Socialista Morena
Cultura

Feios, sujos e malvados

Tem homens que envelhecem. Outros clinteastwoodizam-se

BLUEBERRY, DE MOEBIUS, SOB PSEUDÔNIMO DE JEAN GIRAUD
Cynara Menezes
26 de setembro de 2012, 04h42

Tem homens que envelhecem. Outros clinteastwoodizam-se.
Os clinteastwoods não perdem o gosto pelos saloons. Nunca. E ainda desfrutam muito bem da sensação que provocam ao entrar, olhando reto, empurrando a porta vaivém com o antebraço. Forte, não. Firme.
Um clinteastwood chega sem estardalhaço. Com seu chapéu, metafórico ou não, de aba despencada sobre a cara, sombreando metade do rosto, apenas. O suficiente.
Não é de muito falar, mas pode. Não é de muito dançar, mas pode. Sabe beber. Definitivamente fuma.
Pede seu drinque de pé no canto do balcão, ali onde uma luz solitária ilumina sua cabeça sob o sombrero e deixa o rosto ainda mais encoberto. O mistério está para um clinteastwood como seu chapéu (metafórico ou não): são inseparáveis.
Eventualmente, alguém virá até clinteastwood, que, do seu canto, observa o saloon inteiro, personagem por personagem, com os olhos semicerrados e a boca num eterno meio sorriso, enquanto a fumaça do cigarro brinca sob a aba do companheiro chapéu.
Não é uma seduçãozinha qualquer que vai arrastá-lo pro quarto de cortinas esvoaçantes do andar de cima e ensaboá-lo dentro da tina fumegante. Se uma coisa clinteastwood aprendeu a ter na vida foi pontaria.
Há, é claro, outras opções.
Tem homem que se woodyalleniza. À medida que os anos passam, as pequenas manias se acentuam. Sente dores nas juntas. Coleciona remédios no armário do banheiro e acompanha ansioso os últimos lançamentos em relaxantes musculares e antidepressivos. Para ele, a frase mais importante da história da humanidade não é “Eu te amo” e sim: “É benigno!” Nunca recebe alta do psicanalista. Tem medo de mulher e fobia de aranha – haverá relação entre as duas?
As idiossincrasias dos woodyallens atraem fêmeas compreensivas, com tendência à maternidade. Dizem: – Ai, como é fofinho esse jeito dele tão indefeso! Tanta angústia existencial às vezes é puro disfarce para perversões. Não estranhe se woodyallen fugir com sua filha adolescente, sua irmã ou sua melhor amiga. Nem mesmo se ele se declarar para aquele seu amigo gay.
E há os que se marlonbrandam. Engordam terrivelmente. Sua única paixão passa a ser, além de comer muito, o sexo. À Bill Clinton, sobretudo. Nada que demande movimentos em excesso.
Os marlons são bons de papo. Cheios de experiência e um passado de glórias a compartilhar. Sabem conquistar pela inteligência, mesmo porque pelo físico… Moças delicadas se atiram aos montes no colo aconchegante dos marlonbrandos, grandalhões e protetores. Seu sarcasmo é irresistível. Dormir a seu lado, nem tanto. Os marlons roncam.
Adoro conversar com os marlons. Sou íntima dos woodys. Mas os clints, como diria Manuel Bandeira, me invocam, me bouleversam, me hipnotizam. Meu reino pelos clinteastwoods.
São deliciosamente difíceis de conquistar, sabem agarrar uma mulher pela cintura como nenhum outro e mantêm na dose exata sua masculinidade: nem tanta que pareça machismo nem pouca que emule metrossexualidade. Os clinteastwoods são os antimetrossexuais por excelência. Nada de protetor 50 sob o calor causticante do deserto. A pele é assim mesmo, minha filha: marcada e curtida pelo sol e pelo tempo. Não gostou? Azar.
Acima de tudo, os clints são livres como o vento – e como todo homem deveria ser. A qualquer momento, podem pegar o cavalo e sair a galope. É preciso saber segurá-los a cada dia.
Eu só trocaria um clinteastwood por um marcellomastroianni: sensível como um woody, viril como um clint e protetor como um marlon. Mas os marcellos só existem no cinema, mesmo.

(Publicado originalmente na revista VIP em dezembro de 2005)


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(14) comentários Escrever comentário

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Elizabeth em 26/09/2012 - 10h25 comentou:

Junto-me reverentemente ao grupo das clinteastwoodianas.

Responder

Adriana em 26/09/2012 - 13h05 comentou:

Ah, como poderia existir um Marcello por aí….

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Lenir Vicente em 26/09/2012 - 13h23 comentou:

E Marcello é morto, cara mia.

Responder

Lenir Vicente em 26/09/2012 - 13h23 comentou:

Linda crônica!

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lucimara em 26/09/2012 - 15h00 comentou:

Ah, os Marcellos, como seria bom vivenciar o eqúilíbrio exato.

Responder

Piu Gomes em 26/09/2012 - 16h40 comentou:

Alguns podem piugomesear…

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    morenasol em 26/09/2012 - 17h27 comentou:

    hahaha. e como seria isso? ; P

guilherme em 26/09/2012 - 17h12 comentou:

Pelo leonardcohenzarção

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Ana em 26/09/2012 - 20h32 comentou:

Esta crônica é definitiva, Cynara! AMO!
Clint Forever 😉

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    morenasol em 27/09/2012 - 02h26 comentou:

    obrigada, querida. os marcellos não ficam atrás… ; )

Marcelo Radicchi em 31/10/2012 - 17h25 comentou:

Ótimo!!! Adorei!!! Tô mais pra Clint Eastwood… obviamente com alguns Km de distância do mestre!!! Abc!!!

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naoum em 31/10/2012 - 21h21 comentou:

e no cine nacional, não vai nada? E wilsongreyzianos, joselewgoynienses e mesmo ivancardosianos?

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Luciana Mendonça em 06/11/2012 - 16h08 comentou:

Tenho um clinteastwood na minha vida. Foi difícil lidar com este espetáculo todo. Eu me apeguei doidamente no começo, até sacar quem um homem assim não pertence a ninguém. Foi um aprendizado e está sendo uma delícia!

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Janio em 08/12/2012 - 20h12 comentou:

Caramba!

Vou correndo comprar um chapéu…hehe.

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