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O engenheiro reaça do Uber ou a superqualificação como fator de radicalização

Se as medidas ultraliberais do futuro governo não melhorarem a economia, os reaças de hoje tendem a ficar à direita do próprio Bolsonaro

Cena do filme "Velozes e Furiosos". Foto: reprodução
Guilherme Coutinho
18 de dezembro de 2018, 11h11

As crises financeiras geram efeitos colaterais interessantes no capitalismo e uma delas é a superqualificação do trabalhador. Isso ocorre quando uma pessoa com muita competência laboral não é aceita em uma vaga de trabalho por possuir qualificações superiores às exigidas. Muitos empregadores preferem não contratar em situações como essas, temendo um menor engajamento e uma maior rotatividade da vaga na empresa.

No entanto, quando você possui diploma de nível superior, você é automaticamente superqualificado para muitas vagas e, se está desempregado, é preciso adentrar no mercado de trabalho. “Desculpe, mas você possui qualificações demais para a vaga oferecida” deve ser uma resposta tão desesperadora quanto qualquer outra negativa em uma entrevista de emprego.

A superqualificação é um fenômeno que expõe o liberalismo e o capitalismo financeiro, de uma forma geral. Se vagas não estão sendo preenchidas por excesso de qualificação dos candidatos, significa que toda a estrutura financeira está comprometida e atinge classes sociais distintas, e não apenas aquelas na base da pirâmide. A superqualificação ocorre, normalmente, quando a crise atinge a classe média. Sim, aquela que se acha –sem ser– o topo da pirâmide.

Se vagas não estão sendo preenchidas por excesso de qualificação dos candidatos, significa que toda a estrutura financeira está comprometida e atinge classes sociais distintas, e não apenas aquelas na base da pirâmide

Uma das grandes promessas das forças reacionárias responsáveis pelo golpe parlamentar sofrido por Dilma Rousseff e que elegeu Jair Bolsonaro em 2018 era reduzir as taxas de desemprego com medidas neoliberais. Mas mesmo com a reforma de Temer, apoiada por Bolsonaro, o desemprego cresceu e já atinge quase 14 milhões de brasileiros. Desde o impeachment de Dilma para cá, 2,3 milhoes de vagas formais de trabalho foram fechadas, de acordo com o IBGE. Em números frios, o impeachment de Dilma e suas consequências cortou direitos do trabalhador e reduziu (ao invés de aumentar) as vagas de trabalho.

É aqui que aparece uma figura interessante na nova direita brasileira, que está cada vez mais empoderada com a vitória nas eleições presidenciais. O desempregado ou trabalhador informal superqualificado que militou a favor de Temer e Bolsonaro, mas que continua sem trabalho após a saída do PT do poder. O candidato, com nível superior, que, sem vaga no mercado de trabalho, muitas vezes acaba recorrendo a vagas que exigem menos estudo ou competências.

O fenômeno da superqualificação é menos sentido em vagas onde a rotatividade não é exatamente um problema, como, por exemplo, o serviço de motorista de aplicativos –uma excelente atividade laboral, aliás. Dessa forma, um padrão tão comum e caricato quanto o do “tio do pavê ou pacumê” nas festas natalinas foi criado em nossa sociedade: o “motorista reaça superqualificado de aplicativos de carona” ou simplesmente, o “engenheiro reaça do Uber”.

O engenheiro reaça do Uber pode se situar ainda mais à direita no futuro. Como ouvi do último motorista  que utilizei: “Bolsonaro também é comunista, como os petistas e o Temer. Temos que trabalhar agora o Mourão no poder”

Trata-se do cidadão de classe média que odeia a esquerda, mas não reflete sobre os reais motivos pelos quais o país se encontra nesta situação ou os verdadeiros culpados por ela. “Trabalhador liberal não vota no PT”, ouvi uma vez. O problema do engenheiro reaça dos aplicativos de carona é que eles estão se radicalizando ainda mais à medida que a direita não consegue superar os problemas financeiros com suas teorias neoliberais de solução econômica, como a cassação de direitos do trabalhador, utilizada na reforma trabalhista de Temer e que promete ser acentuada por Bolsonaro.

O ódio, no entanto, é sempre direcionado à esquerda. Se, há dois anos, o engenheiro reaça do Uber bateu panela para tirar Dilma, em 2018 ele fez campanha de graça para o candidato racista e homofóbico. Daqui a dois anos, caso o país ainda se encontre em crise financeira, não se sabe quais podem ser as demandas reacionárias que estarão sendo admitidas. O que se sabe é que o caminho é sempre o do conservadorismo.

Expressão exata do ódio da classe média, o engenheiro reaça do Uber pode se situar ainda mais à direita de Bolsonaro em um futuro próximo, caso o governo não consiga resolver com suas medidas (tão neoliberais quanto as de Temer) problemas essenciais da economia. O fascismo que já assola o país pode estar apenas começando, sobretudo no seio da classe média, afetada pela crise. Afinal, como ouvi do último motorista Uber que utilizei e, por comodidade, preferi ocultar minhas preferências políticas: “Bolsonaro também é comunista, como os petistas e o Temer. Temos que trabalhar agora o Mourão no poder”.

 

 


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Matheus em 18/12/2018 - 22h32 comentou:

Eu me considero de direita, mas creio que a maneira que estão sendo feitas as coisas, fechando os olhos para os problemas reais da população só causará mais polarização no Brasil. Uma coisa que eu acho que está prejudicando brasileiros é a imigração, não o fato de imigrantes entrarem no país para fugirem da fome ou miséria, mas de empresas como a minha estarem contratando apenas imigrantes. Isso são problemas que afetam milhares de brasileiros diretamente, pois poderiam ser eles ocupando as vagas

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Marcel em 25/12/2018 - 16h05 comentou:

Poderosas forças internacionais atuam contra os trabalhadores brasileiros.
Nos anos 70 economistas passaram a defender o desenvolvimento dependente da competitividade do mercado. Para tanto, foram adotadas práticas econômicas que interferiram no mercado de trabalho.
Buscando a maximização dos lucros em detrimento do trabalho, o Presidente FHC abraçou teorias econômicas neoliberais, e como consequência, o empregado passou a “precariado”.
O professor Giovani Alves, da Unicamp diz que o precariado,”É a camada média do proletariado urbano constituída por jovens-adultos altamente escolarizados com inserção precária nas relações de trabalho e vida social”.
Muitas vezes esses “explorados” não sabem que integram a classe dos precariados. E destituídos de direitos ingressam no mundo do crime através do desrespeito à Lei Maria da Penha. E, num “crescendo de vingança contra a falta de perspectivas”, “bailam em todos os artigos do Código Penal”.
Com a Lei da Reforma Trabalhista o precariado se transforma em zumbi, aquele que sem direitos mínimos, sem dinheiro, sem lenço, sem documento, sem qualquer coisa, apenas vegeta socialmente. Eles estão na sociedade, abúlicos, apenas contando com o amanhã.
O empregado passou a trabalhador, o trabalhador em precariado, e o precariado em terceirizado, e este, em Zumbi.
O Zumbi é a fase final do terceirizado.

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Ovlynn em 25/12/2018 - 21h16 comentou:

Isso é apenas uma desculpa. Não é por as empresas só contratarem imigrantes, afinal esses imigrantes irão comprar em vários locais, logo sustentar outros postos de trabalho. O problema é essas empresas tratarem os trabalhadores como escravos, e quem é mais propenso a aceitar são os imigrantes. Compete a todos não deixar que seres humanos sejam escravizados, sejam eles migrantes ou não.

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