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Renan vira o “Malvado Favorito” da oposição para barrar reformas de Temer no Senado

A oposição enxerga em Renan o único aliado com munição para fazer frente ao rolo compressor de Temer e conseguir impedir que as reformas passem no Senado

Cris Vector
Cynara Menezes
14 de maio de 2017, 13h25

(Ilustra do Cris Vector)

Por Katia Guimarães*

Um ano após o golpe parlamentar contra a presidenta Dilma, o país vive um de seus piores momentos na História, sob ameaça de venda das riquezas nacionais e assalto aos direitos dos trabalhadores e aposentados. A cartilha do sistema financeiro tem sido fielmente rezada todos os dias pelo governo Temer e o retrocesso na área social salta aos olhos. As projeções para os mais pobres são as piores e, pela primeira vez, o índice que mede o orgulho de ser brasileiro desceu a patamares nunca vistos –o Datafolha mostrou que 34% de pessoas têm vergonha do país. Com a popularidade do governo lá embaixo, 85% da população querem novas eleições para presidente da República.

Na resistência, movimentos sociais e sociedade civil prometem ocupar Brasília no dia 24 de maio depois de uma bem-sucedida greve geral. Fragilizada, a esquerda é numericamente inferior, ainda mais com o Palácio do Planalto comprando parlamentares com cargos e emendas. A oposição que restou luta bravamente, como numa batalha de Davi e Golias, na tentativa de barrar o avanço implacável das reformas previdenciária e trabalhista. Sem chance na Câmara, onde tudo passou a toque de caixa, a saída para os oposicionistas no Senado foi se agarrar à controversa figura do líder do PMDB, Renan Calheiros (AL), o “Malvado Favorito” da vez.

A oposição enxerga em Renan o único aliado com munição para fazer frente ao rolo compressor de Temer e conseguir impedir que as reformas passem no Senado. Sempre com o pé atrás, pois o PT e aliados tinham a mesma esperança antes do impeachment, frustrada por Renan, que acabou votando pela saída de Dilma e a favor da fatídica PEC dos gastos públicos, que cortou recursos para a saúde e educação pelos próximos 20 anos. Por outro lado, foi Renan quem articulou a votação no Senado para garantir à presidenta Dilma o direito a se candidatar a cargos públicos.

Enquanto o processo de impeachment corria a galope na Câmara, Renan dizia aos mais próximos que não desejava que chegasse ao Senado. Nunca foi da turma de Temer, pelo contrário. Mesmo sem morrer de amores por Dilma, nem por isso concordava com o golpe. Depois que as traições na Câmara suplantaram os cálculos do PT, Renan era o último resquício de esperança para alguns. Ele deu mais tempo aos aliados de Dilma para tentar mudar os votos na Casa, relutou, mas chegou uma hora que cedeu. A pressão do governo interino e das ruas era demais até mesmo para o então presidente do Senado. O instinto de sobrevivência política pulsava de novo.

Com Lula, Renan sempre se entendeu e até hoje os dois se falam, principalmente quando as reformas começaram a correr pelo Congresso. A oposição enxergou uma oportunidade em Renan e se apega a ela, embora o governo seja maioria absoluta no Senado. O impeachment de Dilma foi aprovado na Casa por 61 votos favoráveis e 20 contrários e a PEC do teto dos gastos públicos por 61 votos favoráveis e 14 contrários. Mas, sem dúvida, o senador tem irritado o Palácio do Planalto com sua verve “oposicionista”, sobretudo em sua página no Facebook.

De olho nas eleições de 2018, o líder do partido de Temer mede cada passo que dá e não quer parecer um aliado tão fiel de um presidente tão impopular, principalmente porque a imagem de Temer é ainda pior no Nordeste, ao contrário de Lula. Para Renan, estão em jogo a sua reeleição ao Senado e a de seu filho ao governo de Alagoas. Sondagem do Instituto Paraná Pesquisas, encomendada pelo portal Poder 360, mostrou que o ex-presidente do Senado aparece em terceiro lugar na corrida eleitoral alagoana e, levando-se em conta que cada Estado elegerá dois senadores no ano que vem, ele cai para a na quarta colocação. Com um pé em cada canoa, Renan se equilibra para não ser catapultado do cargo nem por subir o tom contra as reformas nem por apoiá-las.

Renan tem se reunido com centrais sindicais e a oposição para articular mudanças no texto da reforma trabalhista. O tom duro incomodou senadores peemedebistas fieis ao Planalto

Já comparou o governo à seleção de futebol treinada pelo técnico Dunga e chegou a dizer que esse é um governo da vingança. “O último governo que guarda alguma relação com o que está acontecendo hoje no Brasil foi o governo do Artur Bernardes, considerado o governo da vingança. No século 21 isso não pode mais se repetir no Brasil”, disse, referindo-se ao presidente que comandou o país sob estado de sítio. O líder peemedebista incitou a mobilização popular contra as reformas e chegou a colocar sua posição em jogo. Ao site Poder360, afirmou: “Você só é líder de bancada quando verbaliza o pensamento majoritário. Agora, se for incompatível defender os trabalhadores com o exercício da liderança, vocês não duvidem o que vai acontecer”.

Sua atuação nas redes sociais se intensificou e Renan tem se reunido com centrais sindicais e a oposição para articular mudanças no texto da reforma trabalhista. O tom duro incomodou senadores peemedebistas fieis ao Planalto. A chapa esquentou na bancada após Renan aparecer em transmissão ao vivo no Facebook ao lado de sindicalistas e senadores da oposição como Roberto Requião (PMDB-PR), Gleisi Hoffmann (PT-PR) e Randolfe Rodrigues (Rede-AP). A tensão no PMDB, que tem 22 senadores, subiu e uma guerra interna se instaurou. Minoria, Renan foi enquadrado e proibido de falar em nome da bancada ao criticar o governo e ao encaminhar votações terá que seguir a vontade da legenda e não suas posições pessoais.

Dia sim, dia não, corre a informação que a liderança de Renan está perigando, mas aliados dizem que não há chance dele ser destituído. Seria só uma questão de espaço, pois, como líder, ele pode indicar seus colegas para posições de destaque no Congresso e atrapalhar o governo como já fez atrasando a aprovação de uma importante MP para o caixa federal e os trabalhos da Comissão do Orçamento. O senador Dário Berger (SC), por exemplo, recebeu, nessa semana, a presidência do colegiado, cargo de relevância no Legislativo. À frente da Comissão de Constituição e Justiça, Renan conta com Edison Lobão (MA).

O líder do governo, Romero Jucá, tem contemporizado o lado “oposicionista” de seu colega de legenda. Eduardo Braga (AM) tem sido companheiro nas críticas ao “pacote de maldades” comandado pelo presidente Temer e conta com o apoio de Jader Barbalho (PA) e Hélio José (DF). Kátia Abreu (TO) e Marta Suplicy (SP), que é presidente da Comissão de Assuntos Sociais do Senado, também andam insatisfeitas com o Planalto. Enquanto o governo apressa a reforma trabalhista na Casa, Marta nem sequer indicou o relator da comissão de mérito do projeto e mandou recado: o Senado não é uma Casa carimbadora.

Natural de Murici, em Alagoas, o estudante universitário Renan Calheiros começou a carreira política no PCdoB, presidiu o diretório acadêmico da área de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal de Alagoas no final da década de 70 e se filiou ao Movimento Democrático Brasileiro (MDB), hoje PMDB, no início dos anos 1980. O Brasil vivia os estertores do regime militar e o sistema político era bipartidário. De lá para cá, foi deputado estadual, federal, senador por três mandatos e presidente do Senado.

Serviu a todos os governos federais desde que se aliou ao conterrâneo Fernando Collor, em 1989. Ocupou nada menos que o cargo de ministro da Justiça no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso e se tornou aliado de primeira hora de Lula. Sua relação mais difícil foi com Dilma, de quem se queixava não convidá-lo ao Palácio com frequência.

No meio político, é considerado um estrategista perspicaz e com forte instinto de sobrevivência. Um dos episódios mais emblemáticos do atual mandato de Renaan ocorreu quando o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello concedeu liminar à Rede, que pedia que réus não estejam na linha sucessória da presidência da República. Em 48 horas, Renan driblou o oficial de justiça que levava a notificação, reverteu a situação e o plenário do STF rejeitou seu afastamento, proibindo o senador de ocupar a presidência da República em caso de ausência de Michel Temer.

No meio político, é considerado um estrategista perspicaz e com forte instinto de sobrevivência. Serviu a todos os governos federais desde que se aliou ao conterrâneo Fernando Collor, em 1989

Renan já avisou que não vai aceitar goela abaixo nem o calendário do Planalto nem o texto da reforma trabalhista aprovado pela Câmara dos Deputados. Nessa semana, esteve com policiais civis contrários à reforma previdenciária, defendeu a garantia dos direitos e voltou a receber sindicalistas. Não se sabe ainda como ele irá agir, mas está colhendo sugestões de modificações ao texto da reforma trabalhista. O conteúdo está sendo pilotado por Jucá e as centrais sindicais, com exceção da CUT, que não tem participado das conversas.

Um dos pontos a ser modificados é proibir a terceirização da mão de-obra nas atividades-fim. Outro ponto a ser mudado pode ser a prevalência do acordo negociado entre patrão e trabalhador sobre a CLT. Com receio de a matéria voltar para nova votação dos deputados, o que atrasará ainda mais seus planos tenebrosos, Temer disse a ele que poderia editar as mudanças em uma medida provisória, o que é rechaçado pela oposição.

Essa construção foi a saída política encontrada pelo Planalto para atender Renan e não comprometer a aprovação da matéria. Na Câmara, o governo intensificou o toma-lá-dá-cá de cargos e a liberação de emendas e retaliou os “traidores” da reforma trabalhista. Preocupados em ficar sozinhos com o ônus de aprovar o pacote de maldades, deputados fazem chantagem com o governo e retardam a votação da reforma previdenciária.

O líder do PMDB, no entanto, tem sido ambíguo em suas declarações mais recentes. Num primeiro momento, Renan Calheiros disse não concordar com a edição de uma MP. Mas evitou atacar o Planalto e baixou o tom nas redes sociais e nas entrevistas. Renan garante não ter mudado de opinião sobre os temas, mas há, entre os oposicionistas, quem ache que o senador peemedebista poderá trair seus novos aliados. Para a esquerda, ainda vale a frase dita esta semana pelo líder do MTST, Guilherme Boulos: “Não importa o que esse ou aquele fez no verão passado, quem resistir às reformas é aliado objetivo”.

É difícil prever qual será o próximo passo do enxadrista Renan. Mais vale confiar, desconfiando. Enquanto a oposição parlamentar se apega a seu novo Malvado Favorito, resta à resistência popular a Temer ocupar as ruas contra as reformas macabras do governo ilegítimo.

 

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