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E o capitalismo não se acabou: bilionários brasileiros ficam mais ricos na pandemia

Acreditamos que a Covid-19 nos traria um modelo menos competitivo do que esse de acumulação primitiva, e o que está ocorrendo é o contrário

Foto: Roberto Parizotti/Fotos Públicas
Maíra Miranda
27 de julho de 2020, 18h22

Foi só poucos meses atrás, mas parece distante lembrar de quando entramos na pandemia e, em meio a tantos tipos de ataque de pânico, rolou aquela vibe Era de Aquário (que parecia que aconteceria imediatamente), quando acreditamos que a pandemia nos traria um novo modo de vida, e, inclusive um modelo econômico menos competitivo do que esse de acumulação primitiva. Mas o que tem acontecido são coisas como a loja de máscaras de grife em Miami surfando na pandemia que acabou virando meme.

Covid-19 Essentials…

Ou notícias como a de que o dono da Amazon, Jeff Bezos, está a caminho de se tornar o primeiro trilionário do planeta, uma perversão ainda maior se levarmos em consideração a crise na qual o mundo se encontra, como bem observou a ativista Mindy Isser nesse artigo da Jacobin. “O fato de alguém ser tão obscenamente rico enquanto muitas pessoas estão penduradas por um fio, não é apenas perturbador e imoral, é um ataque aos princípios democráticos e à capacidade de todos viverem uma vida digna”. É ainda mais obsceno constatar as condições precárias às quais são submetidos os trabalhadores do futuro trilionário.

Mas não foi só Bezos. O informe Quem Paga a Conta? – Taxar a Riqueza para Enfrentar a Crise da Covid-19 na América Latina e Caribe, divulgado pela Oxfam nesta segunda-feira, 27 de julho, mostra que a fortuna de 42 bilionários brasileiros aumentou em 34 bilhões de dólares durante a pandemia. O patrimônio líquido deles subiu de 123,1 bilhões de dólares em março (início da pandemia) para 157,1 bilhões em julho.

Os bilionários da América Latina e do Caribe não só ficaram imunes à crise econômica provocada pela pandemia do coronavírus numa das áreas mais desiguais do planeta como ficaram ainda mais bilionários: 73 super-ricos aumentaram suas fortunas em 48,2 bilhões de dólares entre março e junho

De acordo com o relatório, os bilionários de toda a região não só ficaram imunes à crise econômica provocada pela pandemia do coronavírus numa das áreas mais desiguais do planeta como ficaram ainda mais bilionários: 73 super-ricos da América Latina e do Caribe aumentaram suas fortunas em 48,2 bilhões de dólares entre março e junho.

A mais recente das tragédias apocalípticas dos tempos atuais, além da pandemia, da nuvem de poeira, da praga do gafanhotos, do ciclone e de Bolsonaro, são  as tensões entre China e EUA. Chamado de Guerra Fria 2.0, o embate é fomentado por acontecimentos como o banimento do Tik Tok e da Huawei dos EUA, bem como o fechamento do consulado dos EUA na cidade de Chengdu, no sudoeste da China, em retaliação à determinação de Trump de fechar o consulado chinês em Houston, no Texas, o que coloca em xeque mais de quatro décadas de diplomacia entre os dois países, iniciada com a visita de Richard Nixon à China, em 1972.

E foi justamente ele que Mike Pompeo, o secretário de Estado norte-americano citou quando em discurso na Biblioteca Nixon, na cidade natal do ex-presidente, Yorba Linda, na Califórnia.”O presidente Nixon disse uma vez que temia ter criado um ‘Frankenstein’ ao abrir o mundo ao PCC”, disse Pompeo. “E aqui estamos.”

Tem ainda a guerra dentro da guerra que é a corrida das vacinas, e enquanto a China diz que sua vacina será um bem público e universal, como já tinha sido decidido em reunião da ONU,  os EUA compram todas as vacinas em um acordo bilionário. Nesse cenário, já estamos vendo onde o Brasil entrará, quando se ausenta da reunião sobre o plano de cooperação e recuperação da América Latina depois da pandemia do coronavírus, bem como outras hostilidades prévias do governo brasileiro para com a China.

Quando ainda estávamos na fase inicial da pandemia, foi elaborada a obra coletiva Sopa de Wuhan — Pensamiento Contemporaneo en Tiempos de Pandemias, lançada no início de março, trazendo artigos de filósofos contemporâneos (nomes como Giorgio Agamben, Slavoj Zizek, Judith Butler, Alain Badiou, Paul Preciado, entre outros), que tentam fazer um debate organizado sobre o que estamos vivenciando, sob os mais variados aspectos.

O texto de Judith Butler, intitulado O capitalismo tem seus limites, recebe esse nome porque a filósofa cita a frase de um político alemão, Karl Lauterbach, quando o ministro da Saúde do país confirmou à imprensa que Trump havia tentado comprar direitos exclusivos para os EUA de uma vacina produzida na Alemanha. Lauterbach, que também é epidemiologista, comentou: “A venda exclusiva aos EUA de uma possível vacina precisa ser evitada a todo custo. Capitalismo tem limites”.

Sobre isso, Butler supôs que “ele estava questionando o ‘uso exclusivo’ e não ficaria nem um pouco mais satisfeito com a mesma provisão caso ela se aplicasse exclusivamente aos alemães. Assim esperamos, porque podemos imaginar um mundo no qual vidas europeias são valorizadas acima de todas as outras –vemos esse tipo de valoração se desenrolando violentamente nas fronteiras da União Europeia”.

Enquanto isso, na Europa, parecia que eles estavam dando uma lição de diplomacia ao resto do mundo com um acordo e fundo histórico no qual, pela primeira vez na existência da UE, as subvenções serão financiadas com emissões de dívida conjunta e os 27 sócios do bloco continental decidiram por unanimidade estabelecer um fundo de reativação para aliviar os danos econômicos da covid-19. Entretanto, por lá, também existe a ambição de  não comprar as vacinas por meio da iniciativa co-liderada pela OMS.

A filósofa Judith Butler escreveu: “O vírus por si só não discrimina, mas nós humanos certamente o fazemos, moldados e movidos como somos pelos poderes casados do nacionalismo, do racismo, da xenofobia e do capitalismo”

“O vírus por si só não discrimina, mas nós humanos certamente o fazemos, moldados e movidos como somos pelos poderes casados do nacionalismo, do racismo, da xenofobia e do capitalismo. Parece provável que passaremos a ver no próximo ano um cenário doloroso no qual algumas criaturas humanas afirmam seu direito de viver ao custo de outras, reinscrevendo a distinção espúria entre vidas passíveis e não passíveis de luto, isto é, entre aqueles que devem ser protegidos contra a morte a qualquer custo e aqueles cujas vidas são consideradas não valerem o bastante para serem salvaguardadas contra a doença e a morte”, continua Butler.

Quando a filósofa escreveu o artigo, Bernie Sanders ainda era uma opção na corrida eleitoral norte-americana e se depositava nele uma esperança em relação à saúde pública nos EUA. “Devemos ainda nos perguntar, especialmente agora, por que nós como um povo ainda nos opomos à ideia de tratar todas as vidas como se elas tivessem o mesmo valor? Por que alguns ainda se entusiasmam com a ideia de que Trump buscaria garantir uma vacina que resguardaria as vidas norte-americanas (como ele as define) antes de todas as demais? A proposta de uma saúde pública e universal revigorou um imaginário socialista nos EUA –um imaginário que agora precisa esperar para poder se realizar como uma política social e como compromisso público neste país. Infelizmente, na era da pandemia, nenhum de nós pode esperar.”

 


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Luiz Gonzaga dos Vieira em 27/07/2020 - 19h55 comentou:

Belo texto.

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felipe puxirum em 28/07/2020 - 15h50 comentou:

como os ricos no governo lula-dilma ficaram mais ricos e ricos!

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Esmerindo+Bernardes em 29/07/2020 - 19h53 comentou:

mais interessante ainda é o enriquecimento monumental de muitos em plena pandemia, quando se esperava empatia, humanidade, benevolência, compartilhamento, reestruturação, mas como numa guerra, acumularam ainda mais riquezas às custas de vidas humanas. pelo menos na era Lula-Dilma, as regras que levaram ao surgimento de empresas brasileiras de porte gigantesco eram muito claras, transparentes e justas. hoje estamos na era do negacionismo, com atrocidades escalando exponencialmente. será uma era muito pior que a pior das eras que o homo sapiens sapiens já produziu. aliás, há nada de sapiência no que está acontecendo.

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Pedro de Alcântara em 01/08/2020 - 21h44 comentou:

Esta brutal concentração da riqueza inútil em poucas mãos não nos deve levar à conclusão da eternidade do capitalismo. Muito pelo contrário, esta é apenas uma das manifestações de sua condição de moribundo. Essa dinheirama assim concentrada nunca tem uma destinação produtiva. É “dinheiro morto” segundo A. Smith.

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Pedro de Alcântara em 01/08/2020 - 22h03 comentou:

Se fôssemos considerar o fausto da corte de Luís XIV como prova do poder da aristocracia, e não do auge de sua decadência, estaríamos redondamente equivocados. As aparências regra geral dificultam-nos chegar a uma análise científica.

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