Socialista Morena
Feminismo

Coisas que aprendi em um ano deixando o cabelo grisalhar

E que quero compartilhar com outras mulheres que desejam fazer caminho semelhante

Fotos: arquivo pessoal
Cynara Menezes
11 de maio de 2022, 21h12

Eu nunca tinha pensado em deixar o cabelo grisalhar. Nunca. Na minha família, as mulheres pintam o cabelo a vida toda e infelizmente me contagiaram com o preconceito de que quem não tinge deixou a vaidade para trás e é “desleixada”. Mas há algum tempo eu comecei a achar cabelo branco bonito e a namorar a ideia de parar de pintar. Um ano atrás, em maio de 2021, comecei a transição. E estou adorando!

Acho mesmo que a cor cinza, prateada, dos cabelos grisalhos é uma cor subestimada na beleza feminina. Ao longo do processo fui acompanhando mulheres que grisalharam e estão belíssimas. É uma pena que tantas de nós passem a existência sem um dia ver sua cabeça sem tinta. Aliás, foi exatamente a curiosidade de experimentar a aparência com cabelos brancos minha maior motivação. E se eu morresse de Covid-19 e não visse como era ser grisalha?

Muitas mulheres falavam da “liberdade” que eu iria sentir ao abandonar a tinta. Mas tingir o cabelo nunca foi um problema para mim: eu mesma sempre pintei em casa. A “liberdade” que sinto é a liberdade de ser eu mesma, com os cabelos originais de quando nasci. Só que brancos

Muitas mulheres que me deram força no processo falavam da “liberdade” que iria sentir ao abandonar a obrigação de retocar as raízes a cada 15 dias, além da “economia”. Para falar com franqueza, tingir o cabelo nunca foi um problema para mim, tampouco um gasto exagerado: eu sempre pintei em casa. Mas sinto realmente uma “liberdade” agora: a liberdade de ser eu mesma, com os cabelos originais de quando nasci. Só que brancos.

Neste post, vou compartilhar com as mulheres que desejam fazer o mesmo percurso algumas coisas que aprendi sobre deixar o cabelo grisalhar. Não são “verdades”, apenas impressões bastante pessoais, mas que, espero, sirvam de inspiração e força para futuras grisalhas.

Ser feminista é usar seu cabelo como quiser

Não acho que parar de pintar o cabelo seja “feminismo”. Acho que feminismo é ter o poder de decidir se quer usar o cabelo pintado ou natural, sem se importar com as opiniões alheias, sobretudo as masculinas. Não existe a imposição de grisalhar para demonstrar que é feminista. Pintar ou não pintar o cabelo é uma decisão da mulher, isso sim. E outra: quem decide se é ou não a hora de deixar de pintar também é você. Cada mulher tem seu tempo. Agora, que assumir os cabelos brancos é uma quebra de paradigmas, é.

Deixar o cabelo branco não “envelhece”

Essa é a maior lorota que falam para você quando decide parar de tingir o cabelo branco. “Ah, mas você vai aparentar mais idade”, dizem, antes, durante e depois do processo. Não é verdade. “Parecer velho” é mais uma coisa de dentro do que de fora. Você pode ter cabelo branco e aparentar mais jovem; e ter cabelo tingido e aparentar mais velha. Depende do jeito que a pessoa se veste, do corte do cabelo, se é mais séria ou mais alegre –vale o mesmo em relação a qualquer um, independentemente de ser grisalho ou não. Não é o cabelo que vai “aumentar” ou “diminuir” a idade de alguém, isso tudo é ilusão e falta de aceitação do processo de envelhecimento. Sem contar que há pessoas bastante jovens que são grisalhas. Em alguns casos, observo o contrário: os cabelos prateados “iluminam” o rosto da mulher e ela acaba parecendo… mais jovem.

Foto do perfil @thesilverlining_70 no instagram

Cabelo branco não é nada discreto

Acho que mulheres mais low profile não vão se adaptar aos cabelos brancos. Eles chamam muito a atenção! São “cheguei” mesmo. A primeira coisa que olham é para seu cabelo, que já vem brilhando de longe… E sempre comentam algo, nem sempre agradável, por sinal. Então, se a mulher prefere tem um perfil mais discreto e acha incômodo que as pessoas reparem nela o tempo todo, é melhor continuar pintando.

As pessoas dão muito palpite no cabelo alheio

É impressionante como todo mundo acha que pode opinar sobre o cabelo dos outros. “Ah, eu preferia pintado”; “Você ficava melhor de cabelo escuro”; “Corta curtinho!”; “Faz um corte moderno”; “Está feio”; “Mulher não fica bem de cabelo grisalho, homem fica charmoso”. É tanta coisa que falam… De onde as pessoas tiraram a ideia de que têm o direito de se meter no cabelo dos outros? Eu acho invasivo.

Glenn Close como Cruella de Vil. Foto: divulgação

Mais cedo ou mais tarde, vão te chamar de Cruella ou comparar a Mortícia Addams

É batata: enquanto nos homens grisalhos os arquétipos são galãs como Richard Gere, George Clooney ou Antonio Fagundes, quando se trata das mulheres o mais comum é chamarem as grisalhas de Cruella De Vil, a vilã do desenho e do filme 101 Dálmatas. Menos mal que Cruella, com seus cabelos bicolores, se tornou um ícone fashion, então nem todas as vezes você será chamada assim de maneira pejorativa. Mais maldosa é a comparação com Mortícia Addams, que na verdade tinha cabelos negros, não grisalhos. Quem tinha uma vistosa mecha no cabelo era Lily, personagem de Os Monstros. A intenção é nos comparar a bruxas, como se isso fosse nos ofender. Eu acho um luxo.

Cabelo grisalho não tem que ser curto

Gente, quem inventou essa regra? É o contrário: se você for deixar o cabelo grisalho, o melhor que faz é continuar usando os mesmos cortes que sempre gostou de usar. No meu caso, que nunca fui de ousar muito nos cortes de cabelo (deixar grisalho foi a coisa mais ousada que já fiz), me deixa mais segura continuar cortando do mesmo jeito que antes. Lógico que vai ter quem prefira aproveitar o novo look para radicalizar no visual, mas este “radical” não precisa ser necessariamente curto, como alguns pregam como se fosse um mandamento. No instagram tem vários perfis de mulheres com cabelos grisalhos e longos, lindíssimas e super inspiradoras.

Não é preciso ir cortando as pontas na transição

Descobri que não é preciso cortar as pontas tingidas! Quando comecei o processo, achei que o mais prático seria cortar bem curto (ou raspar) para me livrar logo das pontas mais escuras ou ir aparando no cabeleireiro com frequência à medida que o cabelo crescia. Mas passei a acompanhar nas redes mulheres que não cortaram as pontas e isso deu um efeito degradée bem bacana nos cabelos delas. Como prefiro meus cabelos mais longos, essa foi uma boa saída para mim. Claro que se você preferir tosar, é uma escolha sua.

Foto do perfil @thebeautydebut no instagram

O cabelo branco não é mais “rebelde” do que o original

Claro que isso muda de mulher para mulher, mas acho que essa impressão de que o cabelo branco é mais “rebelde” é mais mito do que realidade. Meu cabelo está cada dia mais brilhante, mais cheio e bem mais parecido com o que eu tinha antes de começar a tingir. Tenho 55 anos, pinto desde os 25. Imagina o cansaço dos fios após este tempo inteiro sendo submetidos a química? Como todo cabelo, tem que cuidar, hidratar… Mas não tem nada a ver isso de que é um cabelo “pior”. Uma dica: usado duas vezes por mês, o xampu violeta ajuda a não deixar que amarelem.

Um batonzinho vai bem

Minha mãe me cobrou a vida toda o uso de batom. “Bota um batonzinho, minha filha!” E eu sempre gostei de usar a cara limpa, sem nada. Mas, de alguns anos para cá, tenho gostado de um make suave para disfarçar as manchinhas e imperfeições. Com os cabelos grisalhos, aumentou a vontade de usar uma base tonalizante, retocar a sobrancelha e… passar um batonzinho. É como se a tinta saísse do cabelo e fosse pro rosto. O contraste entre o cabelo branco com o batom vermelho fica muito bom! Ah, brincos e roupas coloridas também caem bem, recomendo.

O segredo é mostrar e não esconder

Claro que rola insegurança! Principalmente nas fases em que o cabelo ainda está desajeitado e fica parecendo que, em vez de estar assumindo o grisalho, você está com preguiça de pintar. Para enfrentar esse período, o melhor é usar presilhas e fazer penteados que destaquem o grisalho ao invés de esconder. Ou então apelar para os chapéus e boinas, que ficam charmosos e ajudam a deixar o tempo passar. Outra dica é seguir grupos  na internet que acompanham a transição em outras mulheres. É uma troca de experiências enriquecedora –e empoderadora.

Às vezes dá saudades do cabelo escuro

Lógico que dá, é natural. Assim como dá saudades de quando a gente não tinha cabelos brancos e não precisava pintar. Nas mulheres mais velhas, a saudade do cabelo castanho (ou loiro, ou preto) é uma saudade da juventude que se foi. Perceber que há fases na vida onde se tem cabelo escuro e outras onde se tem cabelo branco faz parte do processo de aceitar o envelhecimento. O ideal é que algum dia houvesse tintas que saíssem no banho, né? Assim poderíamos matar a saudade do cabelo escuro sem precisar passar por este processo tão longo novamente!

A antropóloga Debora Diniz. Foto: Carlos Moura/SFT

Cabelo branco é chique

Super! É surpreendente como basta uma produçãozinha para a gente se sentir a própria Fernanda Montenegro ou a Helen Mirren… E os cabelos brancos também dão, sei lá, certo ar futurístico ao look. Uma das primeiras mulheres que admirei grisalha foi a antropóloga Débora Diniz no seu discurso no STF (Supremo Tribunal Federal) em defesa da descriminalização do aborto, em 2018. Não só pelas ideias, mas não parece que ela veio de um futuro distante e mais feliz, onde a ignorância não reina no Brasil?

Ninguém é obrigado a ir até o fim

Você não gostou do cabelo grisalho? Achou que não ficou bom em você? Pinte de novo, ué. Lembre-se que qualquer decisão a respeito do seu cabelo é sua, e apenas sua.

 

 

 

 


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(8) comentários Escrever comentário

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Bernardo Santos Melo em 12/05/2022 - 02h17 comentou:

Ser feliz , ter liberdade e coragem para inovar , vestir rosa ou azul independente do gênero , experimentar a ousadia , brincar com o tempo que nos impõe uma finitude certeira é sem dúvidas , uma sábia e gostosa maneira de nos curtirmos como seres humanos únicos , que podemos ditar a nossa própria moda .
Bacana mesmo , é possuirmos uma jornalista aberta , colocando-se sem pré conceitos junto ao seu público , fico apenas curioso se o espaço editorial mudará sua marca SOCIALISTA MORENA para algo como PRATEADA SOCIALISTA .
Enfim , este MUNDO é MUNDÃO …

Responder

Isabel Cristina em 12/05/2022 - 04h22 comentou:

Olá Cynara!

Texto incrível sobre o processo de “agrisalhar-se”. Eu sou grisalha e passei pelas mesmas etapas, incertezas e críticas, porém, resisti e estou feliz com meus fios prateados, há 5 anos.

Teus prateados estão muito bem em você e as considerações que apontou, certamente, irão ajudar outras mulheres a percorrer esta jornada. A transição é um percurso longo e desafiador, contudo o resultado é gratificante, pleno de beleza, liberdade e auto-amor. E, sim, é uma gigantesca quebra de conceitos, regras, leis e mitos!

Percebo que o número de mulheres grisalhas vem aumentando. São lindas, estilos as, singulares! Cada uma de nós parece encontrar uma forma perfeita de adaptar novas cores à maquiagem, aos acessórios e roupas ao prateado natural que conquistamos.

Abraços e felicidades

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Fabiana em 12/05/2022 - 07h50 comentou:

Para variar, usa uma máscara hidratante com cor – cinza ou carvão – fica lindo, é prático, não é caro e sai rapidinho. E, de quebra trata o cabelo.

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Antonia em 12/05/2022 - 20h35 comentou:

Magnífica! Maravilhoso texto. Disse o que disse porque é alma antiga. Eu tenho um pouco mais idade que você e nunca pintei cabelo e nem pretendo. Concordo contigo quanto a livre escolha. Estamo aqui para sermos livres, amar e ser feliz. Tudo é escolha. Tudo.

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Edmeia Cerqueira em 13/05/2022 - 11h02 comentou:

Estou nessa vibe a 3 anos e amando , tanto que estou servindo de inspiração pra familia que estão aderindo tbm e viva a liberdade e amo um batonzinho tbm.💖💗

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Kakau Teixeira em 13/05/2022 - 21h50 comentou:

30 anos de tintura? Seus cabelos ficaram brancos muito cedo, heim? Eu acho linda a sua cabeleira. Acompanehi a transição pelo video e gostei de todas as fases. Sou três anos mais velha que você e nunca pintei meus cabelos. Ao contrário de minhas irmãs, ainda hoje, quase não tenho cabelos brancos. Sou do grupo da Dea, Gioconda, Tereza Cruvinel, rs. Acho que foi herança de meu pai. Ele tinha poucos fios brancos quando morreu aos 66 anos.

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Sinara em 16/05/2022 - 11h06 comentou:

De Sinara para Cynara: olá!
Esse seu texto q me caiu na frente ao rolar páginas no celular, despertou-me a curiosidade. Veja só, li sem atentar à autoria, tivesse-o feito e não o teria lido; puro preconceito, admito. Já li coisas suas, discordei, apesar de gostar da escrita. Não gostei de algumas opiniões, idéias, focos e observações. Respeito todas.
Mas esse texto fluiu legal pq estou grisalhando também, daí a curiosidade no assunto.
Minha grisalhice é opcional, desde a tenra idade. Amo cabelos brancos, acho lindo!
Na família a grisalhice vem tarde, lentamente. Minha mãe com 91 anos tem quase a metade da cabeça com os cabelos ainda escuros. O q não impediu q aos 40 tivesse surgido nela uma mecha frontolateral à direita, q aumentou lentamente, perdurou por anos isolada; e despertava interrogações de como a fazia, num certo tom de inveja.
Eu desejava tê-la também!
Na vida, estou com 65 anos recentes, pintei o cabelo 3 ou 4 x, com tintura de pouca permanência, para tentar deixar vermelhos meus cabelos castanhos escuros. Pintava eu mesma, em casa, e vermelho, como cor de cabelo e em camiseta de time também era outra paixão. Descurti, como metade dos brasileiros descurtiram a camisa da Seleção brasileira (isso me faz pensar q deveria ser vedado, na política,o uso de cores pois sua apropriação apaixonada nos faz perder o gosto por tantas outras coisas q essas cores nos representam na vida. Uma tristeza..).Enfim..
Agora os grisalhos surgem ao redor do meu rosto.E sempre q entro num elevador bem iluminado e me vejo, sorrio me assumindo luminosa e feliz.
Concordo com você, pessoas são chatas desnecessariamente, palpitam demais sem q seja pedido, se atrevem, chateiam.
Eu, não dou a mínima! Nunca dei.
O q sempre me valeu foram as minhas idéias.
Cynara, meio q através desse texto, me reconciliei com você, q nem conhecia e nem nunca tinha brigado por nada.
Só por você estar de um lado e eu do outro…
Mas também sei q isso não significa nada e nem tem importância nenhuma.
Procurei no Google quem seria você. Vi q tem o sorrisâo aberto q eu tenho e sempre tive. E o cabelão cheio, fofo , meio desgrelhado.
Deve ser marca do destino para as Si/ Cynaras!
Como a nossa franqueza, o destemor de se mostrar e abrir seus pensamentos para o Mundo.
Gostei do texto, foi bom tê-lo lido!
Estou feliz demais com esse brilho prateado ao redor da minha testa.
Mas o mais legal de tudo é a escolha.
Pura Liberdade!

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Maria Assunção Carneiro de Aquino em 01/06/2022 - 23h42 comentou:

Comungo o pensamento de liberdade de se permitir agrisalhar a vida e não deixar em branco que faz parte do ser a naturalidade fisiológica do tempo em nós.

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