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Coronelismo midiático: Brasil é campeão em falta de pluralidade nos meios de comunicação

Estudo dos Repórteres Sem Fronteiras confirma alta concentração em mãos de poucas famílias e oligopólio da Globo como ameaça à democracia

O oligopólio da Globo. Gráfico: MOM/RSF/Intervozes
Da Redação
05 de fevereiro de 2018, 15h57

O Brasil apresenta os piores indicadores para a pluralidade na mídia entre 12 países em desenvolvimento analisados pelo Monitor de Propriedade de Mídia (MOM, na sigla em inglês), uma iniciativa dos Repórteres Sem Fronteiras (RSF) com coordenação em nosso país do Intervozes, entidade da sociedade civil que atua em defesa do direito à comunicação. O estudo mostrou que o ex-presidente Lula está absolutamente correto quando diz que a mídia brasileira está nas mãos de meia dúzia de famílias, verdadeiros coronéis midiáticos.

“Entre os 12 países analisados até agora pela pesquisa, o Brasil foi o que apresentou o maior número de indicadores de alto risco para a liberdade de expressão, principalmente com base no grau de concentração da mídia”, afirma Emmanuel Columbié, diretor da Repórteres Sem Fronteiras na América Latina. Segundo a organização, essa falta de pluralidade traz graves consequências à circulação de ideias, à diversidade e à democracia.

Na televisão, a mídia mais consumida pelos brasileiros, as quatro principais redes (Globo, SBT, Record e Band) somam 71,1% de toda a audiência do país. Na mídia impressa, o grau de concentração também foi considerado de alto risco para a pluralidade de ideias, com 50% da audiência concentradas nos quatro principais grupos: Globo, Folha, RBS (que edita dois dos jornais de maior tiragem no país, a Zero Hora e o Diário Catarinense) e Sada (que edita publicações como o jornal Super Notícias, de Minas Gerais).

O estudo mostra que Lula está absolutamente correto quando diz que a mídia brasileira está nas mãos de meia dúzia de famílias, verdadeiros coronéis midiáticos

Outro dado preocupante, em um país de dimensões continentais como o Brasil, é que 80% das empresas de mídia têm sede no Sul e no Sudeste, 73% delas na região metropolitana de São Paulo. Não é coincidência que, hoje, o sotaque paulistano domine o telejornalismo, até mesmo nos Estados do Norte e Nordeste. Um símbolo de como a elite paulista deseja impor seu modo de enxergar a nação, e inclusive eleger governantes que o restante dos brasileiros rejeita, como se comprovou nas quatro últimas corridas para a presidência da República.

“O poder no Brasil significa negócios familiares, tanto historicamente quanto na atualidade. Dinastias de proprietários de terras conhecidos como ‘coronéis’ estendem seus territórios para as ondas sonoras, combinando interesses políticos com o rígido controle da opinião pública. Nem a tecnologia digital nem a ascensão da internet ou esforços regulatórios ocasionais significaram um desafio para estes oligopólios”, diz o texto de apresentação da pesquisa, que mapeou, entre julho e outubro de 2017, 50 veículos e redes de comunicação em quatro segmentos: 11 redes de TV (aberta e por assinatura), 12 redes de rádio, 17 veículos de mídia impressa (jornais de circulação diária e revistas de circulação semanal) e 10 veículos online (portais de notícias). Esses meios de comunicação foram selecionados com base em índices de audiência medidos por institutos de pesquisa e no potencial de influenciar a opinião pública, o chamado agendamento.

Dos 10 indicadores examinados na pesquisa, incluindo proteção legal contra concentração de audiência e de propriedade, controle político de emissoras, controle político do financiamento e transparência na propriedade, o Brasil apresentou alto risco em sete deles. É pior do que o desempenho de países como Peru, Sérvia, Filipinas, Tunísia, Marrocos, Ucrânia e Mongólia.

Outro dado preocupante, em um país de dimensões continentais como o Brasil, é que 80% das empresas de mídia têm sede no Sul e no Sudeste, 73% delas na região metropolitana de São Paulo

A pesquisa evidencia como, apesar de proibido pela Constituição, políticos e famílias de políticos possuem meios de comunicação. Um total de 32 deputados federais e oito senadores estão envolvidos em empresas de mídia, ainda que nem sempre apareçam como donos formais dos negócios. Um exemplo citado foi o do prefeito de Betim, em Minas Gerais, Vittorio Medioli, e o grupo de comunicação da família, que é dirigido pela esposa e filha. O Grupo Editorial Sempre Editora publica dois jornais de grande circulação (Super Notícias e O Tempo), além de controlar três outros jornais, um portal de internet, uma webTV e uma estação de rádio FM.

Outras famílias engajadas no negócio da mídia, como os Câmara, Faria e Mesquita, também tiveram membros eleitos na política. A família Macedo, que controla o grupo Record e a Igreja Universal do Reino de Deus, domina um partido político importante, o PRB, que tem um ministro no governo Temer, um senador, 24 deputados federais, 37 deputados estaduais, 106 prefeitos e 1619 vereadores.

O estudo cita a Rede Bahia, grupo proprietário da TV Bahia, afiliada à Globo, e o jornal Correio da Bahia, controlado pela família Magalhães, que tem no prefeito de Salvador, ACM Neto, seu mais vistoso representante na atualidade. Cita ainda o grupo Arnon de Mello, da família do ex-presidente e senador Fernando Collor, que controla a TV Gazeta de Alagoas, também afiliada à Globo, o jornal Gazeta de Alagoas e a FM Gazeta. Outros exemplos são o Massa Network, afiliada do SBT no Paraná, de propriedade do apresentador Ratinho, que já colocou o filho, Ratinho filho, na Câmara Federal; e o grupo RBA, cuja TV Tapajós retransmite a Globo no Pará, e pertence ao senador Jader Barbalho e sua família.

No centro da propriedade cruzada dos meios de comunicação, uma das principais críticas feitas pelo estudo, está a Globo, com nada menos que 43,86% da audiência do país

Até mesmo na mídia online foi encontrado alto grau de concentração, com os quatro principais grupos (G1, UOL, R7 e IG) dominando 58,75% do share de audiência. “O que esse estudo revelou é que temos no Brasil um cenário de oligopólio e de concentração excessiva dos diferentes tipos de mídia em poucos grandes grupos”, destacou André Pasti, integrante do Intervozes e coordenador da pesquisa no país.

Proibida nos Estados Unidos, a propriedade cruzada, quando um mesmo grupo controla diferentes veículos, tanto impressos quanto eletrônicos, é um dos dados alarmantes em relação aos demais países pesquisados. Entre as 26 maiores redes, nove pertencem ao Grupo Globo, cinco ao Grupo Bandeirantes, cinco são controlados pelo Grupo Record e ligados à Igreja Universal do Reino de Deus), quatro pertencem ao grupo regional RBS (com atuação na Região Sul) e três pertencem ao Grupo Folha. Os veículos controlados pelo Grupo Globo atingem nada menos que 43,86% da audiência de todo o país, uma audiência maior do que as audiências somadas do 2º, 3º, 4º e 5º maiores grupos brasileiros.

Esse fato é tão significativo que o grupo Globo anunciou em campanha recente que chega a 100 milhões de brasileiros todos os dias, cerca de metade da população nacional, como se isto fosse uma vantagem para o povo, quando é, na verdade, uma prova da dominação dos Marinho sobre o que a população assiste.

Democracia pressupõe participação ampla da sociedade, e para isso o acesso à informação é fundamental. Na medida em que esse acesso é bloqueado ou filtrado por um processo de concentração da mídia, a própria democracia fica comprometida

O Grupo Globo possui veículos ou redes centrais a todos os mercados de mídia. Na TV aberta, comanda a rede Globo, líder disparada de audiência; na TV paga, é proprietária da programadora Globosat, que produz conteúdos que incluem o canal de notícias 24 horas GloboNews e mais de trinta outros – além de parcerias internacionais com importantes estúdios; na Internet, possui o maior portal de notícias brasileiro, Globo.com; na rádio, tem duas de suas redes figurando entre as dez principais do país: Globo AM/FM e CBN; na mídia impressa, possui jornais de grande relevância como O Globo, Extra, Valor Econômico e Expresso da Informação e revistas como a Época, Crescer, Galileu, Marie Claire e tantas outras. Possui, ainda, uma das principais agências de notícias do país, a Agência O Globo (AOG). O Grupo Globo atua, ainda, em mercados como o fonográfico, cinematográfico e editorial.

Para a subprocuradora-geral da República Débora Duprat, titular da Procuradoria Federal de Defesa do Cidadão (PFDC), do Ministério Público Federal (MPF), os resultados da pesquisa apontam graves riscos para a democracia no país. “Democracia pressupõe participação ampla da sociedade na discussão dos temas de interesse público, e para isso o acesso à informação é fundamental. Na medida em que esse acesso é bloqueado ou filtrado por um processo de concentração da mídia, a própria democracia fica comprometida”, observa.

A pesquisa ainda registrou a forte participação de grupos religiosos na mídia, com a revelação de que controlam nove das 50 maiores redes do país. A principal crítica em relação a isso é que não é sinônimo de que as diversas religiões estejam sendo representadas. O poderio religioso na mídia se resume basicamente ao cristianismo, em suas vertentes católica e evangélica. As minorias religiosas do país, como as religiões de matriz africana (Umbanda e Candomblé), não têm voz no sistema brasileiro de mídia de maior audiência.

Com informações da Agência Brasil e dos Repórteres Sem Fronteiras

 


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Sergio Souza em 06/02/2018 - 15h35 comentou:

Corrigindo: Como sair disso? Achávamos que o PT fosse o partido que peitasse a Globo e fizesse movimentos concretos para minar esse monopólio. Covardemente, não o fez! E se portou igual ao PSDB e PMDB!

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