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Waldir Pires: “Eles não conseguem dizer que Lula é ladrão”

Entrevista exclusiva com o ex-governador da Bahia em seus 90 anos

Waldir Pires em sua casa em Salvador. Foto: João Fontoura
Cynara Menezes
16 de março de 2017, 17h13

Com vídeos de João Fontoura

Waldir Pires chega para a conversa quando já estamos aboletados no sofá da sala do confortável apartamento em que vive em Salvador. Sobre a mesinha de madeira em frente, há uma escultura de Iemanjá do artista plástico Tatti Moreno. A meu lado, em outra mesinha, de vidro, há dois porta-retratos: em um deles Waldir aparece com sua companheira, Zonita, civilizadamente acompanhados da fotografia da primeira mulher dele, Yolanda, falecida em 2005.

yemanjatatti

A Yemanjá de Tatti Moreno…

yolanda

…e as mulheres de Waldir: a atual, Zonita, e Yolanda, falecida em 2005)

O ex-governador, ex-ministro, ex-deputado federal e ex-vereador está, como de costume, simples e elegante, vestido com uma camisa de quadrinhos miúdos e manga curta para dentro da calça, caneta no bolso como quem saísse para trabalhar e os cabelos platinados caprichosamente penteados para trás. Aos 90 anos, a forma física de Waldir Pires é invejável. Sua memória lhe prega algumas peças de vez em quando, mas a sabedoria, a coerência e a honestidade que marcaram a atuação política do baiano de Acajutiba permanecem intactas.

Com o característico sorriso largo, ele conta que a idade não tem lhe impedido de saborear deliciosas feijoadas e moquecas, e mesmo de tomar um bom vinho, uma dose de uísque ou sua caipirosca favorita, de lima-da-pérsia. “Feijoada é uma beleza”, gargalha Waldir.

A primeira pergunta que faço a ele é sobre socialismo. Waldir Pires foi, ao lado de Darcy Ribeiro, uma das últimas pessoas a deixar o palácio do Planalto em 1964, após o golpe que arrancou João Goulart do cargo. Formado em Direito pela UFBA, Waldir era Consultor-Geral da República de Jango. Cassado imediatamente pela ditadura, partiu para o exílio e só voltaria ao Brasil em meados dos anos 1970, antes da anistia. Quando recuperou os direitos políticos, foi eleito governador da Bahia, em 1986.

 Sou um defensor dos princípios essenciais do socialismo, que são a base do processo democrático. Não há democracia sem eles, são elementares. No fundo, o socialismo é isso: participar do esforço para a formação de uma sociedade mais justa. E o povo brasileiro continua batalhando a inserção de todos os cidadãos, isso é incessante, não acabou. Tivemos conquistas razoáveis, mas ainda é difícil viver um momento sem preocupação, que assegure dizer ao cidadão: ‘você tem direitos fundamentais que serão respeitados’. Interrupções como a que houve agora são interrupções compatíveis com a insistência do poder econômico, mas não têm força para excluir o processo democrático. 

Waldir foi ministro da CGU (Controladoria-Geral da União), cargo que assumiu junto com o presidente Lula em seu primeiro mandato, em 2003. E faz questão de destacar como a fiscalização dos gastos públicos, nos governos anteriores a Lula, não era nada além de jogo de cena.

– A rigor, não existia mecanismo para produzir a fiscalização e o controle da aplicação do dinheiro público. Foi a partir do meu período que começou a existir, antes de Lula não tinha. E eu recebi total apoio dele. 

Até por ter testemunhado o interesse do ex-presidente em combater a corrupção dentro do governo, Waldir Pires tem total convicção da inocência de Lula.

– Lula é o objeto da tentativa, que não se consegue, de chegar pela força à interrupção do poder democrático. Lula está se dizendo candidato e as reações da direita brasileira são absolutamente combatentes disso, mas não com força impedidora. Não tem nada aí capaz de impedi-lo de se candidatar. Lula é o favorito, favorito pelo povo, e não tem nada significativo capaz de responsabilizá-lo. Eles não conseguem dizer que Lula é ladrão, que se beneficiou disso ou daquilo, porque não têm provas, senão já o teriam prendido. Há juízes honrados e outros hesitantes, oscilantes. Muitas vezes foram coniventes, há posições omissas do poder judiciário. Se prenderem Lula, é uma ruptura mesmo do processo político, aí é golpe de Estado.

Eu pergunto a Waldir algo que sempre me intrigou: como é que Fernando Henrique Cardoso nunca foi capaz de sair em defesa de Lula, com quem conviveu durante tanto tempo, mesmo sabendo que se trata de perseguição política?

– Fernando Henrique sempre foi um vacilante democrata. Ele não é uma personalidade da luta democrática, nunca foi. Pela vida dele, pelos atos, pelas hesitações. Tem muitos momentos em que recuou, no seu próprio governo. Não é um exemplo da disponibilidade de afirmação democrática. Nunca fomos totais companheiros de luta.

No final do ano passado, Waldir Pires concluiu o mandato como vereador em Salvador e com isso sua passagem pelos cargos da política, mas continua “disponível para todas as batalhas”. Apesar da natureza alegre e otimista, não consegue disfarçar certa mágoa do ex-governador Jaques Wagner por não ter lhe dado a chance de encerrar a carreira como senador eleito pela Bahia, em 2010. Mesmo com o apoio que teve de Waldir na campanha, Wagner optou por lançar ao Senado Walter Pinheiro, que acabaria deixando o PT em 2016, dois meses antes do impeachment de Dilma.

– Fiz a campanha, percorri a Bahia toda com Wagner. Eu era um eleitor que tinha a força de ter sido integrado no processo eleitoral. Lamento isso, nem toco no assunto. Não sei o que aconteceu, fiz a eleição dele, participei o tempo inteiro… Inacreditável.

A decepção de Waldir decorre do fato de ter feito dobradinha com Wagner desde aquela primeira eleição da volta da democracia, mais de 30 anos atrás. Os dois “W” saíram um para governador, pelo PMDB, e o outro para deputado federal, pelo PT. Ambos saíram eleitos num ano particularmente bom, em que a esquerda baiana derrotaria fragorosamente o candidato de Antonio Carlos Magalhães, o célebre coronel da direita brasileira morto dez anos atrás.

Waldir e o arqui-rival ACM foram contemporâneos e chegaram a ser amigos na juventude. Ele não explica o porquê do rompimento, mas conta que se dava muito bem com o filho do Malvadeza, Luis Eduardo Magalhães.

– O menino dele era um rapaz muito bom e tinha uma atenção comigo muito grande, apesar das relações difíceis que eu tinha com o pai dele.

Para o neto de ACM, prefeito de Salvador, Waldir também reserva elogios, ma non troppo:

– Como prefeito está cumprindo bem, dá para ver. Está trabalhando bem, mas não é nada excepcional.

Mesmo antes de passar pela CGU, o nome de Waldir Pires era e continua sendo sinônimo de correção e honradez na política. Embora ele não ache que passará à história apenas pela honestidade, que vê como uma obrigação.

– Ah, mais um pouco, não é? (Ele ri.) Acho que dei minha contribuição, no sentido modesto e real das coisas. Tudo na vida é modesto, a não ser quando se é malandro. Eu não tergiversei, nunca tolerei que pudesse me tornar um produtor de facilidades da vida política. Ganhar dinheiro com isso… Nunca construí nada no sentido de meus filhos entrarem para a política. E nunca permiti que houvesse dúvidas a respeito da minha conduta. É essencial na vida do político que ele se faça credor e participante da luta pela dignidade da carreira política. É essencial na vida política que você seja decente, que não manipule interesses econômicos e capitule para se tornar um beneficiário de setores financeiros. Ao fazer isso, deixe a política antes. E, para não degradar sua biografia, não volte. Quem faz isso evidentemente é um malandro.

 

 


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