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Ode ao burguês: parece PSTU, mas é Mário de Andrade

Quando, na Semana de Arte Moderna de 1922, Mário de Andrade (1893-1945) declamou o poema Ode ao Burguês, os industriais e cafeicultores da época se sentiram insultados. O poeta chegou a ser vaiado pelos convidados, alguns dos quais tinham contribuído financeiramente para a realização da semana e não engoliram a crítica. Reparem que as palavras […]

Cynara Menezes
14 de novembro de 2016, 15h40
burguesnegro

(“Direitos Humanos”, Kukryniksy)

Quando, na Semana de Arte Moderna de 1922, Mário de Andrade (1893-1945) declamou o poema Ode ao Burguês, os industriais e cafeicultores da época se sentiram insultados. O poeta chegou a ser vaiado pelos convidados, alguns dos quais tinham contribuído financeiramente para a realização da semana e não engoliram a crítica. Reparem que as palavras “Ode ao” soam como “ódio”…

Embora nunca tenha se aproximado do Partido Comunista, Mário era simpático ao socialismo (“Minha maior esperança é que se consiga um dia realizar no mundo o verdadeiro e ignorado Socialismo. Só então o homem terá o direito de pronunciar a palavra ‘civilização’”) e chegou a defender os comunistas em um artigo de 1930. “Está se dando aqui no Brasil um movimento em torno da palavra Comunismo que é dum ridículo perfeitamente idiota”, escreveu.

Suas palavras soam tão atuais nestes tempos de neomacarthismo quanto esse poema de 95 anos atrás. Parece ter sido escrito por alguém do PSTU, né? Ainda mais quando se observa a força que até hoje tem no país um cão de guarda dos privilégios burgueses como a Fiesp, capaz de derrubar uma presidenta eleita com um discurso anticorrupção enquanto um de seus membros sonega bilhões. O poema também me recorda o prefeito eleito de São Paulo, João Doria, e seu similar norte-americano, Donald Trump. Leiam.

***

Ode ao Burguês

Eu insulto o burguês! O burguês-níquel,
o burguês-burguês!
A digestão bem feita de São Paulo!
O homem-curva! o homem-nádegas!
O homem que sendo francês, brasileiro, italiano,
é sempre um cauteloso pouco-a-pouco!

Eu insulto as aristocracias cautelosas!
os barões lampiões! os condes Joões! os duques zurros!
que vivem dentro de muros sem pulos,
e gemem sangues de alguns mil-réis fracos
para dizerem que as filhas da senhora falam o francês
e tocam os “Printemps” com as unhas!

Eu insulto o burguês-funesto!
O indigesto feijão com toucinho, dono das tradições!
Fora os que algarismam os amanhãs!
Olha a vida dos nossos setembros!
Fará Sol? Choverá? Arlequinal!
Mas à chuva dos rosais
o êxtase fará sempre Sol!

Morte à gordura!
Morte às adiposidades cerebrais
Morte ao burguês-mensal!
ao burguês-cinema! ao burguês-tílburi!
Padaria Suíça! Morte viva ao Adriano!
“– Ai, filha, que te darei pelos teus anos?
– Um colar… – Conto e quinhentos!!!
Mas nós morremos de fome!”

Come! Come-te a ti mesmo, oh! gelatina pasma!
Oh! purée de batatas morais!
Oh! cabelos nas ventas! oh! carecas!
Ódio aos temperamentos regulares!
Ódio aos relógios musculares! Morte à infâmia!
Ódio à soma! Ódio aos secos e molhados!
Ódio aos sem desfalecimentos nem arrependimentos,
sempiternamente as mesmices convencionais!
De mãos nas costas! Marco eu o compasso! Eia!
Dois a dois! Primeira posição! Marcha!
Todos para a Central do meu rancor inebriante!

Ódio e insulto! Ódio e raiva! Ódio e mais ódio!
Morte ao burguês de giolhos,
cheirando religião e que não crê em Deus!
Ódio vermelho! Ódio fecundo! Ódio cíclico!
Ódio fundamento, sem perdão!

Fora! Fu! Fora o bom burguês!…

 

 


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