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Cuba Jazz: uma viagem musical que retrata a renovação da ilha comunista

O documentário dirigido pelos brasileiros Max Alvim e Mauro di Deus não é um filme sobre jazz, mas uma peça conduzida por esse gênero livre e libertário por essência

exibição de cuba jazz no memorial da américa latina em SP. foto: reprodução facebook
Rogério Tomaz Jr.
08 de setembro de 2017, 12h45

Tal como uma jam session –“descarga”, na gíria cubana– no jazz, os caminhos que uma revolução percorre são imprevisíveis no decurso do tempo. Na música, o resultado quase sempre é saboroso aos ouvidos. Na vida de um país marcado a ferro e fogo – perdão pelo clichê, mas no jazz eles também existem – pelo sistema político-econômico dominante, as inevitáveis contradições desagradam e geram ferozes críticos e perseguidores. Além de vítimas, obviamente.

Em Cuba Jazz, documentário dirigido por Max Alvim e Mauro di Deus que está começando a viajar pelo circuito de festivais no Brasil e no mundo (ainda inédito no circuito comercial brasileiro), a charla política atravessa boa parte do filme e traz múltiplas visões –por vezes díspares, mas também convergentes, ainda que expressadas de formas distintas– sobre a música, a cultura e os processos sociais engendrados na ilha rebelde a partir do evento de 1959.

A certa altura, o sopão do qual fala a prodigiosa cantora e compositora Daymé Arocena é uma metáfora precisa para descrever a rica fusão de ritmos da qual resulta o autêntico jazz cubano, que demarca espaço em relação ao latin jazz devidamente abrigado no mainstream com suas classificações cômodas e reducionistas. Dizer isso é descrever o óbvio para quem assistiu à obra, mas pode instigar o olhar de quem não a viu e tampouco visitou ou estudou minimamente o “fenômeno” Cuba para além das visões cristalizadas a partir de um ou de outro campo ideológico.

Meio que instintivamente, esta mescla intensa –prolificamente abordada na película de som perfeito e fotografia que é poesia pura– nos remete à diversidade que tão bem experimentamos entre o Oiapoque e o Chuí. Não por acaso, essa característica é o que está por trás da “potência musical” mencionada numa das conversas para se referir aos Estados Unidos, a Cuba e ao Brasil.

Outrora com as fronteiras fechadas ao intercâmbio com outros países não alinhados à luta anticapitalista ou contrários ao bloqueio imposto pelos EUA, Cuba vive hoje um momento de profunda renovação interna e “descobrimento” de linguagens e possibilidades musicais em outras paragens. Ao contrário da Revolução, que teve e ainda tem muita dificuldade para se reajustar, a reinvenção musical em Cuba é algo permanente que, nas últimas duas décadas ganhou novo impulso a partir de uma juventude engenhosa e ousada, talvez até demais para alguns puristas.

Com ênfase, Cuba Jazz– que não é um filme sobre jazz, mas uma peça conduzida por esse gênero livre e libertário por essência– retrata essa renovação na forma e no conteúdo. A maioria das entrevistas apresenta jovens que são virtuoses em suas respectivas searas, alguns já com renome internacional.

Um destes talentos excepcionais é o trompetista Yasek Manzano, 36, citado como “o Miles Davis do século XXI” por ninguém menos do que Wynton Marsalis, também expoente do trompete, parte dos “Young Lions” de New Orleans e vencedor de nove Grammys, conquistados nas categorias jazz e música clássica.

Boca larga e lábios desconjuntados pelo hábito do ofício, Manzano, mais do que entrevistado, é personagem central e um dos condutores da peça de 85 minutos que nasceu a partir de mais de 100 horas de gravação e ainda pode ganhar irmãos no futuro breve. O papel de Manzano, entretanto, é dividido sobretudo com o guitarrista Jorge Luis Chicoy e a carismática Daymé Arocena.

Ao fim das contas, Cuba Jazz encanta corações pela beleza artística, arrebata mentes pelo roteiro a um só tempo denso e delicado, fascina pelo primor que é a seleção musical e cativa pelo deleite que é ver de forma tão próxima e sem maquiagem a essência afável e faceira da sociedade cubana. Ademais, não serão poucos os novos amantes do jazz surgidos a partir dessa obra.

Rogério Tomaz Jr. é jornalista brasileiro, mora em Montevidéu e visitou Cuba em 12 dias, 1700 quilômetros e 150 mojitos na virada de 2010 para 2011.

 

 


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