Socialista Morena
Feminismo

O golpe de 2016 abriu a brecha para a volta do feminicídio político

O ovo da serpente foi chocado. O futuro do Brasil é incerto. Marielle está morta. "Quantos mais vão precisar morrer?" Quantos? Quantas?

Ato por Marielle no Fórum Social Mundial, em Salvador. Foto: reprodução twitter
Cynara Menezes
15 de março de 2018, 12h52

Muito já se escreveu e se escreverá sobre as implicações machistas do golpe que derrubou uma mulher da presidência da República no Brasil em 2016. Havia ódio político contra Dilma Rousseff, mas também componentes claríssimos de misoginia, de ódio de gênero. Característica, aliás, da extrema-direita em ascensão no mundo. Um homem machista, assediador e abusador ocupa a presidência dos Estados Unidos.

Dilma foi xingada para o mundo inteiro ver na abertura da Copa do Mundo, em pleno Itaquerão. Nas redes sociais e nas manifestações verde-amarelas nas ruas, sobravam depreciativos à presidenta relacionados a gênero: “puta”, “vaca”, “quenga”, “sapatão”, “feia”, “burra”, “gorda”, inclusive por (de)formadores de opinião direitistas com espaço na mídia. Uma revista semanal retratou Dilma como “louca”, “desequilibrada”, em sua capa.

A morte brutal de Marielle Franco, que tinha companheira e filha, coloca uma sombra sobre todas nós, mulheres progressistas. É um aviso, uma ameaça. A partir de agora, todas corremos perigo

O mesmo tem acontecido nos últimos anos com mulheres que se destacam na defesa dos direitos humanos, como a deputada federal Maria do Rosário, do PT gaúcho. Rosário é cotidianamente vilipendiada, xingada, caluniada e já foi ameaçada de morte por homens reacionários estimulados por uma família de parlamentares de extrema-direita. Um pseudohumorista com um programa na TV aberta e milhões de seguidores publicou nas redes sociais um vídeo onde fazia gestos obscenos para a deputada.

O viés machista do golpe de 2016 abriu a brecha para a volta dos feminicídios políticos, modalidade criminal que não dava as caras por aqui desde a ditadura militar. O regime autoritário de que hoje tantos têm nostalgia torturou, estuprou e matou centenas, talvez milhares de mulheres. Algumas delas adolescentes, como a estudante baiana Nilda, de apenas 17 anos, morta após dois meses sendo torturada. A própria Dilma foi vítima de tortura.

Ontem à noite uma mulher de esquerda, negra, LGBT, defensora dos direitos humanos e denunciante da violência policial, foi executada a tiros no centro do Rio. A morte brutal da vereadora do PSOL Marielle Franco, que tinha companheira e filha, coloca uma sombra sobre todas nós, mulheres progressistas. É um aviso, uma ameaça a todas nós. A partir de agora, todas corremos perigo.

As digitais dos que agridem mulheres de esquerda nas redes socais estão naquela arma. As digitais dos que, na mídia comercial, atacam feministas, também. Você, que xingou Dilma naquele estádio, é cúmplice da morte de Marielle e do Brasil que nos tornamos

É como se dissessem para nós: não se meta, cale-se ou podemos matá-la no meio da rua, à vista de todo mundo, onde você estiver. Exatamente como fazem companheiros e ex-companheiros das quase 5 mil mulheres assassinadas todos os anos no Brasil, o quinto país que mais mata mulheres no mundo, e os números estão crescendo desde o golpe contra Dilma. Feminicídio. Uma palavra que Dilma colocou no código penal e que a extrema-direita queria retirar. Felizmente, perderam a disputa e a pena para feminicídio foi ampliada esta semana no Senado.

Quem são os responsáveis pela morte de Marielle Franco? Apenas aquele ou aqueles que apertaram o gatilho? Não. As digitais de todos os que, nos últimos anos, têm agredido mulheres de esquerda nas redes socais estão naquela arma. As digitais dos que, na mídia comercial, atacam o feminismo e as feministas, também. Você, que xingou Dilma naquele estádio, é cúmplice da morte de Marielle e do Brasil que nos tornamos em apenas quatro anos. Não é à toa que continuaram atacando a vereadora mesmo depois de assassinada.

O ovo da serpente foi chocado. O futuro do Brasil é incerto. Marielle está morta. Em um de seus últimos tweets dizia: “Quantos mais vão precisar morrer?” Quantos? Quantas?

E quem irá nos defender?

 

 


Apoie o site

Se você não tem uma conta no PayPal, não há necessidade de se inscrever para assinar, você pode usar apenas qualquer cartão de crédito ou débito

Ou você pode ser um patrocinador com uma única contribuição:

Para quem prefere fazer depósito em conta:

Cynara Moreira Menezes
Caixa Econômica Federal
Agência: 3310
Conta: 000591852026-7
PIX: [email protected]
(5) comentários Escrever comentário

Os comentários aqui postados são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião da Socialista Morena. Todos as mensagens são moderadas. Não serão aceitos comentários com ofensas, com links externos ao site, e em letras maiúsculas. Em casos de ofensas pessoais, preconceituosas, ou que incitem o ódio e a violência, denuncie.

Taciano Valério em 15/03/2018 - 14h37 comentou:

Cynara, sou um leito COSTUMAZ do seu Blog. Ademais, fico sempre no aguardo das publicações. Sou de Caruaru, trabalho como professor na UPE/GARANHUNS, lá onde LULA nasceu. Queria se aproximar mais do Blog, assinar.

Quanto ao que aconteceu com Marielle foi terrível e triste. Revolta e rebelião é o que sinto.

https://soundcloud.com/pedrobombapoesia/homem-bomba

Responder

Sergio Souza em 15/03/2018 - 15h22 comentou:

Pensando aqui. A quem interessa um brutal assassinato desse tamanho? De primeira? Àqueles que querem o fracasso da intervenção federal no RJ. É óbvio que a presença do exército atrapalha a movimentação de milicianos e traficantes. Então, cria-se um evento desse porte para quê? Para dizer que essa intervenção é inútil e ineficaz. O verdadeiro golpe pode está aí também!

Responder

João Junior em 17/03/2018 - 14h22 comentou:

E quando Simone de Beauvoir tocou o elefante na sala houve quem o negasse. O discurso desta mulher é tocante, mas duro. Homens não sabem se comportar, têm dificuldade com boas maneiras e moldaram o mundo à típica rispidez machista. Não querem aprender como tratar mulheres com dignidade, preferem pô-la abaixo da burca. Com isso, o mundo pode continuar sendo até mais que machista, sendo sexista. A óbvia loucura de condenar mulheres ao silêncio e à submissão proporcionou sofrimento gratuito a todas as gerações de mulheres de todos os tempos e, mesmo hoje, ainda proporciona. É também uma questão de atitude acabar com isso. Podemos acabar com o machismo e o sexismo hoje mesmo se quisermos.

Responder

Ângela Valério Horta de Siqueira em 18/03/2018 - 20h51 comentou:

Diante de toda a dor e revolta que o assassinato brutal nos acometeu, a reflexão é importantíssima para a auto-avaliação de parte expressiva do próprio movimento de mulheres que retira de suas pautas a luta pela anulação do impeachment e a consequente derrota do golpe. A não defesa da Presidenta Dilma e seu mandato nos enfraquece a todas e esse crime bárbaro que vitimou a liderança essencial da brilhante vereadora Marielle Franco, infelizmente, vem corroborar a tese. Mulheres em luta pela restituição do mandato da Presidenta Dilma!!! Fora golpistas traidores da Pátria!!!

Responder

Deixe uma resposta

 


Mais publicações

Mídia

O “jornalismo” misógino e chapa branca da revista IstoÉ ataca novamente


Desde que Lula chegou ao poder, o jornalismo brasileiro entrou em uma espiral de decadência: mal feito, machista, reacionário, provinciano e capaz de rifar sua linha editorial em troca de anúncios

Politik

São 367 picaretas com anel de doutor


O Brasil e o mundo inteiro viram, transmitido ao vivo, o show de horrores que foi a aprovação do impeachment da presidenta Dilma Rousseff pelo plenário da Câmara. Parlamentares votando em nome das próprias famílias,…