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Ida para o governo Bolsonaro orna com a visão punitivista medieval de Moro

Juiz da Lava-Jato se notabilizou pelo excesso de prisões provisórias para forçar delações, método que já foi comparado à tortura

Moro recebe a Ordem do Mérito Judiciário Militar no ano passado. Foto: José Cruz/Agência Brasil
Cynara Menezes
01 de novembro de 2018, 16h59

O juiz Sérgio Moro, que se notabilizou pelos excessos nas prisões provisórias para forçar delações e por permitir acorrentar pés e mãos de presos, além de espionar e vazar conversas privadas de seus investigados, aceitou o convite de Jair Bolsonaro e será o ministro da Justiça e Segurança Pública do novo governo. A ida de Moro para o governo do candidato a quem beneficiou diretamente ao condenar seu principal rival reforça a percepção de que a decisão de prender Lula foi política e também a expectativa de que Bolsonaro, com forte controle sobre as Forças Armadas e a Polícia Federal, instaure um estado policial no país utilizando os métodos que consagraram Moro em Curitiba.

Não foram poucas as críticas à forma como o futuro ministro da Justiça conduziu a Lava-Jato. O juiz conduziu Lula coercitivamente sem necessidade alguma, invadindo a casa do ex-presidente com policiais fortemente armados que levaram inclusive os tablets dos netos de Lula e Marisa. Moro chegou a divulgar ilegalmente uma conversa entre a presidenta Dilma Rousseff e Lula, dando um empurrãozinho ao processo de impeachment. Se o juiz foi capaz de espionar a própria presidenta da República, o que poderá autorizar que seja feito com cidadãos comuns à frente do ministério da Justiça?

Dilma, aliás, criticou a impropriedade da indicação.

Mantidos incomunicáveis, os presos da Lava-Jato não têm tido nem mesmo a oportunidade de dar entrevistas à imprensa. O ex-governador do Rio, Sérgio Cabral, preso há dois anos, nunca foi autorizado a falar com os jornais e TVs que solicitaram entrevistas e foi transferido de presídio, em janeiro deste ano, com os pés e mãos acorrentados, como um prisioneiro medieval, responsabilidade que Moro tratou de atribuir à Polícia Federal após a polêmica. Com Lula tem acontecido a mesma coisa: pedidos de meios de comunicação para entrevistar o ex-presidente são peremptoriamente negados e até personalidades internacionais amigas de Lula foram impedidas de vê-lo.

O método de Moro de manter presos provisórios indefinidamente para forçar delações foi comparado à “tortura” pelo ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes. “O abuso da prisão preventiva é enorme, é notório e precisa ser olhado. Não se pode usar prisão provisória para obter delação. Isso é tortura”, disse Gilmar. Outros criminalistas também disseram o mesmo: manter presos preventivamente por longos períodos para obter colaboração premiada é similar à tortura. Como Bolsonaro não tem nenhum problema com isso, pelo contrário, é um notório defensor de torturador, a estratégia tende a virar política de Estado.

“Não se pode usar prisão provisória para obter delação. Isso é tortura”, disse Gilmar Mendes. Como Bolsonaro é um notório defensor de torturador, a estratégia tende a virar política de Estado

Tanto Moro quanto seu futuro chefe advogam pelo punitivismo: penas de prisão cada vez maiores até para pequenos delitos, na contramão do moderno direito internacional, que prefere as penas alternativas. Enquanto no Brasil apenas 20,7% dos condenados recebem penas alternativas, em países da Europa os números são opostos: só 19% dos condenados britânicos cumpriram pena restritiva de liberdade; na Alemanha, 21% dos condenados foram para a prisão ou cumpriram a pena em regime aberto, os demais pagaram multa ou prestaram serviços à comunidade.

Esta visão desumanizada do cidadão que comete infrações, compartilhada por Moro e Bolsonaro, também tem objetivos mercantilistas por trás. Punir em excesso demanda logicamente a construção de mais presídios, o que nos permite prever que o promissor mercado das prisões privadas, que movimentam 5 bilhões de dólares anualmente nos Estados Unidos, logo se abrirá no Brasil. Juntando-se a isso a notória criminalização da pobreza pela extrema-direita, logo nos tornaremos campeões mundiais em encarceramento, sobretudo de jovens negros da periferia com baixa escolaridade. Já somos o terceiro colocado.

 


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(7) comentários Escrever comentário

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Fred em 01/11/2018 - 20h01 comentou:

Um astronauta e engenheiro do ITA (Ciência) para o Ministério da Ciência e Tecnologia.
Um economista para o Ministério da Economia!
Um general para o Ministério da Defesa…
Um juiz especializado e experiente no combate à corrupção e ao crime organizado (além de ser um “soldado” corajoso) como Ministro da Justiça!!!!!
Puxa vida! Que brilhantismo!

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Irlani em 02/11/2018 - 01h18 comentou:

Sérgio Cabral é um dos maiores cancros que já se passou pelo RJ, toda a desgraça que vemos hoje passou por suas mãos, defendê-lo é apoiar o pior que há nesse país! Lugar de bandido é na cadeia!!

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    Cynara Menezes em 02/11/2018 - 01h59 comentou:

    preso, OK. mas acorrentado, não

Euzinha em 02/11/2018 - 10h11 comentou:

Bolsonaro nomeou três réus em processos de corrupção. Segurou a mão de um condenado por pedofilia. Tem entre seus amigos Alexandre Frota, que confessou em rede nacional ter estuprado uma mulher. O próprio Bolsonaro em rede nacional confirmou ter recebido propina. Começou mal para quem quer combater a corrupção, não acha?

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Mauro Costa Assis em 02/11/2018 - 11h07 comentou:

O prêmio do inquisidor-geral O inquisidor-geral que impediu o principal adversário de Bolsonaro de concorrer às eleições presidenciais brasileiras, sr. Sérgio Moro, obteve agora o seu prêmio: foi convidado para ser ministro da Justiça do novo governo. Treinado em procedimentos de lawfare pelo Departamento de Estado dos EUA, no âmbito do International Visitor Leadership Program (https://eca.state.gov/ivlp), o sr. Moro ganhará assim mais poderes para continuar a perseguição seletiva às forças progressistas. A transformação do aparelho judicial numa força política ao serviço da reação tem sido condenada por centenas de juristas brasileiros. É assim que juízes reacionários brasileiros já se atrevem até a mandar a polícia apreender um manifesto apartidário de professores de uma universidade. Por sua vez, a prática instituída da “delação premiada” nada deixa a desejar aos processos da Inquisição medieval. A classe dominante brasileira provoca uma regressão civilizacional.

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Filipe em 03/11/2018 - 18h51 comentou:

Quem está acorrentado?

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Rogerio D Maestri em 04/11/2018 - 10h45 comentou:

A política é assente na questão do poder real e não no poder imaginário. Não podemos pensar que o rabo sacode o cachorro, pois desta forma chegaremos a conclusão que Bolsonaro ou Moro comandarão as forças armadas, e acho que esta análise cai neste erro.

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