Socialista Morena
Direitos Humanos

Ser neutro neste momento não é uma opção para ninguém, nem para jornalistas

Fechar os olhos é permitir a destruição dos direitos humanos e trabalhistas e, pior, assinar nossa própria sentença de morte

Humpty Dumpty sentado no muro. Milo Winter, 1916
Raphael Pena
27 de outubro de 2018, 18h16

Em 2016, o Dicionário Oxford, da Universidade de Oxford, nos EUA, elegeu “pós-verdade” (post-truth) como palavra do ano: “relativo ou referente a circunstâncias nas quais os fatos objetivos são menos influentes na opinião pública do que as emoções e as crenças pessoais.”

Naquele ano (e dali para frente), as meias verdades, ou mentiras, tornaram-se ferramentas eleitorais utilizadas exaustivamente mundo a fora (Brexit, plebiscito de acordo com as Farc, eleições norte-americanas, por exemplo).

O fato de as pessoas acreditarem em correntes de whatsapp e duvidarem dos jornais precisa acender um sinal de alerta na sociedade, mas principalmente no meio jornalístico.

O jornalismo deu espaço acrítico para discursos e posições políticas baseadas em pós-verdades, em meias verdades, ou em mentiras. Ao aceitar as meias verdades sem as críticas devidas, o jornalismo colaborou com a ascensão das pós-verdades

O Centro Internacional para Jornalistas, com colaboração da UNESCO e do governo da Suécia, publicou um manual chamado Ética Jornalística na Era Digital. Ele traz reflexões sobre o papel do jornalismo em relação ao fenômeno da pós-verdade.

O jornalismo não foi eficiente no seu papel de apurar e comunicar a realidade dos fatos. Em nome de uma ilusória neutralidade, o jornalismo deu espaço acrítico para os discursos e posições políticas baseadas em pós-verdades, em meias verdades, ou em mentiras, como se fossem “um dos lados” a serem ouvidos com “o mesmo peso”. Ao aceitar as meias verdades sem as críticas devidas, o jornalismo colaborou com a ascensão das pós-verdades, revela o manual.

Alegando imparcialidade, o jornalismo se limitou a reproduzir meias verdades sem análise crítica (para não ser tendencioso), negando ao leitor, ouvinte, espectador, a ajuda informativa que ele necessita para poder formar sua opinião e compreender o mundo. Mostrar contradições, erros, mentiras nos discursos é papel do jornalismo. Não o fazendo, o jornalismo deu (e ainda dá) sua segunda contribuição.

Ao abrir mão de relatar a verdade dos fatos, o jornalismo simplesmente perde sua função, perde sua razão de ser. Vamos aceitar este fim trágico, este suicídio profissional? Ou vamos aprimorar nossa técnica, melhorar nossa apuração, dar nome aos bois e efetivamente colaborar com uma sociedade mais justa e igualitária?

Junto com o jornalismo, ao longo do tempo, centrais sindicais, associações e entidades de classe ligadas à defesa do trabalhador, por mais combativas e atuantes que tenham sido, também deixaram de lado um papel fundamental: o de formação política dos seus representados, o chamado trabalho de base.

Manter a posição de neutralidade quando o terror bate à porta pode significar o fim do curto período democrático que vivemos no Brasil nos últimos 30 anos. Já tivemos mortes, agressões e censura na campanha

A mesma falsa ideia de neutralidade, de imparcialidade, ou, em alguns casos, a proximidade com governos, afastaram dos sindicatos, associações e entidades de classe o debate político saudável, formador de cidadãos plenos. Esse debate ficou restrito aos movimentos sociais. Houve um distanciamento dos representantes tradicionais de suas bases, a crise de representatividade chegou.

Agora, o terror é quem bate à porta. Fuzilar, prender ou exilar adversários, acabar com ativismo, tratar adversários como inimigos (que devem ser eliminados), são as ameaças diretas e os alvos somos todos nós.

A disputa eleitoral de 2018 não é entre dois projetos democráticos, um de esquerda e um de direita, mas entre democracia e autoritarismo. Manter a posição de neutralidade nessa situação pode significar o fim do curto período democrático que vivemos no Brasil nos últimos 30 anos. Já temos mortes, agressões e censura (links abaixo).

O mundo todo está alertando para isso. Fechar os olhos não é uma opção para jornalistas e ativistas, sob pena de estarmos destruindo o que restou dos direitos humanos e trabalhistas e, pior, assinando nossa própria sentença de morte.

Links úteis:

Em manifesto, juristas dizem que só Haddad pode garantir democracia no país 

Steven Levitsky: Por que este professor de Harvard acredita que a democracia brasileira está em risco

Militares no poder

Nota conjunta da OAB, Anamatra, Fenaj e outras entidades

TSE censura postagens da UNE que criticam Bolsonaro

TRE-RJ censura imprensa e manda recolher exemplares do jornal Brasil de Fato

Apoiadores de Bolsonaro realizaram pelo menos 50 ataques em todo o país

Raphael Pena é jornalista, atualmente assessor de comunicação do Sindicato dos Servidores Municipais de Araraquara e Região, ativista e socialista. Texto originalmente publicado no blog do autor.


(2) comentários Escrever comentário

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Cidadao em 29/10/2018 - 01h41 comentou:

E agora vão pressionar bolsonaretes acusando urnas eletrônicas de serem fraudadas como eles diziam?

Vão gritar nas urnas “Foi fraude” ou vão deixar passar batido?

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Luis CPPrudente em 29/10/2018 - 22h54 comentou:

Essas não-verdades foram bem desenvolvidas pela organização criminosa da famiglia Marinho, elas acabaram sendo copiadas pelas famiglias Saad, SBT, RTV! e agora a evangélica TV Record. As organizações lucrativas que são as igrejas evangélicas também tiveram participação importante na reprodução dessas não verdades. A classe média burra e gananciosa aceitou essas não verdades e também reproduziu isto com o movimento dos coxinhas ou os seus movimentos de família-tradição-liberdade de ser trouxa.

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