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Ao abraçar o caixa 2, o PT aniquilou o sonho de ganhar eleição apenas com ideias

Cada vez que lemos que o PT precisou recorrer a caixa 2 para se eleger, um panda morre no mundo ideal do esquerdista

Feito de povo". Cartaz de Lula em 1989
Cynara Menezes
15 de abril de 2017, 13h25

“O meu partido é um coração partido” (Cazuza)

Não acredito em metade dessas delações premiadas. Em primeiro lugar, porque o delator é um criminoso e não se deve confiar em criminosos. E as delações me parecem amarradinhas demais para serem verdadeiras. Tudo se encaixa, perceberam? A delação de Emílio Odebrecht sobre Lula, por exemplo, “confirma” a reforma no sítio de Atibaia, o suposto tráfico de influência junto ao BNDES, o “pedido” de Hugo Chávez para fazer o porto de Cuba… Como se fizesse parte de um roteiro previamente traçado.

Já em relação a Michel Temer, Marcelo Odebrecht limpa a barra do presidente ao dizer que o então candidato a vice “levantou-se da mesa” onde jantavam justo no momento em que iam discutir uma doação de 10 milhões de reais ao PMDB. Ou seja, não viu nada. Que conveniente para quem está se submetendo neste momento a um julgamento no TSE junto com Dilma, não?

Mas, verdadeiras ou falsas, as delações confirmam aquilo que todo mundo sabia: que o julgamento do mensalão não foi suficiente para acabar com o caixa 2 nas eleições brasileiras, que a “forma de financiamento” continuou acontecendo adoidado, em todos os partidos (tem até um candidato que era do PSOL no rolo). O caixa 2 é uma prática institucionalizada nas campanhas políticas, como disse Emílio Odebrecht em um dos trechos mais aparentemente espontâneos de seu depoimento. E o PT se refestelou nela, não há sombra de dúvidas.

Para os eleitores de esquerda, mais uma vez se dar conta disso não é bem uma surpresa, mas o aniquilamento de um sonho. Cada vez que lemos que o PT precisou recorrer a caixa 2 para se eleger, um panda morre no mundo ideal do esquerdista. Quer dizer que não era possível ganhar sem tanto dinheiro, apenas movidos pela força das ideias? Quer dizer que o trabalhador chegou ao poder somente porque se aliou aos donos da grana, à elite que tanto criticamos? Ou era isso ou nunca o PT tiraria milhões da miséria? Tenho cá minhas dúvidas.

Não estou dizendo aqui que teríamos de virar as costas para quem dá emprego aos trabalhadores. A classe produtiva faz parte da sociedade e é preciso sempre saber lidar com ela. Mas é dura de engolir, para um cidadão de esquerda, a aproximação excessiva de Lula com a Odebrecht e seu dono. O mesmo Lula que denuncia, com tanta propriedade, o egoísmo e a ganância de nossas elites. Por acaso a Odebrecht não faz parte da elite?

Hoje sabemos, segundo seu próprio dono, que a empreiteira baiana atuava de forma corruptora no país (e em outros) há pelo menos 30 anos. Aliar-se a uma empresa com este perfil só reforça a acusação de que, para o PT, os fins justificam os meios. Não, Emílio Odebrecht não é o “bom burguês”, um cara rico preocupado com a desigualdade social, com as injustiças, um patriota que se aliou a Lula. É só um empreiteiro interessado em negócios, em ganhar muito dinheiro, e Lula deixou-se iludir.

Não acredito e nunca vou acreditar que Lula tenha se utilizado de nada ilícito para enriquecer. Não fez nada diferente, por exemplo, do que Fernando Henrique Cardoso fez – e esta constatação não alivia em nada, é incômoda para nós. Mas o PT deve reconhecer que iludiu o povo ao dizer que fazia um governo “do trabalhador”. Não era. Era um consórcio entre um líder carismático de centro-esquerda com a elite construtora do país. A aliança feita com o PMDB incluía não só apoio político no Congresso mas herdar toda a simpatia pelas empreiteiras que os peemedebistas e os demais partidos sempre nutriram. Lula, de quem as empreiteiras fugiam como o diabo da cruz em 1989, virou o amigo delas.

No poder, o PT perdeu a oportunidade de estabelecer uma relação de fato republicana com as empresas que realizam as grandes obras no Brasil, em vez de se unir aos que se utilizavam delas para se manter no comando. Traiu, sim, as expectativas de seu eleitorado mais consciente. Mostrou que só é possível governar se for se unindo aos maiores crápulas da política e do empresariado. Uma facada nas costas dos que acreditavam e acreditam na força das palavras, dos ideais, para construir um país melhor para todos. “Não, precisa de milhões para pagar o marqueteiro.” Ora, esta postura destrói os sonhos dos jovens de que outro mundo é possível.

Espero que desta tragédia nacional saia a lição de que, se a esquerda quer de fato chegar ao poder, tem um serviço ainda mais hercúleo pela frente, trabalho de formiguinha para construir uma alternativa à direita que se fortalece. O PT preferiu o atalho e foi devorado pelo lobo mau. Pior: juntou-se a ele.

 

 

 

 


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(1) comentário Escrever comentário

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Di Hernandes em 09/02/2018 - 08h01 comentou:

Lula é idôneo, o PT fez o que todos fazem, etc etc etc e chega no final, joga a pá de cal. Escreveu a prolegômena parlanda pra aparecer, mais uma vez? Vc não precisa disso, moça. É famosa, respeitada, prestigiada. Só falta ter um pouco de humildade, reconhecer quando fala besteira e escrever menos do mesmo. Chegará quase à perfeição.

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