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Professor é demitido em SC por ler para alunos post do Socialista Morena sobre tortura

Após a notícia vir à tona, a prefeita de Itapema, do PSD, divulgou um vídeo onde coloca crianças para marchar como na ditadura

Crianças marchando em Itapema. Foto: reprodução
Da Redação
13 de maio de 2019, 16h49

O professor de Educação Física Willian D. Meister chegou ao trabalho no dia 5 de abril, na Escola Municipal de Educação Básica Oswaldo dos Reis, em Itapema-SC, disposto a fazer algo diferente com seus alunos: debater poemas sobre a ditadura militar. No dia 1º de abril, uma segunda-feira, Willian havia lembrado aos estudantes sobre o 55º aniversário do golpe e relatado a eles como a ditadura tinha afetado também os esportes e a educação física. Daí a ideia de falar sobre o regime na próxima aula, já que o colégio tem um projeto onde o professor traz um texto para leitura coletiva e a escolha sempre foi livre. Até 2019.

Willian tinha dado um “google” utilizando os termos “ditadura militar + poemas”, e o primeiro resultado que apareceu foi o texto do Socialista Morena sobre Alex Polari, militante de esquerda e poeta nos anos 1970, hoje dedicado ao Santo Daime. No artigo A tortura na poesia de Alex Polari: Inventário de Cicatrizes, a editora do site, Cynara Menezes, contava sobre como o poema a tinha impactado ao lê-lo pela primeira vez num livro escolar na adolescência, em 1981, ainda na ditadura. “A leitura de Os Primeiros Tempos da Tortura foi provavelmente o primeiro contato que tive na vida com os horrores da ditadura militar. Jamais esqueci este poema”, escreveu Cynara.

Não era mole aqueles dias
de percorrer de capuz
a distância da cela
à câmara de tortura
e nela ser capaz de dar urros
tão feios como nunca ouvi.

Havia dias que as piruetas no pau-de-arara
pareciam rídiculas e humilhantes
e nus, ainda éramos capazes de corar
ante as piadas sádicas dos carrascos.

Em Santa Catarina, em 2019, e supostamente em uma democracia, o professor imprimiu o post e o levou para apresentar à classe. Além do poema cujo trecho reproduzimos acima, Willian leu os outros três que constavam do texto do site: Moral e Cívica IITrilogia Macabra: III – A Parafernália da Tortura e a Canção para ‘Paulo’, em homenagem a Stuart Angel, filho da estilista Zuzu Angel e irmão da jornalista Hildegard. Foi Polari quem testemunhou e escreveu da prisão uma carta a Zuzu Angel onde narrava as atrocidades cometidas pelos militares contra seu filho, militante do MR-8. Aos 26 anos, em 1971, Stuart foi arrastado por um jeep pelo pátio interno da base aérea do Galeão com a boca no cano de descarga do veículo. Seu corpo nunca foi encontrado.

A princípio, a leitura seria feita para alunos do 8º e do 9º ano, mas acabou sendo para as turmas do 7º e do 9º. Pois um pai do 7º ano achou que aquele mesmo poema divulgado normalmente em livros escolares quase 40 anos atrás era “impróprio” para seu filho e foi atrás da prefeita Nilza Simas, que é bolsonarista, para reclamar. Primeiro, o pai aludiu a “palavrões” no texto. Depois, alegou que as aulas de educação física não eram lugar para poemas e que o texto era “pesado”, “inadequado”. O diretor chamou Willian e disse que “tinha dado um problema” com o texto que apresentou –mesmo que, como de costume, ele tivesse levado o texto antes à direção da escola, sem nenhum reparo.

Um pai do 7º ano, radialista e ex-militar, achou que aquele mesmo poema divulgado em livros escolares quase 40 anos atrás era “impróprio” para seu filho e foi atrás da prefeita Nilza Simas, que é bolsonarista, para reclamar

O professor voltou a conversar com os alunos sobre o assunto e o pai voltou a se queixar à escola, acusando-o de “pressionar” seu filho, embora até ali Willian desconhecesse de quem se tratava, do radialista e ex-militar do Exército Marcelo Fidêncio. “Sou obrigado a te suspender. Estou te advertindo porque eu já tinha te alertado sobre o problema e você voltou ao assunto”, disse o diretor ao professor. Convicto de que não havia feito nada de errado, Willian se recusou a assinar a advertência.

Na véspera do 1º de maio, dia do Trabalhador, quando deveria renovar seu contrato como professor Admitido em Caráter Temporário (ACT) que ocupava desde 2012, foi informado pela secretária municipal de Educação, Alessandra Simas Ghiotto, irmã da prefeita, que estava dispensado. “Não vejo outra razão a não ser a ideológica”, diz Willian. Ele contou que desde o ano passado vinha tendo problemas com a escola pelas visões pedagógicas distintas. “Mas até o ano passado era uma divergência normal. Desde o começo do ano, a partir da segunda semana de aula, os relatórios sobre mim passaram a ser sempre negativos. Os poemas sobre a tortura acabaram servindo de desculpa para eles não renovarem o contrato.”

Além da perseguição pura e simples pelo fato de ser de esquerda, o professor também atribui a dispensa ao fato de ter sido candidato a prefeito pelo PSOL em 2012 e 2016, ou seja, foi adversário direto da atual prefeita na disputa. “Eu tenho sido tratado não como professor, mas como adversário político. Por isso na representação que fiz ao Ministério Público reclamo de assédio moral e também da quebra do princípio da impessoalidade no cargo pela direção da escola”, diz.

Após a história ser publicada no site dos Jornalistas Livres, a prefeita publicou um post no facebook em que outra escola do município aparece cheia de policiais e com as crianças marchando e batendo continência em frente à bandeira, uma espécie de déjà-vu dos desfiles escolares da época da ditadura militar.

Como se explica que, nos anos finais da ditadura, um poema sobre a tortura pudesse aparecer normalmente em livros didáticos, e agora a mera leitura do texto pode causar a demissão de um professor? Seria a ditadura militar eleita de Bolsonaro mais dura do que os anos do governo João Figueiredo, o último ditador?

 

 


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(2) comentários Escrever comentário

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Djalma Menezes em 13/05/2019 - 21h31 comentou:

Das welle. A onda (se espalha pelo Brasil). O Fascismo é como pólvora!

Responder

Marcelo em 26/05/2019 - 15h41 comentou:

Se formos para uma Ditadura, podemos optar pela Nórdica. Breivik, o célebre assassinado norueguês que rotulou o Brasil de “país disfuncional”, ficará alegre.

Responder

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