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Um casal de surdos, filmes dublados e o bacana da indignação

Não tive tempo de escrever sobre isto à época, mas adorei esta notícia: “Casal de surdos ganha indenização de cinema que não tinha Shrek legendado em Belo Horizonte”. A decisão saiu no final de outubro do ano passado, mas o caso ocorreu em 2010. Um casalzinho de surdos decidiu comemorar o aniversário de namoro indo […]

Cynara Menezes
11 de janeiro de 2013, 20h13

Não tive tempo de escrever sobre isto à época, mas adorei esta notícia: “Casal de surdos ganha indenização de cinema que não tinha Shrek legendado em Belo Horizonte”. A decisão saiu no final de outubro do ano passado, mas o caso ocorreu em 2010. Um casalzinho de surdos decidiu comemorar o aniversário de namoro indo ao cinema e escolheram Shrek Para Sempre. Chegando ao Cineart do Shopping Cidade, em Belo Horizonte, não havia nenhuma sessão legendada do filme em cartaz no horário que escolheram, à tarde.

Frustrados, eles fizeram boletim de ocorrência e decidiram pedir indenização à Justiça, que, surpreendentemente, concordou com a petição. A empresa foi condenada a pagar 10 mil reais como dano moral e outros 10 mil a título de “parcela pedagógica”, ou seja, para que aprendam –este valor será destinado a uma instituição de caridade. De nada adiantou o Cineart oferecer ingresso em outras sessões como tentativa de conciliação: o casal se manteve irredutível. Detalhe: havia uma sessão legendada na noite do mesmo dia, mas como o casal escolheu ir à tarde, se sentiu alvo de preconceito por só haver sessões dubladas no horário que pretendiam.

O juiz argumentou em sua decisão que é dever das empresas disponibilizar salas e filmes legendados para assegurar o acesso a todos, especialmente aos deficientes auditivos. E citou a Constituição e a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência: “o portador de deficiência auditiva tem direito de acesso à cultura e ao lazer, devendo tal acesso ser interpretado, no que tange à cultura cinematográfica, não só como acesso físico às salas de exibição, mas também como direito de compreensão linguística das interações culturais que ali se realizarem”. O cinema vai recorrer.

Quando essa matéria foi publicada pelo portal UOL, as reações foram indignadas –contra o casal. “Nossa, tinha que ter o filme que eles queriam na hora e local que eles queriam? Ridículo. Espero que os surdos percam nas demais instâncias”, protestou um leitor nos comentários. “Ué, mas eles são surdos dos olhos também? Não viram antes que o filme não era legendado? Isso é piada”, afirmou outro.

A mim o assunto chamou a atenção por dois pontos: o primeiro deles, ao expor o absurdo de os exibidores pretenderem diminuir as salas em que passam filmes legendados e aumentar as que exibem filmes dublados, a pretexto de atrair a classe C ao cinema. Uma falácia, diga-se de passagem, porque o que espanta o público dos cinemas não são as legendas e sim o valor altíssimo dos ingressos no País –outro dia gastei 50 reais para levar meu filho de quatro anos ao cinema, e isso porque ele só comeu uma pipoca pequena e suco. Eu tomei água. Quanto gastaria uma família com três crianças?

Outro aspecto que me impressionou foi constatar como incomoda as pessoas ver que tem gente capaz de comprar uma boa briga em nome de seus direitos. Eu achei incrível tanto a disposição do casal quanto a sensibilidade do juiz em reconhecer que estava diante de uma injustiça. Você tem dúvidas? Vamos supor que você e seu namorado/a, um casal “normal”, decidisse comemorar uma data especial indo ao cinema e, chegando lá, fosse informado que em todas as salas só havia assentos detrás de pilastras. Só à noite haveria assentos onde era possível ver a tela e acompanhar o filme. Você aceitaria de bom grado ter que voltar para casa e mudar todo o seu programa? É a mesma coisa, não tem diferença nenhuma. A diferença é que o casal de surdos, ao contrário de você, se indignou e foi à luta.

Felizmente, está começando a chegar ao Brasil, com muito atraso em relação a outros países, a cultura de não se calar, de fazer valer os direitos de cidadão que paga impostos, que consome e pode, sim, reclamar. E que não tem preguiça de acionar a Justiça para isso. Disseminou-se entre nós uma cultura de que o cidadão que se indigna é um criador de problema, um rabugento, um encrenqueiro. Um chato, enfim. Não é à toa que sempre aparece a turma do deixa-disso e do deixa-para-lá para demover o indignado de levar as coisas até o fim –ou à Justiça.

O que poucos percebem é que o indignado não é um egoísta que está preocupado em receber estes caraminguás de indenização. Pelo contrário, a indignação dele quase sempre beneficia muitos mais. O cinema de BH, por exemplo, e muitos outros País afora, vão pensar duas vezes ao colocar em cartaz em todas as suas salas apenas filmes dublados, inacessíveis aos deficientes auditivos e também rejeitados por quem prefere legendados. A ação individual teve um resultado coletivo. Isso é o bacana da indignação. Da próxima vez que presenciar uma cena destas, deixa o indignado se indignar. Faz bem para todo mundo.


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(15) comentários Escrever comentário

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Ednaldo em 11/01/2013 - 21h05 comentou:

"O cinema de BH, por exemplo, e muitos outros País afora, vão pensar duas vezes ao colocar em cartaz em todas as suas salas apenas filmes dublados."

Espero muito por esse dia, Cynara. Mas aqui em BH (e creio que também em outras praças) os apelos contra o excesso de cópias dubladas ainda não surtiram efeito. Como vc mesma lembrou no texto, alguém inventou que a “nova classe média” prefere filmes dublados e as salas de cinema adoraram a ideia.

O Cineart tem 9 complexos de salas em diferentes shoppings da região metropolitana de BH. A sala em questão (Shopping Cidade) fica no centrão de BH, onde deus e o mundo passam. Vive lotado. Acho que a indenização que tiveram que pagar nem formigou no bolso.

Há duas semanas desisti de ir nessa mesma sala que o casal de surdos tentou assistir seu filme, pois novamente só havia cópias dubladas.

E sem contar os preços extorsivos, como vc também comentou.

A propósito: a última bizarrice daqui da capital das Gerais é uma Sala VIP de cinema, que curiosamente também é do grupo Cineart. O preço do ingresso (só do ingresso, sem aqueles combos fajutos de pipoca) varia entre 38 e 46 reais, dependendo do dia.

Tá ficando difícil ir ao cinema

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Liberal em 11/01/2013 - 23h22 comentou:

Haver, no sentido de existir, nao flexiona, Cynara. "so haver sessoes". Alem de equivocos economicos e politicos,a Carta Capital tem jornalistas que nao sabem portugues? Vamos mal…

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    morenasol em 12/01/2013 - 00h04 comentou:

    grata pela correção. socialistas não são esnobes para não admitir erros ao contrário de direitistas disfarçados de liberais.

    Liberal em 12/01/2013 - 01h14 comentou:

    Sempre que precisar (deve ser algo frequente). Direitistas disfarcados de liberais? O apedeutismo (consulte a mais direitosa das referencias: o dicionario) se mistura a respostas que sugerem oligofrenia (idem), nao? Os mais velhos (e.g., Mino) conseguem, ao menos, escrever e nao enfiar a casquinha de sorvete na testa. Os mais novos t^em a estatura intelectual de bambans (bbb, uma referencia de direita).

    morenasol em 12/01/2013 - 02h22 comentou:

    apedeuta? entendi qual é sua (única) referência intelectual. mas não se preocupe, enquanto você não baixar (mais) o nível seus comentários serão publicados. não posso ofender meus leitores de alto nível, ao contrário dos que frequentam certos blogs onde você é habituê.

    Liberal em 12/01/2013 - 03h09 comentou:

    Obrigado. Acho bastante honesto que publique quaisquer comentarios.

    Havia me esquecido que o pateta/carola do azevedo fa uso da expressao. Oligofrenico, no entanto, e' escasso por aquelas bandas (podres, a proposito).

    Nao fiz nada de baixo nivel, nao. So apontei que sua resposta — direitistas disfarcados de liberais — nao difere da que teria sido dada por um bambam.

    Com respeito ao mau uso do portugues (a proposito, ha' uma virgula antes do ao contrario de sua primeira resposta), reflete o teorema de andrade: muita sauva e pouca saude, os males do brasil sao. And you are really clueless about that (nossa tragedia, em bom portugues).

    No mais, nas ramblas do planeta, horchata de chufa, sis plau (por favor).

    Liberal (em disfarce. Direitista, de facto)

patrick em 12/01/2013 - 01h20 comentou:

É interessante como a vida nos dá impressões diferentes. Acabo de chegar em casa (Natal/RN) vindo de uma sessão de cinema, As aventuras de Pi, em um cinema que só havia sessões dubladas e a minha constatação é que, não obstante o preço salgado, parcela relevante da plateia era classe C emergente. Talvez encarem o cinema 3D como a classe média tradicional vê um feriadão prolongado numa pousada ou hotel numa cidade bacana: um gasto extraordinário que não se faz sempre.

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    morenasol em 12/01/2013 - 02h23 comentou:

    me diga uma coisa, patrick: como se identificam espectadores de classe C? só olhando?

    patrick em 12/01/2013 - 11h54 comentou:

    Conversando com eles na fila é bem mais interessante 🙂

Bruno Ribeiro em 12/01/2013 - 03h25 comentou:

Ações individuais podem sim gerar conquistas coletivas. O melhor exemplo que me ocorreu agora foi o da secretária Rosa Parks. Negra, ela se recusou a ceder seu assento no ônibus para um homem branco, no estado racista do Alabama, em 1955. Por conta de sua "desobediência civil", uma vez que as leis obrigavam negros a cederem seus lugares para brancos, quando os ônibus estivessem lotados, Rosa foi presa e acabou gerando uma revolta generalizada que culminou no boicote dos negros ao transporte público em todas as cidades onde vigorava a lei racista. O prejuízo foi imediato no bolso dos empresários e, sendo o dinheiro a única linguagem que eles entendem, a lei acabou sendo revogada pouco depois. Fica a dica.

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Cícero em 12/01/2013 - 03h48 comentou:

Realmente, de uns tempos para cá, o povo aprendeu a reivindicar seus direitos, seja por meio de manifestações de massas, seja por atos isolados de indignação (como o estampado no texto), seja, enfim, pela via judicial…. A verdade é que o brasileiro está aprendendo a reclamar, a se insurgir contra aquilo que lhe seja prejudicial, a brigar pelos seus direitos.

A luta do casal de surdos expressa no texto é (ou deveria ser), de certa forma, a luta de todos nós, a luta cotidiana pelos nossos direitos, pelos direitos dos nossos filhos, dos nossos pais, enquanto cidadãos de bem, inseridos em uma sociedade livre, sob a égide de uma Constituição que assegura a igualdade de todos perante a lei.

Parabéns, Cynara, por trazer à baila temas como esse.

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@daanlima_ em 15/01/2013 - 15h06 comentou:

Na cidade que a minha mãe mora, Caldas Novas/GO, há dois anos o cinema local parou de passar filmes legendados, dizendo que não havia público. Em qualquer sessão, só tem filme dublado,

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sato do brasil em 15/01/2013 - 19h07 comentou:

cynara, procura o trabalho de intervenção urbana do corpo sinalizante, coletivo de surdos que fizeram varias ações diretas e intervenções em empresas exibidoras e produtoras. muito bom!

Responder

Paulo Rocha em 20/01/2013 - 19h27 comentou:

Cara, fiquei muito feliz com isso, eu sou deficiente auditivo, hoje moro em BH, mas quando morava em Ipatinga, chegou uma época em que pararam de passar filme legendado, e tive que parar de ir ao cinema, que era uma coisa que eu e minha família fazíamos frequentemente, com filme dublado entendo nada, a voz fica ruim, complicada de entender, por isso que assisto, como qualquer outro deficiente auditivo, filme legendado. Justiça é bom!

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Luiz Mello em 20/02/2013 - 19h40 comentou:

Nosso nível conscientização e respeito aos direitos do consumidor passarão para outro nível quando, por exemplo, qualquer um (independente de ser ou não portador de algum tipo de deficiência) puder ter reconhecido o seu direito à escolha por versões legendadas ou dubladas, no cinema ou na TV.

Enquanto não tivermos direito de escolha sobre produtos pelos quais pagamos (caro), que opção resta? A pirataria?

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