Socialista Morena
Politik

Descolonizar é preciso: abaixo o Borba Gato!

Como reação ao fascismo, protestos antirracistas ganham força no mundo e monumentos a genocidas históricos começam a ruir

A estátua de Borba Gato em Santo Amaro, São Paulo. Foto: Gustavo Vivancos/CC
Cynara Menezes
09 de junho de 2020, 20h24

Na Cidade do México não há nenhuma praça, rua ou avenida importantes com o nome de Hernán Cortés, o sanguinário “conquistador” que estuprou e massacrou indígenas, dizimando uma civilização inteira. É raro encontrar no país logradouros homenageando os espanhóis, mas há inúmeros lugares nomeados em náuatle, a língua asteca.

Em Lima, durante 50 anos houve no centro da cidade uma “Praça Pizarro”, com uma estátua de Francisco Pizarro, o sanguinário “conquistador” que também estuprou e massacrou indígenas e também dizimou uma civilização inteira. A estátua acabou sendo removida de lá em 2003 e o local foi renomeado Praça Peru. O Palácio do Governo ainda é conhecido como “Casa de Pizarro”, mas o nome da “Sala Pizarro” foi trocado em 1972 para “Sala Túpac Amaru II”, em homenagem ao líder rebelde anti-colonialista, descendente do inca Túpac Amaru, executado pelos espanhóis.

Quem não recorda as estátuas de Lenin sendo arrancadas das praças públicas após o fim da URSS? Alguém defendeu que elas fossem preservadas pelo “valor histórico”? Ou que a cidade de São Petersburgo mantivesse o nome de “Leningrado”?

Para quê retirar o nome de personagens históricos de um local? Para quê remover estátuas? Embora no Peru, ao contrário do México, o movimento seja menos incisivo, tais atitudes fazem parte do processo de DESCOLONIZAÇÃO de nossa própria visão histórica sobre os países da América, algo que nunca chegou ao Brasil. Continuamos a louvar os colonizadores, festejando o “dia do descobrimento”, dedicando-lhes ruas, avenidas e monumentos e normalizando as barbaridades da “conquista”, eufemismo para o genocídio das populações nativas.

Não é à toa que muita gente por aqui se espantou ao ver o que aconteceu em Bristol, na Inglaterra, dias atrás. Manifestantes antirracistas, sublevados pelo assassinato de George Floyd nos EUA por um policial branco, arrastaram e jogaram no rio uma estátua do traficante de escravos Edward Colston que há 125 anos “ornava” o centro da cidade. Em vez de se espantarem, deveriam se perguntar: como é que até hoje um mercador de seres humanos é tratado como herói?

Enquanto o primeiro-ministro Boris Johnson lamentou que a retirada da estátua não tivesse ocorrido por vias “democráticas”, o Museu Internacional da Escravidão, em Liverpool, apoiou a atitude dos manifestantes, em um comunicado oficial. “A imagem de Edward Colston era altamente controversa e ofensiva para muitos e, ao derrubá-la, é importante notar que não estamos apagando a História e sim fazendo História”.

Há muito tempo ativistas antirracistas britânicos reclamavam das várias homenagens a Colston em Bristol, sem nenhum sucesso em removê-las. Além da estátua, a principal sala de concertos da cidade se chama Colston Hall e já houve várias petições para renomeá-la. O mesmo acontecia com os monumentos ao rei Leopold II na Bélgica, cuja estátua em Antuérpia foi banhada em tinta vermelha pelos manifestantes no último final de semana e acabou removida pelos administradores do porto para reparos, mas com a possibilidade de não voltar mais ao local.

Leopold II foi responsável pelo genocídio no Congo durante a dominação belga, entre 1885 e 1908. Presume-se que pelo menos 5 milhões de congoleses tenham sido mortos, além dos milhares que tiveram órgãos decepados por se recusar a trabalhar. Não parece haver diferença entre Leopold II e Hitler a não ser o fato de as vítimas do primeiro serem negras. Mas os ativistas que há três anos lutam para remover os monumentos em sua homenagem das praças belgas nunca obtiveram apoio das autoridades para que isso acontecesse.

Desde o confronto entre antirracistas e supremacistas brancos em Charlottesville, em 2017, que os negros norte-americanos começaram a se rebelar contra as estátuas em homenagem a racistas, exportando o exemplo a outros movimentos pró-descolonização que passaram a fazer o mesmo em outras partes do planeta. Em 2018, no Canadá, uma estátua do colonizador britânico Edward Cornwallis foi removida do centro de Hallifax após protestos de chefes da etnia Micmac. Cornwallis, que ajudara a fundar a cidade em 1749, entrou para a História por oferecer recompensas a quem matasse um Micmac. Escolas, igrejas e ruas que levavam seu nome também foram rebatizados.

Na África do Sul, em 2015, o movimento Rhodes Must Fall (Rhodes Deve Cair) defendia a derrubada de todos os monumentos no país em homenagem a Cecil Rhodes, o colonizador racista responsável pelo expansionismo da coroa britânica na África e fundador da De Beers, empresa que espoliou boa parte dos diamantes sul-africanos e os explora até hoje. Graças ao movimento, a estátua de Rhodes na Universidade da Cidade do Cabo foi removida.

Agora, com o recrudescimento das manifestações antirracistas nos EUA e na Europa, o #RhodesMustFall voltou. E desta vez são os britânicos que exigem a remoção do monumento a Cecil Rhodes na Universidade de Oxford. Mais de 130 mil pessoas já assinaram uma das petições online apoiando a retirada da estátua, uma reivindicação antiga dos estudantes negros da instituição. Nesta terça-feira, centenas de manifestantes tomaram as ruas de Oxford exigindo que o monumento a Rhodes seja retirado do Oriel College.

Como resposta aos protestos, o prefeito de Londres, Sadiq Khan, prometeu que irá revisar todos os monumentos da cidade. “Sou a favor que nossa cidade possa refletir os valores que temos e também nossa diversidade”, disse. “Por exemplo, acho que deveria haver em Londres um memorial nacional da escravidão, um memorial nacional Sikh, e acho que deveríamos celebrar grandes britânicos negros.”

No Brasil, finalmente a ideia de descolonização parece estar contagiando corações e mentes, e as redes sociais começaram a se agitar contra as estátuas e monumentos aos bandeirantes que “enfeitam” sobretudo o Estado de São Paulo, onde eles nomeiam avenidas, rodovias e até o palácio do governo. Matadores e escravizadores de indígenas, não há nada de bonito ou honroso em torno da vida de Raposo Tavares, Fernão Dias Paes Leme, Borba Gato ou Domingos Jorge Velho para que mereçam homenagens, mas a permanência dos monumentos foi defendida no twitter pelo jornalista e escritor Laurentino Gomes.

O principal alvo da defesa de Laurentino foi a horrenda estátua de 10 metros de altura em homenagem a Borba Gato, inaugurada em 1957 no bairro de Santo Amaro. Embora ele mesmo reconheça que “é feia que dói” e que o bandeirante era um assassino, o autor de Escravidão argumentou em favor da preservação por seu valor histórico.

Ora, e se tivessem dito algo assim após a Segunda Guerra Mundial, quando os monumentos aos nazistas foram demolidos? Não existe na Alemanha nenhuma estátua em homenagem ao nazismo para que sirva “como objeto de estudo e reflexão”. O mesmo aconteceu após o fim da União Soviética. Quem não recorda as estátuas de Lenin sendo arrancadas das praças públicas? Alguém defendeu que elas fossem preservadas ali por seu “valor histórico”? Ou que a cidade de São Petersburgo mantivesse o nome de “Leningrado”?

O mundo gira, as percepções mudam, a História é dinâmica. Estátuas são apenas objetos inertes, esculturas de pedra e cimento de valor estético discutível. Com o fascismo em alta em alguns países, inclusive no Brasil, a luta antirracista ganhará cada vez mais força no mundo. E homenagens a genocidas, escravistas e colonialistas vão começar a ruir em toda parte. A palavra da hora é DESCOLONIZAR.

Abaixo o Borba Gato!

 


Apoie o site

Se você não tem uma conta no PayPal, não há necessidade de se inscrever para assinar, você pode usar apenas qualquer cartão de crédito ou débito

Ou você pode ser um patrocinador com uma única contribuição:

Para quem prefere fazer depósito em conta:

Cynara Moreira Menezes
Caixa Econômica Federal
Agência: 3310
Conta: 000591852026-7
PIX: [email protected]
(17) comentários Escrever comentário

Os comentários aqui postados são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião da Socialista Morena. Todos as mensagens são moderadas. Não serão aceitos comentários com ofensas, com links externos ao site, e em letras maiúsculas. Em casos de ofensas pessoais, preconceituosas, ou que incitem o ódio e a violência, denuncie.

Steve Austin em 09/06/2020 - 20h40 comentou:

Apoiado, vamos descolonizar o Brasil, construir uma história fora desse pensamento positivista, por que no Brasil não há museus em memória dos africanos e índios, chegou a hora de contar a verdade.

Responder

Lucas em 09/06/2020 - 22h43 comentou:

Sou contra “retirar” estátuas. O que fizeram em Bristol foi um ato de selvageria, além de poluir o rio da cidade. Se queriam retirar a estátua, que fizessem um pedido à prefeitura para a estátua ser colocada em um museu. A estátua de Borva Gato é uma obra de arte modernista feita pelo artista Julio Guerra. Não é feia. É arte. E arte não é feita de juízos morais.

Responder

    Cynara Menezes em 10/06/2020 - 14h53 comentou:

    “arte”, né? sem “juízos morais” tipo o que a extrema direita faz proibindo exposições?

GERALDO em 10/06/2020 - 11h33 comentou:

Perfeito, Cynara !
Sem falar que Domingos Jorge Velho foi o mercenário que aniquilou o Quilombo dos Palmares.

Responder

Lucas em 10/06/2020 - 15h43 comentou:

Sou contra proibir exibições também. Pra mim, a arte pode tudo e não deve ser censurada. Não tenho viés político.

Responder

DuVi Deódó em 10/06/2020 - 19h28 comentou:

Retirar a estatua também é Arte. Performance de vanguarda afinada com os tempos atuais. Fará pensar. Valera a empreita, coletiva. O que ela significa é a realidade de hoje. Queremos mudar. Vai para o museu do imaginário. Pode ser pela caneta. Puxar com corda tá dificil. Votemos.

Responder

Fábio P. R. em 10/06/2020 - 20h21 comentou:

Bom, não sei em outros lugares, mas em S. Paulo existe o Museu Afro Brasil, localizado no Parque do Ibirapuera.

Responder

Jboni em 11/06/2020 - 18h06 comentou:

Não há porque considerar que “estátuas e monumentos” sejam valores históricos, a história se debate de outras centenas de forma, e, nesse momento, ela tem que ser reescrita. Aquele conceito que a história é: a “história dos vencedores”, está sendo colocado em questão.

Responder

ANTONIO JOSÉ LOPES em 12/06/2020 - 01h43 comentou:

Estou fechado com a Cynara. Sobre alguns posicionamentos de articulistas e amigos questionando o movimento “Topple the Racists” que surgiu na Inglaterra na esteira das manifestações antirracistas dos EUA e se espalha pelo mundo, quero registrar que respeito alguns argumentos, mas não concordo. Defendo que se coloque, sim, em questão se deveríamos ter estátuas homenageando assassinos. Se dependesse do Bolsonaro e seus seguidores haveria uma estátua do notório torturador coronel Brilhante Ulstra, no meio da Praça da Sé e em cada capital brasileira, de fato a tortura faz parte da história, mas isto não justifica que o torturador seja homenageado e receba tratamento de mito. Sobre se o momento é a gora o depois de derrubar Tosconaro, o momento da discussão é agora, é espontâneo, surgiu do primeiro movimento antirracista de dimensões mundiais pós 1964 (estou me referindo aos EUA), sensibilizou até a Globo, a luta antirracista e antigenocida é pra ontem e depender dos humores da política institucional não pode esperar a “redemocratização”, há vidas em jogo.
Traficantes de escravos na Inglaterra e genocidas fazem parte da história e precisam ser execrados como a Europa fez com os nazistas, os movimentos focados na derrubada estátuas destes pseudo-heróis são legítimos, não se trata de derrubar monumentos históricos ou obras de arte com valor cultural. Pode-se questionar a ofensa a Churchill e Cristóvão Colombo, mas não o direito de alguém questionar uma história adocicada destas figuras. No caso da Inglaterra a maioria dos monumentos alvo não são homenagens do povo e sim de políticos aristocratas e conservadores que só permitiram o voto feminino em 1928 enquanto mandavam construir estátuas de seus sócios e capatazes. Passa o mesmo no Brasil, vide o critério de dar nomes as ruas na maioria das cidades. Aqui em São Paulo temos ruas homenageando parentes de vereadores ou de pessoas a quem os vereadores pretendem puxar o saco. Na dúvida procure saber quem foi o cara que dá nome para sua rua, OK se você mora na Av. Tiradentes, JK ou na Av. Paulista tudo bem vc ganhou um ponto então passe para a rua paralela ou perpendicular, não vai demorar 3 jogadas para você se perguntar “este é o famoso quem ?”.
Quanto aos bandeirantes, as estátuas podem até ficar em pé, desde que o movimento pela execração destes caçadores de índios e escravos se enraíze nas escolas. Então, acho que tem sim um critério para pôr estátuas no chão.

Responder

Fábio J Santos em 12/06/2020 - 14h52 comentou:

Não sei se derrubar seria uma boa ideia, soa como o Rui Barbosa queimando os documentos da escravidão, ou os militares destruindo arquivos da ditadura. Destruir abre caminho para o esquecimento e a repetição desses atos. Creio que o melhor seria colocar painéis contando a história dessas criaturas, as consequências dos atos delas e quem foram aqueles que as homenagearam e porque o fizeram. Saber que os bandeirantes eram bandidos genocidas e que foram homenageados por empresários paulistas que flertavam com golpismos é mais importante do que ignorá-los.

Responder

New em 12/06/2020 - 16h57 comentou:

Comparar a derrubada das estátuas de Lênin um grande revolucionário popular, com a derrubada de estatuas de lunáticos direitistas e escravagistas… eis até que ponto a falta de escrupulos atingiu essa “esquerda” identitária.

Responder

Eulampio em 12/06/2020 - 19h57 comentou:

Tão procurando assunto. Nada de bom pode advir daí.

Responder

EUGENIO DRUMOND em 12/06/2020 - 23h07 comentou:

UAU!
Nunca mudei tanto de posição, troco de opinião aos borbotões atualmente.
Aplaudi como sempre o texto da Cynara Morena,
ainda arrepiado pelas imagens dos literalmente iconoclastas de Bristol.
Que bela cena!
Porém, lendo uns e outros inteligentes, só posso admitir:
derrubar e quebrar e etc. é coisa de fascista .
Mantenhamos eretos e visíveis tudo o que há de pior, lutemos para que o próprio “ícone” , ou estátua etc. e tal permaneçam, sempre, como documentos.
Eliminá-los é querer apagar a História.
Melhor seria lutarmos para colocar placas explicativas (e resistentes) diante de cada “monumento” colonialista.
Para aumentar o alcance, “tipo assim”, “Esse Gato matou, fodeu, sangrou, blablabla…
Aposto que seriam vandalizadas, logo e logo, pelos que negam a História

Responder

Otavio Demasi jornalista Mtb 32548 e consultor de turismo em 13/06/2020 - 15h12 comentou:

A COLONIZAÇÃO, FICA CADA VEZ MAIS BRUTAL. HOJE A ESCRAVIZAÇÃO ESTÁ NO PODER DE CONTROLAR A HUMANIDADE VIA INTERNET. A COLONIZAÇÃO CONTINUA NAS GUERRAS, QUE NÃO CESSAM DESDE O FIM DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL. A COLONIZAÇÃO SUFOCA A HUMANIDADE PELO LUCRO E MATA PELA BESTIALIDADE DO PODER TOTAL. ABAIXO A COLONIZAÇÃO.

Responder

Conde Terranova em 13/06/2020 - 20h53 comentou:

Socialista antileninista? Moça você é direitista

Responder

    Cynara Menezes em 15/06/2020 - 16h43 comentou:

    onde está escrito que sou antileninista?

Deixe uma resposta

 


Mais publicações

Cultura

Machado de Xangô volta a ser símbolo da Fundação Cultural Palmares


Resgate do logo original foi celebrado nas redes sociais; marca havia sido trocada durante a gestão desastrosa do bolsonarista Sérgio Camargo