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O “efeito banana” e por que a esquerda deve esperar para se posicionar sobre o Brexit

Dentre tantas coisas que me chamaram a atenção sobre as razões dos britânicos para sair da União Europeia, uma me pareceu particularmente bizarra e ao mesmo tempo emblemática: a queixa sobre as bananas. Um dos líderes do movimento, o ex-prefeito de Londres, o conservador Boris Johnson, foi ridicularizado ao criticar o fato de os dirigentes […]

Cynara Menezes
24 de junho de 2016, 20h51
bananacurva

(A norma sobre a curva das bananas da União Europeia)

Dentre tantas coisas que me chamaram a atenção sobre as razões dos britânicos para sair da União Europeia, uma me pareceu particularmente bizarra e ao mesmo tempo emblemática: a queixa sobre as bananas. Um dos líderes do movimento, o ex-prefeito de Londres, o conservador Boris Johnson, foi ridicularizado ao criticar o fato de os dirigentes europeus em Bruxelas interferirem até mesmo na curvatura das bananas. Sim: para ser considerada uma “banana ideal”, classe A, para os padrões da UE, a fruta não pode ter uma curvatura “anormal”. Parece notícia do Sensacionalista, mas é verdade. E o mesmo vale para pepinos!

Johnson foi alvo de todo tipo de gozação ao apelar para isso, mas a reclamação tem seu fundamento. Para começo de conversa, os britânicos adoram banana, é a quarta fruta de predileção no país. Eles consomem 5 bilhões de bananas anualmente, o que dá uma média de 10 quilos de banana por pessoa ou 100 bananas por cabeça por ano. Pensar que a União Europeia se mete até no tipo de banana que a pessoa come mexe com a cabeça de alguém. Ou não? Eu acharia bem ruim que o governo dissesse como deve ser o formato da minha fruta favorita (ainda mais porque prefiro orgânicos, por princípio contrários justamente a qualquer padronização). E, pelo visto, muitos britânicos também não aceitam.

O “efeito banana” sobre o Brexit ainda deverá ser estudado, mas calou tão profundamente na opinião pública que veículos importantes como a The Economist tentaram negar o inegável, que existem regras rígidas para tudo que é coisa na União Europeia, ditada pelos chefões em Bruxelas. “Yes, não temos bananas retas”, diz o texto da Economist, tratando de desmentir Johnson e lamentando que os britânicos queiram sair do bloco num momento em que se estaria “flexibilizando” estas normas. Será? Mesmo para quem acha essa discussão prosaica, sobressaem dois aspectos incômodos: a “ditadura” da UE sobre questões mínimas, coisa que não tinha vindo à tona até a discussão sobre o Brexit, e o excesso de burocracia existente para o bem de ninguém.

O bananagate fez chegar aos ouvidos do cidadão comum algo que poucos sabiam: que a tão civilizada democracia europeia repetia, nos bastidores, o comportamento ditatorial e a burocracia que pareciam ser característica unicamente da criticada (e extinta) União Soviética… O que nos leva à pergunta: afinal, qual é exatamente a diferença entre a velha URSS e a União Europeia, além do fato de uma ser comunista e a outra capitalista, uma totalitária e a outra aparentemente democrática?

Ambas, UE e URSS, são, cada uma a sua maneira, uma união de países sob um governo central. Ambas ensejaram, em sua essência, passar por cima de características nacionais em nome de um Estado único –não à toa, na UE as moedas dos países, culturalmente simbólicas dessa identidade, com anos de história, foram literalmente derretidas e substituídas pelo Euro (menos justamente na Inglaterra, que não quis abrir mão de sua Libra Esterlina). A URSS resistiu 69 anos, até que um dia acabou. Será que a saída do Reino Unido da UE não é, de certa forma, uma espécie de revival do fim da União Soviética? Após o Brexit, vários países ameaçam repetir o referendo: Itália, França, Suécia, Holanda, Dinamarca, Áustria… Além dos falidos Grécia e Portugal. A União Europeia pode não ser o problema central destes países, mas tampouco parece ser a solução.

Em todo o mundo, as reações foram de espanto, até de deus-nos-acuda. Confesso que estranhei um certo desespero por parte da esquerda com a saída da Inglaterra do bloco, como se fosse uma espécie de fim dos tempos –mesmo porque a esquerda nunca foi uma grande defensora da União Europeia, pelo contrário. Nestes 23 anos de sua existência, não se pode dizer que a UE tenha sido uma maravilha para as pessoas mais necessitadas da Europa –a pobreza e a desigualdade estão crescendo, inclusive– ou para os imigrantes, que todos temem se tornar o maior alvo da extrema-direita agora (como se já não fossem, com ou sem União Europeia). Sinceramente, acho tão exagerada a reação da extrema-direita em festejar o Brexit quanto da esquerda de lamentar.

Às vezes tenho a impressão de que entramos numas brigas que não nos pertencem. Quanto mais a gente olha para essa questão, mais percebe que era uma briga entre a direita rentista e a direita xenofóbica. Tanto é que a esquerda europeia se dividiu. Parte apoiou o Brexit; e parte era contra. Mesmo quem votou contra apontou incertezas sobre se estava agindo bem, já que nem mesmo os mais prestigiados analistas internacionais são capazes de arriscar o que pode acontecer daqui para a frente. Não podemos esquecer que, quando explodiu a crise na Grécia, a esquerda foi amplamente favorável à sua saída da União Europeia. Faltou coragem aos dirigentes do Syriza. Aos britânicos, não.

(Campanha do Partido Comunista Espanhol e do Podemos pela saída da União Europeia)

Os defensores da permanência do Reino Unido na UE argumentam que quem estava ao lado do Brexit era a extrema-direita e por isso nós, a esquerda, deveríamos nos posicionar automaticamente do outro lado, mas a coisa é bem mais complexa do que parece. Os partidos comunistas europeus, por exemplo, se declararam a favor da saída, embora as justificativas sejam outras, sobretudo a falta de democracia e o favorecimento dos monopólios rentistas. Este último ponto, aliás, nos empurra para um raciocínio oposto, o de que a esquerda deveria se alinhar naturalmente ao Brexit, já que o FMI, o mercado financeiro e os EUA são contra…

As reações das novas lideranças europeias de esquerda vão bem neste sentido: até lamentaram o fato, mas ainda mais a necessidade urgente de a Europa se repensar. “É um momento triste, mas de uma Europa justa e solidária ninguém iria querer sair”, cutucou Pablo Iglesias, do espanhol Podemos. O primeiro-ministro grego Alexis Tsipras foi na mesma toada de “mudança de rumos”. “A política deve recuperar a supremacia sobre a economia e os tecnocratas na União Europeia”, afirmou.

Prefiro, portanto, esperar para ver antes de automaticamente me afirmar contra o Brexit. Não bastassem todas estas complexidades, a mais importante delas para um esquerdista: se, por um lado, negros (73%) e minorias étnicas (67%) votaram pela permanência, a grande maioria dos mais pobres votou pela saída do Reino Unido da União Europeia (64% a 36%). Um sinal preocupante de que também lá a esquerda está distante dos anseios, temores e queixas da classe trabalhadora, à mercê dos populistas de direita.

Uma coisa é certa: as mudanças na Europa virão e a esquerda precisa se preparar para elas. Sem açodamentos.

 

 


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