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Os remédios que realmente funcionam contra Covid-19: cloroquina não é um deles

Apenas dois tratamentos até agora –com Remdesivir e hormônios esteroides– demonstraram eficácia no combate ao coronavírus

Bolsonaro, que está com Covid-19, propagandeia a cloroquina, que não funciona. Foto: reprodução
The Conversation
07 de julho de 2020, 19h58

Por William Petri, no The Conversation
Tradução Maurício Búrigo

Sou médico e cientista na Universidade de Virgínia. Cuido de pacientes e conduzo pesquisas para encontrar melhores maneiras de diagnosticar e tratar doenças infecciosas, inclusive a Covid-19. Estou compartilhando aqui o que se sabe acerca de quais tratamentos funcionam, e quais não funcionam, para a infecção do novo coronavírus.

Tenham em mente que este campo da Medicina está evoluindo rapidamente, conforme nosso entendimento do vírus SARS-CoV-2 se aperfeiçoa. Logo, o que estou escrevendo hoje pode mudar dentro de dias ou semanas.

O tratamento com Remdesivir, em especial para pacientes que precisavam de suplemento de oxigênio antes de serem colocados em um ventilador, reduziu a mortalidade e encurtou o tempo médio de recuperação de 15 para 11 dias

Abaixo estão os tratamentos que foram submetidos a provas e sobre os quais temos o melhor conhecimento.

1. Hidroxicloroquina ou cloroquina: nenhuma evidência de que funcionem

Existem três estudos randomizados controlados sobre a hidroxicloroquina, e todos fracassaram em provar ou refutar um efeito benéfico ou nocivo no quadro clínico da Covid-19 ou a remoção do vírus. Dada a atual falta de evidência, estas drogas, que são normalmente usadas para tratar de artrite, devem ser usadas somente dentro do contexto de um estudo clínico controlado.

– Eu tomei a Hidroxicloroquina e estou me sentindo muito bem.- Uma boa tarde a todos.

Posted by Jair Messias Bolsonaro on Tuesday, July 7, 2020

2. Lopinavir/Ritonavir: inúteis

O Lopinavir é um inibidor de uma enzima chamada protease do HIV, que está envolvida na produção de partículas virais. Inibidores de protease para o HIV foram revolucionários, levando à nossa capacidade atual de tratar o HIV com eficácia. O Lopinavir também consegue inibir enzimas que desempenham funções semelhantes às da protease do HIV nos coronavírus da SARS e da MERS. Como o Ritonavir aumenta o nível de Lopinavir no sangue, a combinação Lopinavir/Ritonavir foi testada num estudo clínico randomizado controlado para a Covid-19.

Infelizmente, não houve impacto algum nos níveis de vírus na garganta ou na duração da excreção viral, nem o quadro clínico ou sobrevivência dos pacientes mudou. Não há, portanto, papel algum para o Lopinavir/Ritonavir no tratamento da Covid-19.

3. Esteroides: eficazes para quase todos pacientes da Covid-19

Quando um hormônio esteroide sintético, chamado Dexametasona, foi dado a pacientes com a Covid-19, a droga diminuiu a mortalidade em 17% após 28 dias e abreviou a alta do hospital.

Esse trabalho foi realizado em um estudo clínico randomizado controlado de mais de 6.000 pacientes e, embora não replicado em outro estudo ou ainda revisto por pares, é certamente evidência suficiente para se recomendar seu uso.

4. Tocilizumabe: cedo demais para dizer

O Tocilizumabe é um anticorpo que impede uma proteína, chamada receptor de IL-6, de aglutinar a IL-6 e desencadear uma inflamação. Níveis de IL-6 são mais elevados em muitos pacientes com a Covid-19, e o sistema imunológico em geral parece ficar hiperativo naqueles com enfermidade gravíssima. Isto leva muitos médicos a pensar que, inibindo o receptor de IL-6, se possa proteger pacientes da moléstia grave.

Existem três estudos randomizados controlados sobre a hidroxicloroquina, e todos fracassaram em provar ou refutar um efeito benéfico ou nocivo no quadro clínico da Covid-19 ou a remoção do vírus

O tocilizumabe é atualmente autorizado pelo FDA para o tratamento de artrite reumatoide e várias outras doenças colágeno-vasculares, e para a “tempestade de citocinas” –uma nociva reação desmesurada do sistema imunológico– que pode ser causada por certos tipos de terapia de câncer e pela Covid-19.

Um estudo de observação retrospectivo descobriu que pacientes da Covid-19 tratados com o tocilizumabe tinham um risco mais baixo de serem submetidos a ventilação mecânica e de morte. Mas ainda é necessário um estudo clínico randomizado controlado, de modo que não há qualquer maneira de averiguar se essa melhora aparente foi graças ao tocilizumabe ou à natureza imprecisa dos estudos retrospectivos.

5. Plasma convalescente: cedo demais para dizer

O plasma convalescente, líquido derivado do sangue após a remoção dos glóbulos brancos e vermelhos, contém anticorpos de infecções anteriores do doador do plasma. Este plasma tem sido usado para prevenir doenças infecciosas como pneumonia, tétano, difteria, caxumba e catapora há mais de um século. Acredita-se que beneficie pacientes, pois os anticorpos do plasma dos sobreviventes aglutinam-se aos patógenos e tornam estes, ou suas toxinas, inativos nos pacientes. O plasma convalescente é usado agora em milhares de pacientes da Covid-19.

Contudo, o único estudo clínico randomizado foi pequeno e incluiu apenas 103 pacientes que receberam plasma convalescente 14 dias após ficarem doentes. Não houve qualquer diferença no tempo de melhora clínica ou na mortalidade entre aqueles que receberam tratamento e os que não. A notícia encorajadora foi que houve uma diminuição significativa nos níveis de vírus detectados por PCR.

É, portanto, cedo demais para se dizer se isso será benéfico e são precisos estudos clínicos controlados para afirmar.

6. Remdesivir: eficaz, diminui a estadia no hospital

O Remdesivir é uma droga que inibe a enzima do coronavírus que faz cópias do genoma viral RNA. Ele atua causando uma suspensão prematura ou término da duplicação e por fim impede o vírus de se replicar.

O tratamento com o Remdesivir, em especial para pacientes que precisavam de suplemento de oxigênio antes de serem colocados em um ventilador, reduziu a mortalidade e encurtou o tempo médio de recuperação de 15 para 11 dias.

7. Inibidores da ECA e BRA: continuem a tomar

Havia uma preocupação de que drogas chamadas inibidores de ECA ou bloqueadores do receptor da angiotensina (BRAs), que são usadas para tratar de pressão sanguínea alta e parada cardíaca, pudessem aumentar os níveis de proteínas ECA2, as receptoras para o SARS-CoV-2, na superfície das células no corpo. Isto permitiria, conjecturavam os médicos, mais pontos de entrada para que o vírus infectasse células e alçaria, por conseguinte, a severidade de infecções do novo coronavírus.

Um hormônio esteroide sintético, chamado Dexametasona, foi dado a 6 mil pacientes com a Covid-19, e diminuiu a mortalidade em 17% após 28 dias e abreviou a alta do hospital

Todavia, não há evidência alguma de que seja este o caso. A American Heart Association (Associação Cardíaca Norte-Americana), a Heart Failure Society of America (Sociedade da Parada Cardíaca dos EUA) e o American College of Cardiology (Conselho Norte-Americano de Cardiologia) recomendam inteiramente que os pacientes continuem a tomar tais medicamentos durante a pandemia, visto que são benéficos no tratamento de pressão sanguínea alta e parada cardíaca.

Temos feito um progresso surpreendente no tratamento da Covid-19. Duas terapias –Esteroides e Remdesivir– já mostraram que ajudam. Aqueles que se beneficiam destes tratamentos devem agradecimento aos pacientes que se voluntariaram a participar de estudos clínicos controlados, e aos médicos e companhias farmacêuticas que os conduziram.

William Petri é professor de Medicina na Universidade de Virginia

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Luiz Mesquita em 09/07/2020 - 20h10 comentou:

Muito bom; um trabalho de qualidade com conteúdo de qualidade. Parabéns, Maurício. Segumos juntos, em sintonia, atravessando estes tempos de transição que, sinto, caminha para novos tempos.

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