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Revolução Bolivariana: longe demais para o capitalismo, mas não o bastante para o socialismo

A revista novaiorquina de esquerda Jacobin publicou um texto muito bom sobre as razões da crise venezuelana, sob uma ótica totalmente distinta da mídia de direita, mostrando os acertos e os erros da chamada “Revolução Bolivariana” de Hugo Chávez. Leitura obrigatória para quem quer entender de fato o que acontece na Venezuela. O blog traduziu […]

(Grafite de Chávez em Mérida. Foto: David Hernandez/Wikicommons)
Cynara Menezes
11 de junho de 2017, 12h27
(Grafite de Chávez em Mérida. Foto: David Hernandez/Wikicommons)

(Grafite de Chávez em Mérida. Foto: David Hernandez/Wikicommons)

A revista novaiorquina de esquerda Jacobin publicou um texto muito bom sobre as razões da crise venezuelana, sob uma ótica totalmente distinta da mídia de direita, mostrando os acertos e os erros da chamada “Revolução Bolivariana” de Hugo Chávez.

Leitura obrigatória para quem quer entender de fato o que acontece na Venezuela. O blog traduziu para vocês. Não se esqueçam de contribuir com o tradutor Mauricio Búrigo ao final do post.

Boa leitura.

***

Por Daniel Finn, na Jacobin

Tradução de Mauricio Búrigo*

Não é possível se ter dúvidas de que a Venezuela está passando por uma crise profunda. Um grupo de socialistas do país que defendem o legado de Hugo Chávez pinta uma imagem desolada da vida cotidiana ali:

“São precisos quase dezenove salários mínimos para cobrir a cesta básica de necessidades. Podemos somar a isto a inflação, que dizem ser a mais alta do mundo, as filas intermináveis devido à escassez causada pelo armazenamento de mercadorias, revenda especulativa e baixa produção agroindustrial; e também o abuso da polícia e do pessoal militar, o drama dos enfermos que não conseguem encontrar seus medicamentos, a corrupção que segue impune, a crise de energia e o crime organizado. Tudo isso está criando uma situação de caos social, político e econômico sem precedentes na Venezuela”.

O fracasso do governo de Nicolás Maduro em manter os padrões de vida da população permitiu à oposição de direita tomar o controle da Assembleia Nacional da Venezuela, resultando em uma amarga dissociação entre executivo e legislatura que ainda tem de ser resolvida de uma maneira ou outra.

Os detalhes da crise da Venezuela foram descritos com competência em outros lugares. Mas aquilo com o qual menos se tentou lidar é o significado dessa crise para a Esquerda internacional, que uma vez depositou grandes esperanças na Revolução Bolivariana.

Chamando a atenção

Não pode haver qualquer explicação honesta sobre onde as coisas deram errado na Venezuela que não comece por reconhecer o que deu certo no Chavismo.

A experiência lançada por Hugo Chávez depois que se tornou presidente em 1999, com um modesto programa de reforma social, chamou a atenção gradualmente da Esquerda internacional. Richard Gott fez uma primeira tentativa de escrever sobre o fenômeno na sua biografia do líder venezuelano. Seu livro recebeu uma resenha desdenhosa no The Guardian de um editor do Buenos Aires Herald, que declarou que a América Latina precisava de “menos Messias e mais homens e mulheres comuns com boas credenciais de gestão econômica”. Esse era o ponto de vista predominante na aurora do século vinte-e-um, apesar dos melhores esforços dos manifestantes antiglobalização: todas as questões fundamentais acerca de como gerir uma economia já haviam sido estabelecidas pelo Consenso de Washington, de modo que saber administrar era tudo o que um bom líder precisava.

O golpe malsucedido contra Chávez em 2002 aguçou o interesse na Venezuela, assim como sua vitória no plebiscito pela cassação de mandato de 2004. Quando foi reeleito em 2006, estava claro para a maioria dos observadores que algo surpreendente estava acontecendo, com grandes implicações para a região, se não para o mundo.

Desdobramentos noutros lugares da América Latina ajudaram a cristalizar esta percepção, da posse de Luiz Inácio Lula da Silva como presidente do Brasil, em 2003, ao ciclo de protestos na Bolívia que afinal levou Evo Morales e seu Movimento para o Socialismo ao poder. Jornalistas da imprensa dominante começaram a se referir a uma guinada à esquerda que engolfava a região –falava-se com assombro do “continente esquecido” em que uma economia sensata dera lugar a um populismo desenfreado.

Para estes comentaristas, era desconcertante o suficiente que qualquer um na Venezuela achasse Hugo Chávez uma figura atraente; a ideia de que ele pudesse ter um fã-clube borbulhante na Europa ou nos Estados Unidos parecia-lhes uma completa insanidade. A única explicação que conseguiam imaginar era a de um deleite estúpido com os discursos de Chávez ralhando contra a administração Bush –como o seu espetáculo nas Nações Unidas em 2006, quando brandiu uma cópia de Hegemonia ou Sobrevivência de Noam Chomsky e de brincadeira referiu-se ao presidente americano como o diabo.

O Chavismo no Poder

Contudo, se invectivas contra Bush e Cheney fossem o bastante para ganhar admiradores, Mahmoud Ahmadinejad teria sido uma pin-up de calendário. Na realidade, o embate verbal com que Chávez se deliciava cumpria um papel pequeno na sua popularidade. As realizações do seu governo no palco nacional era o que na verdade importava. Uma vez que se viu livre das primeiras tentativas de sabotagem econômica da oposição de direita, o governo chavista protagonizou reduções drásticas na pobreza e lançou grandes iniciativas em saúde e educação, que melhoraram a vida de milhões.

Os gastos sociais subiram de 8,2% do Produto Interno Bruto em 1998 para 13,6% oito anos depois. A pobreza caiu de 55% em 2003 para pouco mais de 30% em 2006. Quando Chávez chegou ao poder pela primeira vez, havia apenas 1.600 clínicos-gerais para uma população de 23,4 milhões; no tempo em que começou seu segundo mandato, havia quase 20 mil para uma população de 27 milhões. Mais de um milhão de pessoas se matriculou em programas de alfabetização de adultos. Os preços elevados do petróleo tornaram esse trabalho mais fácil, é claro. Os críticos mais veementes do Chavismo, porém, simplesmente ignoraram estas conquistas por completo.

Além dessas reformas econômicas, o governo Chávez transformou o sistema político da Venezuela, tornando-o mais aberto e democrático. Chávez herdou uma cultura política marcada pela violência, corrupção, e a quase total alienação dos cidadãos venezuelanos quanto aos seus governantes. O momento determinante do período que o levou à vitória foi o Caracazo de 1989. Um presidente recentemente eleito, Carlos Andrés Pérez, quebrou a promessa de romper com o programa de austeridade que o Fundo Monetário Internacional havia ordenado e impôs cortes profundos nos gastos públicos, e então mandou o Exército lidar com protestos violentos em Caracas e outras cidades.

O número exato de vítimas permanece desconhecido –muitos daqueles que foram mortos foram enterrados em valas comuns–, mas a verdadeira cifra pode chegar a 3000. Esse massacre foi ignorado em silêncio por autoridades que alegavam que Chávez havia trazido um novo tipo de amargura à vida política do país e fizera as pessoas voltarem-se umas contra as outras.

No tempo em que Chávez iniciou seu segundo mandato, seu governo podia reivindicar crédito por uma reviravolta notável, como descreveu Julia Buxton:

“Segundo apuração do Latinobarómetro, a percentagem de venezuelanos satisfeitos com seu sistema político cresceu de 32% em 1998 para mais de 57%, e os venezuelanos são mais ativos politicamente que os cidadãos de qualquer outro país examinado –47% discutem política com regularidade (comparado a uma média regional de 26%), enquanto que 25% são ativos num partido político (a média regional é de 9%). 56% acreditam que as eleições no país são ‘limpas’ (média regional de 41%) e, junto com os uruguaios, os venezuelanos exibem a mais alta porcentagem de confiança nas eleições como o meio mais eficaz de promover mudança no país (ambos 71%, comparado a 57% para toda a América Latina).”

Uma nova Constituição deu aos cidadãos mais alcance para que seus governantes se mantivessem responsáveis através de um direito de cassação de mandato de todos funcionários públicos (os partidos de oposição tiraram proveito disso no fracassado plebiscito de cassação de 2004).

Isso foi alcançado apesar dos esforços constantes da oposição de direita para derrubar o governo eleito da Venezuela pela força e substituí-lo por uma ditadura no estilo da de Pinochet. Com toda a cordialidade de seu relacionamento com Fidel Castro, Chávez não tentou imitar o sistema político cubano, e mostrou muito maior leniência para com os conspiradores do golpe do que poderia se esperar de qualquer governo na Europa Ocidental ou América do Norte.

Isso não é pretender que o Chavismo tivesse um histórico perfeito quando se tratava de direitos democráticos: havia com certeza motivos legítimos para crítica. Sobretudo, as condições deploráveis das prisões da Venezuela continuaram em grande parte sem reformas, e suas forças policiais tinham um comportamento irascível para com os residentes dos barrios urbanos. Contudo, pelos padrões aplicados a outros países nas Américas, nada disso impediria a Venezuela de ser considerada um estado democrático.

Outras críticas simplesmente não levaram em conta a violenta resistência da oposição de direita, que Chávez enfrentou desde que tomou o poder. Uma vez mais, a amnésia histórica entrou em jogo: o perigo da contrarrevolução violenta, e a necessidade de tomar medidas decisivas para evitar tal perigo, foram excluídas da maioria das análises liberais, como se não houvesse uma longa e horrível história de governos de esquerda eleitos democraticamente na América Latina que foram depostos por golpes militares.

Como manter os lobos longe da porta, sem se transformar em um lobo –essa fora sempre uma das questões fundamentais para governos propensos à mudança radical. Em vez de tratar desse dilema de frente, a perspectiva liberal prefere, de maneira implícita, render-se em face da resistência implacável das forças conservadoras, mesmo que isso signifique deixar graves injustiças sem resposta. É uma atitude que teria incapacitado Lincoln e Roosevelt tanto quanto Lênin ou Castro.

(Maduro, Evo e Ortega no túmulo de Chávez em 2016. Foto: AVN/ABI )

(Maduro, Evo Morales e Daniel Ortega no túmulo de Chávez em 2016. Foto: AVN/ABI )

O Chavismo Crítico

O melhor contraponto à crítica de praxe à Venezuela veio de entrevistas com ativistas de movimentos sociais, que apresentavam militantes entendidos, experientes, discutindo as forças e defeitos da Revolução Bolivariana com franqueza crua, desmentindo a imagem de um líder carismático, populista, que distribuísse presentes do Estado a uma massa de partidários crédulos. Essa era a voz do “Chavismo crítico”.

A Esquerda venezuelana não tinha dúvida alguma de que o governo Chávez precisava de apoio em suas batalhas com a oposição da direita e o imperialismo dos EE.UU. Igualmente, não tinha dúvida alguma de que a experiência Chavista continha sérias falhas que teriam de ser remediadas para poder sobreviver: a excessiva dependência da liderança de Chávez; as práticas arbitrárias, burocráticas, no movimento Chavista; e a corrupção disseminada entre funcionários de Estado.

Ainda assim, não havia dúvida de que o presidente da Venezuela tinha um papel decisivo em conduzir o processo. Grande parte da fascinação vinha de se tentar descobrir exatamente que objetivo Chávez tinha em mente. Ele havia chegado ao poder apresentando-se de maneira vaga como um líder da Terceira Via, nos moldes de Clinton ou Blair. Foi somente quando as elites tradicionais venezuelanas responderam com total oposição que Chávez radicalizou seu programa.

Como mostra Mick McCaughan no seu estudo do início do Chavismo, A Batalha da Venezuela, o momento decisivo veio em 2001, quando Chávez apresentou um pacote de 49 leis; embora as reformas fossem brandas em si, elas marcaram “o ponto em que comércio, mídia, petróleo, igreja e outros setores influentes colocaram as cartas na mesa e exigiram que o governo cedesse ou encarasse total resistência à continuidade do seu poder”. Derrotar esses atentados de subversão violenta requeria uma mobilização quase revolucionária na defesa do governo eleito.

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O Socialismo do Século 21

Foi somente na corrida para as eleições presidenciais de 2006 que Chávez proclamou que o socialismo fosse a meta da sua administração –”socialismo do século 21″, para ser preciso. Como o nome sugeria, esse foi definido em oposição às experiências fracassadas do século anterior; num discurso recente que procurava encapsular seu legado, Golpe de Timón, Chávez instava o público a “lembrar-se da União Soviética, que se foi com o vento; na União Soviética nunca houve democracia… Uma das coisas fundamentalmente novas sobre o nosso modelo é o seu caráter democrático”.

Mas nunca ficou inteiramente claro com o que o socialismo do século 21 pareceria. De novo, Chávez ralhava contra o sistema capitalista e pedia uma ruptura decisiva, contudo a maior parte da economia venezuelana ainda permanecia em mãos privadas. O setor estatal havia expandido e havia algumas experiências promissoras em auto-gestão de trabalhadores, mas a velha classe dominante conservava grande parte da sua riqueza, e uma nova elite –a dita “Boliburguesia”– havia começado a consolidar sua posição.

Legado Ambíguo

Quando ficou enfermo terminal, Chávez deixou três problemas-chave para seus sucessores enfrentarem. O primeiro era a questão da liderança. Teria sido difícil encontrar um substituto para Chávez, um homem de talentos políticos raros, com uma personalidade desmesurada. Mas a maneira como Chávez tratou da questão, ao nomear Nicolás Maduro para tomar seu lugar no comando do movimento, apenas reforçou o aspecto fechado do Chavismo.

Julia Buxton sugeriu que um processo de seleção prévia que permitisse a partidários da bancada governista do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) escolher entre concorrentes rivais teria fortalecido a base chavista e dado no PSUV um necessário tiro no braço. Com o histórico de Maduro no cargo, fica difícil discordar disso.

Na área econômica, Chávez deixou a Venezuela mais dependente que nunca das exportações de petróleo. Houve muita conversa nos primeiros anos do seu governo acerca de diversificar a economia e desenvolver uma base industrial mais forte, mas esses planos foram deixados à margem uma vez que os preços do petróleo continuaram a se elevar. Teria sido uma façanha notável para qualquer governo superar a dita “doença holandesa” num tempo em que rendimentos flutuantes do petróleo sorviam importações baratas que oneravam as indústrias venezuelanas até que ficassem de fora do mercado interno. Mas os chavistas agravaram o problema com empréstimos pesados de países como a China, baseando-se na suposição de que não fosse provável que os preços baixassem tanto. Quando o piso do mercado ruiu, a Venezuela se viu pobremente exposta.

Acima de tudo, Maduro herdou um sistema de taxa de câmbio e controles de preços que foi armado originalmente para ir contra a sabotagem econômica da oposição no começo dos anos 2000, mas que se havia tornado profundamente inoperante há muito tempo. Com toda a sua impressionante complexidade, os efeitos daninhos desse sistema eram (e são) claros o suficiente. Qualquer um que pudesse ter acesso a dólares na taxa oficial do governo seria capaz de vendê-los no mercado negro a um preço exorbitante. Os mesmos estímulos entraram em jogo com a comida, remédios, e outros bens de consumo básicos. Economistas simpáticos ao governo como Mark Weisbrot têm chamado a atenção aos efeitos daninhos desse sistema há anos –com um crescente senso de urgência enquanto a espiral descendente continuasse– e pedido reformas drásticas, mas o problema foi simplesmente deixado a infeccionar.

Guerra Econômica?

Maduro tem culpado a oposição pela crise, acusando-os de empreender uma “guerra econômica” contra seu governo. Mas não há necessidade alguma de postular um motivo político direto: tudo o que os vários jogadores tinham a fazer era seguir os estímulos do mercado e o resultado seria uma batida de carro econômica.

A crise da Venezuela demonstra a ambiguidade do “socialismo do século 21”, que se vê encalhado numa terra de ninguém. Ao impor controles de preço ao passo que deixava a produção e distribuição de bens quase que completamente em mãos privadas, o governo bolivariano foi longe demais para o capitalismo, mas não longe o bastante para o socialismo. O colapso dos preços do petróleo teria causado sérias dificuldades à Venezuela em quaisquer circunstâncias, mas o fracasso em reformar o sistema de controles é um erro grave, não-forçado, que bem pode se provar fatal para o processo inteiro.

É tentador se perguntar como Chávez teria reagido à crise se tivesse vivido alguns anos mais. Maduro tem sido nitidamente passivo desde que assumiu, sem qualquer desejo aparente de mexer na casa de marimbondo da reforma. Muitos observadores creem que ele está relutante em desafiar o capital corrupto investido dentro da “Boliburguesia”, a qual está tirando grandes lucros da situação atual.

É leviano simplesmente contrastar as virtudes de Chávez com os vícios do seu sucessor: Maduro tem tido que confrontar um contexto bem diferente, e seus problemas não brotaram da noite para o dia. Mas é difícil de imaginar Chávez mostrando a mesma timidez em face ao desastre evidente.

Devaneios acerca de um líder perdido não levarão os venezuelanos a lugar algum, é claro. É difícil ver como a crise de hoje pode ser resolvida de uma maneira que preserve o legado construtivo do Chavismo: sobretudo, os programas sociais que tanto fizeram para transformar as vidas das classes populares e o profundo senso de empoderamento que se estabeleceu entre setores tradicionalmente excluídos da população. Se a Venezuela tivesse uma oposição normal, um posicionamento incisivo do governo poderia ter dado ao movimento chavista a chance de recuperar seus propósitos e refletir acerca do que deu errado.

Mas a oposição é tudo menos “normal”: ainda dominada por vingativos figurões oligárquicos, não se pode ter confiança no bloco de direita da Venezuela para que mostre qualquer respeito por direitos democráticos se lograr recuperar o poder. Quando isso acontecer, o comando do PSUV talvez já tenha esfrangalhado as realizações mais formidáveis da Revolução Bolivariana.

(Lula e Chávez na Venezuela em 2005)

(Lula e Chávez na Venezuela em 2005)

Esquerda Boa, Esquerda Má

Estava na moda falar de uma “Esquerda boa” e uma “Esquerda má” quando a Onda Vermelha estava no auge. A Esquerda boa –moderada, reformista, respeitável– era supostamente exemplificada pelo Partido dos Trabalhadores (PT) do governo Lula no Brasil; a Esquerda má era exemplificada, é claro, por Chávez. Num sentido, isso sempre foi uma dicotomia mentirosa e enganadora. O próprio Lula com certeza nunca reconheceu sua validade: o presidente brasileiro mantinha relações cordiais com Chávez e apoiou sua campanha à reeleição em 2012 (para desapontamento dos jornalistas que tentaram apresentar o candidato da oposição de direita como “o Lula da Venezuela”). Mas havia claramente uma diferença na abordagem do PT no poder: mais cauteloso e consensual, menos inclinado a arriscar um conflito frontal com a oligarquia brasileira.

É portanto notável que ambas experiências atingissem o fim da linha quase exatamente ao mesmo tempo, com a Direita brasileira pondo Dilma Roussef para fora num golpe parlamentar enquanto seu governo lutava para superar uma profunda recessão. A corrupção foi pouco mais que um pretexto para o golpe da direita, mas ninguém nega que o PT se extraviou um bocado da sua vocação original. As crises paralelas revelam o quanto os governos reformistas da América Latina deviam a uma longa valorização dos preços das commodities, que mudou temporariamente o equilíbrio das forças econômicas globais em seu favor. Maior moderação no poder não protegeu a Esquerda brasileira do fim daquela valorização.

Se a Venezuela e o Brasil simbolizaram duas abordagens à reforma na era da globalização, o governo do Congresso Nacional Africano (ANC) na África do Sul representou uma terceira: aquela de uma desabrochada rendição ao neoliberalismo. Essa capitulação foi saudada como a síntese do bom senso pela mesma ortodoxia que difamou Chávez e patrocinou Lula. A abordagem da ANC deixou as estruturas econômicas do apartheid inteiramente intactas, foi acompanhada de corrupção desenfreada nos círculos dirigentes, e requereu uma grande dose de repressão para manter o protesto social sob controle. Ninguém poderia apresentar isso seriamente como um resultado mais feliz que aqueles no Brasil ou Venezuela.

Lições terão de ser aprendidas a partir da morte da Revolução Bolivariana. Mas tais lições não deveriam incluir uma maior disposição de largar a vela –ou desistir de todo– em face da pressão do capitalismo global.

*Daniel Finn é subeditor da New Left Review.

 

*PAGUE O TRADUTOR: Gostou da matéria? Contribua com o tradutor. Todas as doações para este post irão para o tradutor Mauricio Búrigo. Se você preferir, pode depositar direto na conta dele: Mauricio Búrigo Mendes Pinto, Banco do Brasil, agência 2881-9, conta corrente 11983-0, CPF 480.450.551-20. Obrigada por colaborar com uma nova forma de fazer jornalismo no Brasil, sustentada pelos leitores.

 


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Heber de Oliveira Pelagio em 25/06/2019 - 20h37 comentou:

Trata-se de uma mera questão de tempo até que o “socialismo do séc. XXI” na Venezuela siga o mesmo caminho do seu congênere do século passado.
Parafraseando Marx no “18 de Brumário de Napoleão Bonaparte”, a história só acontece duas vezes: da primeira, como tragédia, e da segunda, como farsa…

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