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Argentina: farsa de Macri não vinga e Cristina vence prévias para o Senado

O presidente festejou vitória antes da contagem final de votos, em um episódio que lembra o caso Proconsult em 1982 no Rio, quando quase roubaram a eleição de Leonel Brizola

Cristina exibe foto do desaparecido Santiago Maldonado. Foto: reprodução twitter CFK
Rogério Tomaz Jr.
31 de agosto de 2017, 10h17

Não foi suficiente para Maurício Macri comandar a capital federal, a província de Buenos Aires e o país. Enfrentando o gigantesco aparato estatal sob controle do Cambiemos, a aliança de apoio ao presidente, e todo o arsenal midiático pró-Macri, com Clarín e La Nación à frente, a ex-presidenta Cristina Fernández de Kirchner sagrou-se vencedora nas primárias para o Senado na província que reúne sozinha 40% do eleitorado e da população argentina. Pior: o bloco governista protagonizou um papelão que escancara o pouquíssimo apreço às instituições por parte da elite econômica latino-americana.

O resultado oficial foi divulgado apenas na noite de terça, 29 de agosto, 15 dias após os quase 24 milhões de eleitores depositarem seus votos nas urnas

As PASO (eleições Primarias, Abertas, Simultâneas e Obrigatórias) servem –além de termômetro político– para definir os candidatos habilitados ao pleito definitivo, que ocorrerá em outubro e renovará uma parte do Congresso. Apenas as chapas que tenham alcançado pelo menos 1,5% dos votos nas PASO poderão concorrer.

O resultado oficial foi divulgado apenas na noite de terça, 29 de agosto, 15 dias após os quase 24 milhões de eleitores (72,3% de comparecimento) depositarem seus votos nas urnas. CFK somou 34,27% contra 34,06% de Esteban Bullrich, o candidato macrista que acumulou gafes históricas durante a campanha, como a frase em que comemorou a prisão de mais um menino (“pibe”), proferida justamente por um ex-ministro da Educação. Ele acabou pedindo desculpas: afirmou que queria dizer “delinquente”.

Os números finais expuseram sem maquiagem a ópera-bufa da noite de 14 de agosto. Por volta das 22h, a apuração na província de Buenos Aires foi suspensa sem nenhuma justificativa. Coincidentemente, não haviam sido computados os votos justamente das regiões onde o kirchnerismo predomina.

Quando começou a festa da vitória da aliança Cambiemos, Bullrich liderava com mais de cinco pontos de vantagem sobre Cristina. Todos os canais de televisão interromperam a programação para exibir os sorrisos rosados de Macri e seus cardeais, que se autoproclamaram os grandes vencedores da disputa.

Os números, entretanto, apontaram um quadro distinto. Em nível nacional, Macri obteve apoio de apenas um terço do eleitorado. Decepcionante para quem possui uma porção tão expressiva do Estado sob controle. “Cristina, com um celular, chegou a 35% e ganhou a eleição na província de Buenos Aires com um cenário supercomplexo”, resumiu Leandro Santoro, histórico militante da União Cívica Radical, partido do ex-presidente Raul Alfonsín, e candidato a vereador da capital.

Ao citar “um celular”, Santoro criticava indiretamente o oligopólio midiático conservador argentino, que é tão explicitamente alinhado ao governo que causaria constrangimento à Rede Globo em seu combate sistemático contra Lula e o PT.

A farsa governista, bem ao estilo do caso Procunsult do Rio de Janeiro, em 1982, quando Leonel Brizola quase teve sua eleição roubada, ganhou manchetes internacionais. “A insólita eleição na Argentina em que Maurício Macri celebrou a vitória, mas depois ganhou Cristina Kirchner”, ironizou a BBC.

Foi pouco. Se o episódio ocorresse sob qualquer governo “bolivariano”, até São Pedro deixaria o seu posto para protestar com sangue nos olhos contra o “aparelhamento esquerdista”.

A fraude foi legitimada pela mídia comercial de forma grosseira. Para não registrar na manchete principal a vitória de CFK, que ousou desafiar o império, o jornal Clarín estampou na primeira página o caso Santiago Maldonado, sobre o qual já tratamos aqui. Foi a primeira vez, em 29 dias, que o principal jornal de apoio à ditadura argentina dedicou a manchete principal ao desaparecimento do jovem artesão que se juntou à resistência Mapuche na Patagônia.

Lá como aqui, a mídia comercial manipula

Ainda assim, o diário reforçou a estratégia do gabinete de Macri de tirar a responsabilidade da polícia pelo sumiço de Santiago: “Caso Maldonado: a procuradora informou que são fracas as provas contra a Gendarmería”, diz o título. Sórdido.

Nesta sexta-feira, 1º de setembro, ocorrerá em Buenos Aires uma marcha de protesto para marcar os 30 dias do desaparecimento forçado de Santiago. A expectativa é de grande público. Estarei presente para cobrir o ato e eventualmente entrarei ao vivo pela página Botando Pilha.

Rogério Tomaz Jr. é jornalista e mora em Montevidéu

 

 


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(6) comentários Escrever comentário

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Felipe em 31/08/2017 - 17h33 comentou:

Os governos neoliberais são baseados em falsas promessas e informações mentirosas oriundas dos próprios liberais e disseminadas pela grande mídia que sempre esteve contra a população e ao lado das elites.

Aqui no Brasil, é evidente a farsa do governo Temer. Mesmo com a Globo, misteriosamente, exigir a renúncia do presidente, a impressa é mansa com Temer e sua esposa madame feita por encomenda.

O temor das elites políticas da Cleptocracia Tupiniquim é tamanho, que acharão algum jeito de Lula não ser candidato porque sabem que a vitória dele é eminente.

Responder

    Rogério Tomaz Jr. em 20/09/2017 - 00h02 comentou:

    Concordo integralmente, Felipe.

CLAUDIO LUIZ PESSUTI em 01/09/2017 - 16h02 comentou:

Aqui, o mesmo problema de lá, meios de comunicação á serviço da manipulação e da mentira.

Responder

    Rogério Tomaz Jr. em 20/09/2017 - 00h02 comentou:

    E, por incrível que pareça, na Argentina eles conseguem ser ainda mais sórdidos do que no Brasil.

LINDEMBERG ALVES DA SILVA em 04/09/2017 - 08h48 comentou:

As elites não descansam, contra a população mais carente

Responder

    Rogério Tomaz Jr. em 20/09/2017 - 00h04 comentou:

    Eles sabem que se relaxarem um minuto, serão atropelados pelo povo em movimento. Obrigado pelo comentário Lindemberg.

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