Socialista Morena
Feminismo

Novo filme de Sofia Coppola é um conto de bruxas sobre sororidade

Segundo a diretora, não é um filme de terror, mas uma comédia. De fato, não deixa de ser engraçado imaginar a reação masculina, no escurinho do cinema, a um filme tão zombeteiramente matriarcal

Cynara Menezes
21 de agosto de 2017, 18h22

***ESTE TEXTO CONTÉM SPOILERS***

Até nisso os homens deram mais sorte que nós, mulheres: a palavra que designa a ligação de amizade, a conexão entre os homens é “brodagem”, enquanto nós temos de nos contentar com “sororidade”, uma palavra que lembra, sei lá, um colégio de freiras. Enfim, é de sororidade, cumplicidade entre mulheres, que trata o novo filme de Sofia Coppola, O Estranho Que Nós Amávamos.

O filme começa com uma menininha catando cogumelos selvagens em um belíssimo corredor de carvalhos do Sul dos Estados Unidos, cobertos de barba-de-velho ou “musgo espanhol”, como se saído de uma ilustração de contos de fadas. Logo, Amy (Oona Lawrence) encontra um soldado ferido e o arrasta até sua casa: uma escola para moças semiabandonada, durante a guerra da Secessão. Além da menina, há outras quatro garotas na casa, uma professora e a diretora do lugar.

O musgo conhecido como “barba-de-velho”. New York Public Library

Quando o cabo McBurn (Colin Farrell) acorda, é como se tivesse chegado ao paraíso, rodeado de ninfas sorridentes, de cabelos esvoaçantes e pele alvíssima. De ambos os lados, ninguém vê um espécime do sexo oposto por perto há meses ou anos. É um ianque, um inimigo natural, como todo homem… mas nem tanto.

O cabo se sente desejado pelas meninas e provoca a rivalidade entre elas. “Não diga às outras, mas você é minha melhor amiga entre todas aqui, Amy”. O jogo de sedução é mútuo. Hábil galanteador, McBurn diz a cada uma delas o que deseja ouvir. Ao mesmo tempo, o “frágil” da história é ele, desde o princípio está claro; é o homem o ferido e necessitado de cuidados. Atenção.

Sofia Coppola foi acusada por alguns críticos de “feminizar” a versão anterior para o cinema do romance O Seduzido (The Beguiled), de Thomas Cullinan. Traduzido para o português como O Estranho Que Amamos, o filme de 1971 foi dirigido por Don Siegel e tinha Clint Eastwood e Geraldine Page no elenco. Na época, houve quem apontasse certa influência de Luis Buñuel; o mesmo pode-se dizer sobre o remake de Sofia Coppola.

No primeiro filme, Clint é abertamente disputado pelas moças; na versão de Sofia, Colin é cortejado, mas não exatamente disputado. O “homem da casa” parece mais um brinquedo nas mãos daquelas fadinhas (ou serão bruxinhas?). Não há utilidade para ele ali; elas permitem que trabalhe no jardim.

O filme é sobre a força que as mulheres têm quando estão unidas em torno de um objetivo. É terrível, é cômico e é empoderador

A atmosfera gótica tem razão de ser e a história vira: o cabo McBurn de repente se torna o inimigo. Fosse em uma novela da Globo, as sete se engalfinhariam e despencariam escada abaixo por causa dele. No filme, pelo contrário, as mulheres se juntam contra o soldado. E vem justamente da menorzinha, da mais inocente de todas, a sugestão que irá solucionar o problema. Neste momento, as moçoilas já parecem pequenas aranhas em torno da “rainha” Nicole Kidman, unidas para dar o bote no macho que quer destruir o ninho.

A diretora retorna, assim, a um tema que lhe é caro: também As Virgens Suicidas, seu filme de estreia, é sobre cumplicidade entre mulheres. E a escolha da parceira de longa data Kirsten Dunst para interpretar a meiga Edwina não é por acaso. Quando o filme ganha contornos de terror, um sentimento de vingança feminino aflora.

Segundo Sofia, O Estranho Que Nós Amávamos é uma comédia. De fato, não deixa de ser engraçado imaginar a reação masculina, no escurinho do cinema, a um filme tão zombeteiramente matriarcal. Arrancar uma perna ou arrancar o pênis, tanto faz: o filme é sobre a força que as mulheres têm quando estão unidas em torno de um objetivo. É terrível, é cômico e é empoderador. Sabemos que homem algum terá chance diante de mulheres como essas. Elas são maioria e estão juntas.

E a gente sai do cinema pensando se aquele soldado foi o único a cair na teia ou foi só o primeiro…

 

 

 

 

 


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(2) comentários Escrever comentário

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Letícia Flores em 08/09/2017 - 21h36 comentou:

Oi, Morena.

Não li o post todo pra não pegar os spoilers, tá?

Mas só pra acrescentar (acho que pode ser interessante pra nós), o termo “sororidade” vem do italiano “sorella”, que vem do latim “soror”, e que, finalmente (ufa!), significa “irmã”.

O termo ‘brodagem’ ou ‘broderagem’ pode parecer mais ‘cool’ por vir do inglês (brother), mas, no frigir dos ovos, dá na mesma haha.

Mas eu entendo que soa muito mais leve a palavra em inglês do que esse ~palavrão~ “sororidade”. Parece soro, doença… sei lá! Coisa de doido esse negócio de ser mulé.

Enfim, volto aqui depois de assistir ao filme, tá? (Mas não prometo porque sou de peixes = esqueço das coisas)

Beijo!

Responder

    Cynara Menezes em 09/09/2017 - 01h06 comentou:

    volte mesmo, também sou pisciana 😉

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