Socialista Morena
Cultura

Bob Esponja e o lado abrasivo do mundo

A história da sargenta que se salvou da guerra no Iraque, mas morreu de violência doméstica, e a lápide com seu desenho favorito

Foto: Kara Walker
Cynara Menezes
23 de outubro de 2013, 20h55

Por força das circunstâncias (dois filhos com enorme diferença de idade), estou assistindo Bob Esponja pela segunda vez na minha vida, o que é ótimo porque acho hilário, além de muito inteligente. Sobretudo pelos sutis trocadilhos visuais, misturando desenho e película.

Lembro que em uma das primeiras vezes que assisti, na época do mais velho, tive uma grata surpresa. Estava ali eu, distraída no sofá vendo desenho com o guri, quando de repente, no finalzinho, quem aparece? Jim Jarmusch e John Lurie, pescando! Daunbailó é o filme de culto da minha geração, todo mundo adora. Ver o diretor e um dos atores fazendo uma ponta em Bob Esponja foi o máximo.

Óbvio que desde então me tornei fã de Bob e de seu amigo Patrick, a estrela marinha. E outro dia, com o caçula, estava de novo no sofá vendo desenho quando passou um episódio sensacional: “O lado abrasivo de Bob Esponja”. Para quem nunca viu, Bob Esponja é uma esponja do mar, mas em forma de bucha de pia. É um serzinho tão bacana e doce que correram até rumores de que seja gay.

Pois bem: neste episódio, Bob Esponja está de saco cheio de não saber dizer “não” e resolve comprar, pela TV, um lado abrasivo portátil, que cola nas costas. Ou seja, se transforma numa bucha de pia daquelas com a parte grossa, pra esfregar gordura, sabe? E então, a cada vez que quer dizer “não” para alguém, simplesmente se vira e mostra o lado abrasivo, que é super-bravo, claro. Jekyll e Hyde, o médico e o monstro, em forma de esponja do mar/ bucha de pia. Incrível. Infelizmente não tem no youtube, só achei a canção, em inglês:

Mas por que eu estou falando de Bob Esponja? Porque no começo deste ano, a sargenta Kimberly Walker, de 28 anos, foi encontrada morta num motel do Colorado, em um quarto com pétalas de rosa espalhadas pelo chão. Havia sido estrangulada e espancada até a morte. O suspeito: seu namorado, o também soldado Montrell Mayo. Era dia dos Namorados nos EUA, 14 de fevereiro. Kim sobreviveu ao Iraque duas vezes. Morreu vítima de violência doméstica.

Esta semana, correu o mundo, como uma anedota, a notícia de que um cemitério de Cincinati removeu a lápide em forma de Bob Esponja do túmulo da moça. Sua irmã gêmea Kara, também militar, contou que ela tinha vários objetos com o personagem. A família, certamente para tentar dar um toque de ternura à morte estúpida de Kim, quis homenageá-la com seu desenho favorito. E qual é afinal o problema numa lápide com Bob Esponja?

Kim. Foto: arquivo pessoal

No final do desenho, Bob desiste de ter um lado abrasivo e continua a mesma esponja fofa de sempre. Será que Kim, sendo soldado numa guerra que não era dela –a maioria dos afro-americanos era contra a invasão ao Iraque–, tinha um lado abrasivo? É possível, todos nós temos, de uma forma ou de outra. Mas ela também tinha um lado que amava o Bob Esponja. O lado abrasivo, no caso, quem teve foi o mundo, primeiro com guerras, depois com pessoas que matam outras supostamente por “amor” e por último com gente que não quis algo alegre num cemitério.

Pobre Kim. Pobre Bob Esponja. Pobres de nós.

 


Apoie o site

Se você não tem uma conta no PayPal, não há necessidade de se inscrever para assinar, você pode usar apenas qualquer cartão de crédito ou débito

Ou você pode ser um patrocinador com uma única contribuição:

Para quem prefere fazer depósito em conta:

Cynara Moreira Menezes
Caixa Econômica Federal
Agência: 3310
Conta: 000591852026-7
PIX: [email protected]
(12) comentários Escrever comentário

Os comentários aqui postados são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião da Socialista Morena. Todos as mensagens são moderadas. Não serão aceitos comentários com ofensas, com links externos ao site, e em letras maiúsculas. Em casos de ofensas pessoais, preconceituosas, ou que incitem o ódio e a violência, denuncie.

Lara em 23/10/2013 - 21h11 comentou:

o bob sponja é maravilhoso, ele não é gay, mas na maioria dos episódios não existe distinção de gênero,
o escritor jack halberstam tem o livro the queer art of failure que fala sobre isso,

um beijo adorei o texto

Responder

Carol Costa em 23/10/2013 - 22h06 comentou:

A vida mediana segue a lógica do sofrimento. Não se pode ter doçura, pega mal.

Responder

Russo! em 23/10/2013 - 23h37 comentou:

Segoe o episódio em russo. 😛
http://truba.com/video/320914/

Responder

    Wagner em 24/10/2013 - 13h14 comentou:

    po… não tinha em japonês???

Luciana Mendonça em 23/10/2013 - 23h53 comentou:

Eu adoro o Bob Esponja e gosto muito do Lula Molusco. Em alguns episódios, ele dá verdadeiras aulas de marxismo, exploração trabalhista e talz. Tentei achar algum episódio desse tipo, mas é difícil. Tem um que ele reivindica melhores salários que é hilário. Que estupidez mandarem retirar a lápide e quanta falta de sensibilidade com a família. Triste!

Responder

Diego em 24/10/2013 - 00h50 comentou:

Que triste…

Responder

Wagner em 24/10/2013 - 13h03 comentou:

aiai… socialista morena… *-*

Responder

Alan Faquinetti em 24/10/2013 - 14h09 comentou:

Li e gostei

Responder

Paulo Henrique em 24/10/2013 - 16h48 comentou:

Não li todos os textos deste blog, mas, se fosse para votar, escolheria este como o melhor do blog este ano. Curto, triste, comovente e reflexivo. Trata de cultura pop e barbárie desoladora num mesmo movimento.

Responder

Babyton Santos em 24/10/2013 - 18h09 comentou:

Adoro Bob Esponja,e os seus textos!!! Parabéns!!

Responder

Ze Carioca em 26/10/2013 - 03h56 comentou:

Você apoia o Lula e a Dilma ou eu estou entrando no bonde agora e estou por fora ?

Responder

Carioca Fla em 26/10/2013 - 04h00 comentou:

Voce vota no PT do Lula e da Dilma ou eu entendi erado ? Socialista Morena ? Isso não combina…

Responder

Deixe uma resposta

 


Mais publicações

Cultura

Cinco coisas bizarras sobre ter 40 anos


Quando você descobre o lado divertido destas coisas todas já está chegando perto dos 50

Politik

10 coisas grátis ou quase de graça que fazem a vida da gente mais…


1. Sentir o ventinho na cara andando de bicicleta 2. Cheiro de café coado pela manhã 3. O pôr-do-sol 4. Ler um livro 5. Ouvir música 6. Encontrar amigos 7. Comer fruta do pé 8.…