomésticos consumirão nos diferentes horários do dia? Pois é, o seu consumo foi previamente calculado por técnicos especializados, que a encomendaram antes de você ficar sem energia e para que você pudesse dispor dela mesmo antes de você precisar dela.

    Entregar a energia elétrica gerada a milhares de quilômetros da sua casa ao mesmo tempo em que é gerada numa usina e na quantidade e com a segurança que você precisa é muito caro… Você acha mesmo que haveria duas ou mais linhas de transmissão, cada qual de uma empresa diferente, lado a lado, partindo desde a usina até a sua casa, cobrando barato e ainda tendo lucro? Se você acreditou mesmo nisso, trate de esquecer pois os custos com geração e transmissão são proibitivos para a maiorias das grandes empresas, mesmo as multinacionais. Não há como duplicar a geração e a transmissão porque isso significaria dobrar investimentos numa área cujos investimentos pouquíssimas pessoas ou empresas no mundo têm receita para realizar.

    A produção de energia elétrica é um serviço caro por natureza em razão das dificuldades técnicas. Privatiza-la só vai torna-la ainda mais cara porque além de todos os custos, o ente privado acrescenta o lucro.

    José Adolfo da Silva Sena em 04/05/2018 - 08h20 comentou:

    Prezado, trabalho no setor elétrico a muitos anos e uma das mentiras mais repetidas é a estória da ineficiência. Você sabia que a terceira maior usina do mundo, Belo Monte, e a quarta maior usina do mundo, Tucuruí, além de mais três usinas menores, são operadas e mantidas pelo ELETROBRÁS – ELETRONORTE por uma equipe com menos de 300 pessoas apoiadas por um complexo sistema de monitoramento e diagnóstico online que prevê problemas nas unidades geradoras com grande antecedência e, pasmem, desenvolvido pela própria ELETROBRÁS – ELETRONORTE em conjunto com instituições de pesquisa brasileiras?

Irance Esteves em 02/05/2018 - 14h47 comentou:

João Junior, que aula ! Muito obrigada, porque mais clara, impossível. Vou ler e reler, pq como sou de outra área, preocupei-me sempre em só pagar as contas. Vc arrasou! !

Responder

Andrea em 03/05/2018 - 07h26 comentou:

Beleza, João Júnior! Valeu o Aulão!

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