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Carta de uma esquerdista a Fernando Haddad, o candidato de Lula

A esquerda em 2018 tem uma função pedagógica; não podemos mais fugir de nossa agenda para ganhar eleição

Foto: Ricardo Stuckert/Instituto Lula
Cynara Menezes
11 de setembro de 2018, 16h59

Caro Haddad:

Nunca fomos apresentados. Só o vi pessoalmente uma vez, de relance, na redação da Carta Capital, onde você tinha ido fazer uma visita. Minha visão sobre você é tão distanciada quanto a de qualquer eleitor de esquerda. Sou apenas isso, neste momento: uma entre os milhões de eleitores de esquerda do país.

Sei que você, ao mesmo tempo que deve estar feliz de se tornar candidato à presidência, certamente tem o coração partido, como o meu, por saber que o favorito do povo, Luiz Inácio Lula da Silva, foi impedido de concorrer por uma Justiça partidária e irresponsável. Pior: que está preso injustamente em Curitiba neste momento em que todos, cá fora, nos animamos com sua candidatura e de Manuela Dávila.

Sua missão é enorme, é a missão de substituir um dos grandes da política mundial deste século, um líder popular da mesma grandeza de um Allende ou um Mandela. E o primeiro que te peço é justamente que honre Lula em todos os passos que der na campanha e, se por acaso as urnas te trouxerem a vitória, também no governo. Não é preciso que Lula seja sua sombra, ele pode ser apenas seu norte. É um bom norte.

Antes de pensar em ganhar ou perder, é preciso pensar em disputar a narrativa. Assim como tem sido possível disseminar nossa mensagem nas redes, a mensagem do reacionarismo mais tacanho também foi disseminada. E nós precisamos combatê-la sem tréguas

Mas, antes de pensar em ganhar ou perder, Haddad, é preciso pensar em disputar a narrativa. As redes sociais trouxeram para o centro do debate político vozes que antes não tinham ressonância a não ser nos meios de comunicação tradicionais. Assim como tem sido possível, através das redes, disseminar nossa mensagem, a mensagem do conservadorismo, do reacionismo mais tacanho, também foi disseminada. E nós precisamos combatê-la sem tréguas.

É inegável que as injustiças cometidas pela Lava-Jato e o golpe de 2016 trouxeram, por outro lado, uma purga necessária ao PT. Vocês, e consequentemente nós, eleitores do partido, nos livramos de Paloccis, Vacarezzas, Sarneys, Lobões, Michéis… Para lástima da esquerda, nas últimas quatro eleições o PT se juntou até mesmo a fundamentalistas religiosos a fim de ganhar eleição. Este tempo ficou para trás. Como diz a sabedoria popular, há males que vêm para o bem.

Não consigo enxergar este pleito como um fim em si mesmo, como foram os anteriores. Ganhando ou perdendo, 2018 é o começo de uma longa batalha para consolidar o discurso de esquerda no Brasil, num momento em que, não só aqui, o fascismo anda em alta. Como professor, você deve estar ciente de que tem uma função pedagógica nesta eleição: participar do processo que estamos iniciando agora, tardiamente, de conscientização política do nosso povo. Será uma tarefa árdua ilustrar um país de dimensões continentais como o nosso.

2018 é o começo de uma longa batalha para consolidar o discurso de esquerda no Brasil, num momento em que, não só aqui, o fascismo anda em alta. Como professor, você deve estar ciente de que tem uma função pedagógica nesta eleição

Não é possível mais, Haddad, fugir dos temas espinhosos. Não foi assim que teus pares em outros países se colocaram diante do eleitor. Justin Trudeau, no Canadá, legalizou a maconha e defende o aborto; Pedro Sánchez, na Espanha, onde o aborto já é permitido, defendeu que, no mínimo, se abra o debate sobre a legalização das drogas; em Portugal, onde governa o socialista Antonio Costa, as drogas já foram legalizadas há 17 anos e o aborto, há 11. Com Pepe Mujica, os uruguaios legalizaram o aborto em 2012 e a maconha em 2014.

Estas conquistas civilizatórias não nascem do nada, é preciso preparar o terreno, educar as pessoas, informá-las corretamente. Como se diz em teatro, “formar público”. Não há dúvida que questões como a legalização das drogas e do aborto, além dos direitos LGBTs, formam parte inegociável da agenda da esquerda no século 21. Todos os candidatos do campo da esquerda em 2018 têm a obrigação de não tergiversar em relação a estes temas.

Veja bem, não estou defendendo a adoção imediata de bandeiras, ainda mais num momento delicado para a democracia como o que vivemos; isso acontecerá naturalmente mais para a frente. Este é o momento de pelo menos deixar claro para a população que a guerra às drogas só resultou em morte e encarceramento da juventude negra, e que o aborto é uma questão de saúde pública, cuja proibição causa a morte de milhares de mulheres, em sua maioria pobres e negras. Não esqueça que este último tema interessa e muito a nós, mulheres, ameaçadas pela direita fundamentalista aliada do candidato Jair Bolsonaro, que quer proibir até mesmo interromper a gravidez em caso de estupro.

Não há dúvida que a legalização das drogas e do aborto, além dos direitos LGBTs, formam parte inegociável da agenda da esquerda no século 21. Todos os candidatos do campo da esquerda em 2018 têm a obrigação de não tergiversar em relação a estes temas

Além da pauta dos costumes, também não se pode fugir a temas relacionados à modernização da nossa economia, que ainda se baseia em commodities do século passado, daí os patrões do agronegócio com suas cabeças de coronéis do século retrasado ameaçando a existência de índios e quilombolas. Não abandone os indígenas, os sem-terra, os quilombolas, Haddad. Eles são a nossa base social mais profunda. E se encaixam perfeitamente a uma nova visão que a esquerda brasileira precisa ter da agricultura orgânica e familiar, uma commodity que cresce em todo o planeta.

Não se pode mais evitar o debate sobre a taxação de grandes fortunas, ou pelo menos a taxação dos lucros e dividendos, além das heranças. Não se pode mais fugir da auditoria da dívida pública. Não deixe de lado sua defesa da reforma do sistema bancário nem da democratização dos meios de comunicação. Estas lutas são lutas de esquerda que irão melhorar a vida do povo, e o povo precisa saber delas, precisa entendê-las para poder se posicionar a favor ou não.

Este ano teremos o confronto entre duas visões de mundo: uma visão inclusiva, tolerante, moderna, democrática, que é a nossa, da esquerda; contra uma visão excludente, elitista, intolerante, arcaica, autoritária, que é a da extrema-direita. Civilização contra barbárie

O embate eleitoral de 2018 não é apenas uma disputa por quem ganha ou perde. É o confronto entre duas visões de mundo: uma visão inclusiva, tolerante, moderna, democrática, que é a nossa, da esquerda; contra uma visão excludente, elitista, intolerante, arcaica, autoritária, que é a deles, da extrema-direita representada pelos milicos do Senhor que gravitam em torno de Bolsonaro. Civilização contra barbárie. Nosso dever é fazer com que o brasileiro entenda o que exatamente significaria um mergulho no obscurantismo. Sacá-los da ignorância, útil aos inimigos do país.

Pense grande e pense longe, Haddad. Tenha em mente o que disse nosso querido Lula em janeiro de 2016: “Hoje eu sou mais à esquerda do que era”. E você agora é Lula e Lula é você.

 

 


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EUGÊNIO em 11/09/2018 - 19h49 comentou:

Palmas descrentes, de pé e emocionado…

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Maísa Lima em 12/09/2018 - 10h12 comentou:

Suas palavras representam sim, os milhões de eleitores de esquerda deste País. Esperemos que Haddad e o PT dessa vez passem ao largo das alianças com fundamentalistas e afins, os tais Milicos do Senhor que você cita.

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José Tarcísio Furtado Arruda em 12/09/2018 - 10h33 comentou:

DE FARDADOS E TOGADOS
A força armada não quer
Lula ou Haddad; mas, e Ciro?
Nessa vaga do “Vampiro”
Quer um fascista qualquer.

O “Bolsonazi” e o Mourão
São os nomes dos fardados,
Como também dos togados
Na duvidosa eleição;

Com nojenta hipocrisia
Pregam a soberania,
Mas traem nosso país;

Se vencer o ex-milico
Seremos um Porto Rico,
Bem maior… muito infeliz!
Tarcísio Arruda
11/09/18

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MARIA LUISA em 14/09/2018 - 09h23 comentou:

Concordo com suas reivindicações, mas elas já está explícitadas no programa do governo Lula/Haddad/Pt . Essas são as metas pelas quais vamos lutar. Outras como a taxação de juros, educação e focar na melhoria dos menos favorecidos. Haddad sempre disse que aborto é um problema de saúde pública, sobre maconha depois falamos. A grande pauta que continua é #LulaLivre.

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