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O que Honduras tem a ensinar ao Brasil, ao Chile e à América Latina

A direita latino-americana é como um grande PSDB: podem tudo, de grandes esquemas de corrupção até fraude eleitoral, e não acontece nada

O eleito fraudado, Salvador Nasralla, e o antecessor golpeado, Manuel Zelaya. Foto: divulgação
Victor Farinelli
04 de dezembro de 2017, 16h55

No mundo globalizado é possível você ver, por exemplo, algo que acontece em Honduras provocar um comentário chileno sobre a Venezuela que te leva a pensar automaticamente na situação atual do Brasil. Além do zeitgeist, existe uma espécie de sincronização dos processos regionais. Nesse sentido diferentemente do que a gente imaginava a partir do sonho bolivariano de Hugo Chávez  é a direita que vem ganhando de goleada na América Latina.

Estou no Chile, acompanhando as notícias do segundo turno daqui. O candidato da direita, Sebastián Piñera, passou as duas primeiras semanas desta segunda fase da campanha tentando colar a imagem do seu adversário, o moderado Alejandro Guillier, à imagem do presidente venezuelano, Nicolás Maduro, embora sua coalizão, de centro-esquerda, nunca tenha sido defensora de Chávez e tampouco de Maduro.

A turma do ex-presidente chegou a compartilhar um tuíte falso de Nicolás Maduro apoiando Guillier.

Essa ansiedade de Piñera em repetir mil vezes que seu adversário “está cada vez mais parecido a Maduro” marcou o ritmo da zoeira eleitoral nas redes sociais nos último dias. Até que no sábado passado me deparei com este comentário numa página chilena:

Traduzindo: “Mano, se o que rola em Honduras estivesse acontecendo na Venezuela (uma semana sem resultados das eleições e suspensão de direitos com toque de recolher decretado pelo Governo), Nicolás Maduro já estaria sendo invadido há MUITO TEMPO pelo exército de paz dos EUA. E a OEA e a ONU, em defesa dos direitos humanos, estariam falando um monte, em conjunto com quase todos os PRESIDENTES DO MUNDO e os meios de comunicação.

Maaaaas… Honduras é um país governado pela direita, portanto TÁ TUDO EM CASA, MOÇADA! ””

Na verdade, o texto (de uma página dessas de jornalismo alternativo, tipo um Socialista Morena do Chile) fez só um resumo do que acontece em Honduras, porque está acontecendo muito mais que a crise eleitoral e o toque de recolher: o TSE de lá, que tem o mesmo nome do nosso, simplesmente PAROU A APURAÇÃO na terça-feira, quando havia 57% das urnas contadas e uma vantagem de 5% para o candidato opositor de centro-esquerda Salvador Nasralla, e retomou dois dias depois, também do nada, com 94% da contagem, e ninguém sabendo direito de onde se contaram esses votos, e aí o atual presidente Juan Orlando Hernández já tinha virado e feito vantagem de 1,5%.

Claro que o povo percebeu que tem algo bastante podre nessa história, e foi às ruas reclamar, mas o governo já estava preparado para reprimir. As manifestações desde sexta já geraram 7 mortes. Também foi decretado Estado de sítio, com toque de recolher à noite, medida que, segundo as autoridades, deve se manter por pelo menos uma semana, podendo ser ampliada até o controle da revolta social.

Entre aquela quinta-feira da estranha virada até a tarde deste domingo, o TSE hondurenho não teve coragem de encerrar a apuração e decretar o que, segundo os seus dados, seria um óbvio vencedor. Há rumores de que o presidente Hernández viajou aos Estados Unidos entre a terça (dia da brusca freada na apuração) e a quinta (dia em da inacreditável reviravolta). Ninguém é capaz de esclarecer nem de confirmar nada.

Por isso o comentário chileno me pareceu pertinente, primeiro quando questiona “IMAGINA SE FOSSE NA VENEZUELA”. Porém, e mesmo consciente do sensacionalismo que a mídia tradicional faria caso isso acontecesse no país bolivariano, o que realmente me inspirou a reflexão foi a ideia de que A DIREITA PODE COLOCAR FOGO NUM PAÍS, como está fazendo em Honduras, E NÃO ACONTECE NADA!! A Organização dos Estados Americanos (OEA) que tanto fala da Venezuela e que tem (ou deveria ter) observadores no país desde o dia das eleições não dá um pio. Os veículos da imprensa hegemônica falam do tema com voz baixa e sem apontar a responsabilidade do Governo hondurenho na situação, sem cobrar investigação sobre a situação eleitoral anômala, mantendo-o como tema menor para justificar uma aceitação de qualquer resultado no final. A fraude é só uma suposta fraude, já que não há provas, mas o problema real é que NÃO QUEREM NEM INVESTIGAR.

Começando pelos exemplos de Honduras e Brasil, é como se toda a direita latina fosse um grande PSDB continental no quesito blindagem da mídia amiga. Eles podem tudo, até mesmo colocar a vida de pessoas em risco, fazê-las desaparecer (como aconteceu na Argentina de Macri) ou fazer grandes esquemas de corrupção e/ou fraude eleitoral, transportar toneladas cocaína em helicóptero na cara da polícia, E NÃO ACONTECE NADA!!

Como brasileiros, saber que não é só a nossa direita a que goza dessa blindagem não é nenhum consolo — pelo contrário, saber que esse esquema é muito mais que nacional deveria aumentar a preocupação.

Contudo, muito mais preocupante é perceber, no exemplo de um país que sofreu golpe de Estado anterior ao nosso e nos mesmos moldes, que essa direita que vai retomando o poder no tapetão não está disposta a devolvê-lo só porque milhões nas urnas estão dizendo que o faça.

A direita brasileira não é alheia ao que acontece em Honduras e no resto do continente. Lembremos, por exemplo, da delegação de deputados que foi passar pano no golpe de 2009 contra Manuel Zelaya, liderada por Raul Jungmann  beijou quase literalmente a mão do golpista Micheletti em Tegucigalpa, e hoje é ministro do golpista Michel em Brasília  e do senador Álvaro Dias, então tucano, indo a Assunção para dar ares de legalidade ao golpe contra Fernando Lugo, em 2012. Nem vou me aprofundar na falta de rótulos pejorativos por parte da imprensa pra essas relações carnais entre a direita latina, que é exatamente o que ela faz com a as alianças de esquerda, porque daria lugar um novo texto.

É preocupante perceber, num país que sofreu um golpe anterior ao nosso, que essa direita que retoma o poder no tapetão não está disposta a devolvê-lo só porque milhões nas urnas estão dizendo que o faça

E para quem acha exagerado comparar o Brasil a Honduras em termos de avacalhação institucional  como se tivéssemos alguma superioridade, que pode ser facilmente contestada por milhões de exemplos em contrário–, basta lembrar que o atual presidente do nosso TSE é ninguém menos que Gilmar Mendes, de parcialidade inquestionável. “Ah, mas ele só deveria ficar no cargo até fevereiro”. Algo nos garante que será substituído por alguém realmente confiável? Alguém se surpreenderia, por exemplo, se o escolhido fosse Alexandre de Moraes, que foi secretário de Segurança do provável candidato tucano à presidência?

No Chile, onde surgiu este comentário irônico, ninguém da amiga mídia vai ser valente o suficiente  no sentido de desafiar a linha imposta de cima  para cortar a ladainha de Piñera sobre a associação Guillier-Maduro e pedir a ele uma postura clara a respeito de Honduras. Afinal, nem nos editoriais desses veículos você vê uma crítica contundente, somente reações que variam entre menções tímidas e a completa omissão sobre o tema.

Exemplos que devem ser observados de perto em toda a América Latina, porque esse processo tem capítulos especiais em cada região, mas é muito mais amplo e sincronizado. Fica a dica para toda a esquerda, partidos e organizações sociais, dos mais moderados aos mais ortodoxos.

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Sergio em 04/12/2017 - 18h01 comentou:

Erro grave no texto: É achar que o PSDB é de direita! Nunca o foi! Nunca o será! Aliás, PT e PSDB são mais próximos do que se imagina! É conveniente essa aparência de antagonismo que sustentam, porém, estão submetidos aos mesmos compromissos!

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    Cynara Menezes em 04/12/2017 - 18h53 comentou:

    quem se engana é você: o PSDB é direita rentista. começou de esquerda, mas foi ficando de direita. todo mundo sabe disso, menos os reaças

Marlon Velloso em 04/12/2017 - 19h10 comentou:

Otimo texto. Mas no tocante a posição ideologica do PSDB, este esta mais identificado com uma esquerda fabiana do que a Direita.
Partidos de direita jamais concordariam com a agenda do PSDB/PMDB e seus esquemas escusos com o Planalto central.

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Luís Fraga em 04/12/2017 - 22h35 comentou:

O PSDB se inseriu no contexto político brasileiro como uma dissidência do PMDB. Em seus quadros, pessoas como Mário Covas, Franco Montoro e certos pensadores do partido, sociais e econômicos davam um certo peso de partido de centro-esquerda.
Procuravam se espelhar na social-democracia europeia.
Os 8 anos de poder do FHC aniquilaram o partido.
Tomado pelos chamados cabeças de planilha, os economistas de visão estreita e ideológica do neo-liberalismo da época, somados ao pragmatismo do cotidiano da política ajuntado a uma procura rasa de enriquecimento pessoal gestou uma queda vertiginosa do PSDB ao arremedo que é hoje.
De social, só sobrou no S da sigla.
A disputa pelo protagonismo com o PT, usando e sendo usado pela velha mídia – a qual prima por seus próprios interesses – desvirtuou completamente o partido.
Durante este processo, alçaram voo as “lideranças” as mais medíocres possíveis- o que são Serra e Aécio? – transformando o PSDB de tal forma que a decadência final foi tornar-se parceiro e coadjuvante do PMDB de Cunha. Jucá e Temer.
É o ocaso de uma ideia que nasceu lá na longínqua redemocratização.

Responder

    Luís Fraga em 04/12/2017 - 22h38 comentou:

    Então em resumo: Hoje o PSDB é sim , um partido de Direita, elitista, retrógado quanto à luta por direitos sociais, promotor da desigualdade social.

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