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Terraplanistas da pandemia atacam médicos que combatem cientificamente o coronavírus

As razões do ódio aos especialistas aqui e nos EUA são a defesa do isolamento e a negativa deles em aceitar a cloroquina como "cura"

O médico Anthony Fauci é observado por Trump. Foto: Andrea Hanks/White House
Cynara Menezes
09 de abril de 2020, 15h46

Aqui e nos Estados Unidos, todas as autoridades médicas na linha de frente contra o coronavírus que seguem premissas científicas estão sofrendo com fake news, ataques virtuais e até ameaças de morte. A ação parece coordenada pelos gurus da extrema direita, aliados dos presidentes Jair Bolsonaro e Donald Trump, e é motivada principalmente pela defesa do isolamento social e pela negativa dos especialistas de aceitar a imposição da cloroquina como “cura” para a doença.

No Brasil, o maior alvo dos negacionistas da quarentena ou “terraplanistas da pandemia” atualmente é o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, que é médico ortopedista. Defensor do isolamento social, contrariando a posição pública do próprio presidente, Mandetta passou a ser xingado pelos bolsonaristas nas redes sociais e virou vítima das fake news características do “gabinete do ódio”.

Assim como Mandetta e David Uip no Brasil, o médico Anthony Fauci, principal conselheiro da Casa Branca, vem sendo atacado pela extrema direita nas redes sociais. Outro alvo do ódio é o diretor-geral da OMS, que sofreu ameaças de morte

De acordo com um levantamento da FGV/DAPP, o ministro vem sendo apontado pelos haters como parte de “um plano” para desestabilizar Bolsonaro. Passou a circular ainda um dossiê falso em que Mandetta é acusado de renovar um contrato de publicidade do governo Dilma Rousseff no valor de 1 bilhão de reais. A principal fonte da mentira foi o “jornalista” Oswaldo Eustáquio, conhecido propagador de notícias falsas que já foi condenado a pagar 15 mil reais para o fundador do Intercept, Glenn Greenwald, por afirmar que a mãe dele não se encontrava em estado terminal. A mãe de Glenn morreu em dezembro de 2019, vítima de câncer no cérebro.

A fake contra Mandetta

A “denúncia” contra Mandetta, publicada no site “Agora Paraná”, teve mais de 15 mil compartilhamentos no facebook, mas, segundo checagem da Agência Lupa, os contratos com quatro agências foram feitos  durante o governo de Michel Temer, não no de Dilma, e tinham sido renovados em 2018. Em março, o ministro já havia sido alvo de um áudio falso circulando nas redes sociais. “Não gravo áudio, nem sei como funciona”, disse Mandetta. “Os doentios das fake news gostam de se travestir da autoridade de alguém para assustar pessoas.”

Nas últimas semanas, a tropa de choque do bolsonarismo no twitter chegou a levantar a tag #ForaMandetta, acusando o ministro de estar tramando “um golpe” contra o “mito”, sobretudo após Mandetta ter recebido apoio da embaixada da China, a quem o filho de Bolsonaro, Eduardo, tem atacado. Lobista da cloroquina, o presidente do Instituto Mises Brasil, conhecido como “Helio Beltrãozinho” por ser mais um meritocrata hereditário (é filho do ex-ministro do governo militar Helio Beltrão), não para de interpelar o titular da Saúde por não ceder aos apelos irresponsáveis para liberar o medicamento sem que haja estudos científicos comprovando sua eficácia.

Outro alvo frequente do ódio bolsonarista à ciência é o médico infectologista David Uip, chefe do Centro de Contingência ao Coronavírus em São Paulo. O blogueiro de extrema direita Allan dos Santos, íntimo do presidente, chegou a divulgar uma receita em que o médico se automedicava com cloroquina. O twitter excluiu a postagem por “violar as regras” da rede social, mas o médico denunciou a violação da privacidade de sua clínica para obtê-la.

Nesta quarta-feira, em entrevista coletiva onde criticou a “politização” do combate ao vírus, o diretor-geral da OMS (Organização Mundial de Saúde), Tedros Adhanom Gebreyesus, biólogo e doutor em saúde comunitária etíope, revelou que tem sofrido insultos racistas e até ameaças de morte. “Posso contar os ataques pessoais que vêm ocorrendo há mais de dois, três meses. Abusos ou comentários racistas, me dando nomes, ‘negro’. Tenho orgulho de ser um homem negro”, disse Tedros. “Não me importo. Até ameaças de morte eu recebi.”

Com as mortes pelo coronavírus ascendendo a 16 mil, Trump voltou a artilharia para a OMS, acusando-a de ser “centrada na China”. No Brasil, a tropa bolsonarista, que parece seguir ordens de Washington, levantou a tag #OMSGenocida, para atender ao lobby da cloroquina

Nos últimos dias, com as mortes pelo coronavírus ascendendo a 16 mil pessoas, o presidente Donald Trump voltou sua artilharia para a OMS, acusando-a, no twitter, de ser “centrada na China” e ameaçando cortar o financiamento de seu país à entidade. No Brasil, a tropa bolsonarista nas redes sociais, que age como se seguisse ordens expressas de Washington, levantou, no mesmo dia, a tag #OMSGenocida, para mais uma vez atender ao lobby da cloroquina.

Nos EUA, a maior vítima do ódio da extrema direita à ciência e à medicina é o imunologista Anthony Fauci, de 79 anos, diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas, principal conselheiro da Casa Branca no combate ao coronavírus. O FBI teve que dobrar a segurança em torno de Fauci após ele receber ameaças de morte dos fanáticos defensores de Trump. Fauci agora está circulando com nove guarda-costas.

O médico, como Mandetta, é defensor intransigente do isolamento social como principal estratégia de enfrentamento à pandemia, e refuta constantemente as falsas alegações de Trump, como a de que a China não alertou as autoridades sobre o vírus ao surgirem os primeiros casos –ele é totalmente contrário ao termo “vírus chinês”, utilizado pelo chefe. Fauci também rebate Trump com veemência quando o presidente alardeia que a cloroquina é a “cura” para o Covid-19, mesma afirmação que Bolsonaro está macaqueando no Brasil.

Da mesma forma como fazem aqui com Mandetta, a mídia e os “influencers” de extrema direita estão acusando Fauci de ser “um infiltrado” e “simpatizante” de Hillary Clinton no governo, mesmo tendo sido contratado ainda durante o governo Ronald Reagan (1981-1989). Ou seja, é o sexto presidente que o médico serve, entre democratas e republicanos, e nunca sofreu nada parecido antes.

O imunologista deu um conselho que serve a todos os médicos que estão sob a mira da extrema direita apenas por fazer seu trabalho de forma séria e embasada na ciência. “Há coisas que às vezes são perturbadoras. Mas você se concentra no trabalho que deve fazer, coloca todas essas coisas de lado e tenta da melhor maneira possível não prestar atenção a elas”, disse, reforçando que as ameaças são “secundárias” diante da missão que tem pela frente de ajudar seu povo a sair da pandemia.

 


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