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Manuela D’Ávila: “não reconheço a narrativa de frente de esquerda sem o PT”

Mas Manu também acha "péssimo" que Haddad alfinete Ciro pelos jornais: "ficar se digladiando é inadequado para os desafios que temos"

Manuela, Boulos e Laura com um amiguinho na CLACSO. Foto: divulgação
Cynara Menezes
28 de novembro de 2018, 22h18

No palco do I Fórum Mundial do Pensamento Crítico, em Buenos Aires, na semana passada, o secretário-executivo da CLACSO, Pablo Gentili, faz o mea culpa em nome dos homens que não estão ali com seus filhos, ao contrário da deputada brasileira que logo chamará ao microfone. “Manuela revolucionou essa forma de se expressar politicamente, aparecendo com sua filha Laurita em todos os lugares. Ser mãe e ser militante é parte de um processo de construção de um horizonte, de uma nova forma não só de fazer política como de construir a vida”, disse Gentili. “Mas a revolução na política só virá quando nós, homens, viermos com nossas filhas aos atos, não só quando nossas companheiras vierem com suas filhas.”

Comovida, Manuela D’Ávila o abraçou calorosamente antes de começar a falar. No palco, a pequena Laura, 3 anos, bebia água da garrafinha da mãe, bagunçava a mesinha em frente a ela e Guilherme Boulos, brincava com um amiguinho que descolou, corria pelo palco… E Manuela nem sequer perdia o fio da meada de seu discurso.

De fato foi algo nunca visto numa campanha política: primeiro como candidata a presidenta da República pelo PCdoB e depois como vice de Fernando Haddad, do PT, Manuela levou Laura a quase todos os compromissos de campanha durante um ano, no que foi “a experiência mais incrível” de sua vida, segundo a própria. Em todas as viagens em que Manu tinha que passar mais de duas noites fora, Laura ia junto, a princípio causando reações de estranhamento nos anfitriões.

“Diziam ‘ah, como assim? vai trazer a menina?’, como se fosse um problema. Mas as pessoas foram aprendendo, foram ajustando. A Laura foi aprendendo a ficar comigo quando tinha que ficar, a dormir às vezes na mesinha, no cantinho… E aos poucos isso foi mudando a vida de outras mulheres, porque comecei a ver mais mulheres com as suas crianças nos debates, nas palestras onde ia. Cansei de ouvir em palestra as pessoas reclamando de bebês chorando, quando na maior parte das vezes aquela era a única alternativa para aquela mulher estar ali, seja por não ter com quem deixar aquela criança ou porque ela trabalhou o dia inteiro e ela quer ficar com aquela criança”, diz Manuela.

Manu e Laura pelo Brasil. Fotos de Bruno Alencastro, Carol Caminha e Karla Boughof/divulgação

“Eu vi como é verdadeira aquela tese que diz que é preciso uma comunidade inteira para educar uma criança. Porque eu contei com abraços, com braços, com frutas, com brinquedos, de centenas de pessoas no país inteiro, que foram aprendendo a me acolher com a Laura. Eu brincava que sou a única política que ganhava massinha de modelar no Nordeste.”

Laurita aprendeu a se comportar, é verdade, o que não evitou histórias hilárias, como quando ela tentou avisar a mãe que queria fazer cocô em plena entrevista com o jornalista Bob Fernandes na TV Educadora da Bahia, ou quando perguntou ao governador de Pernambuco: “Minha mãe disse que tinha vindo para almoçar, não tem almoço nesse castelo?” A melhor: ao ver Haddad pela primeira vez no horário gratuito, Laura disparou: “Mamãe, olha, não é aquele seu amigo?”

No segundo turno das eleições, Manuela foi praticamente escondida pelo comando da campanha petista, por temor que atiçasse ainda mais as fake news da extrema-direita, que viu nela um alvo preferencial. Foram dezenas de notícias falsas, como a que teria usado camiseta com os dizeres “Jesus é travesti”…

…ou a montagem em vídeo em que Manuela “afirmava” querer acabar com os feriados cristãos. A famosa frase dos Beatles de que eram “mais famosos que Jesus Cristo” também foi atribuída a ela. E duas tatuagens, uma de Che e outra de Lenin, além de olheiras profundas, foram acrescentadas digitalmente em uma foto da candidata para prejudicar sua imagem diante do eleitorado conservador.

As “tatuagens” de Manuela

“Eu sempre fui alvo de muita mentira. Fui candidata muito nova, é a sétima campanha que eu disputo”, diz Manuela. “A diferença está na amplificação, no volume que essas mentiras alcançam nas redes sociais. Então a questão é saber quem financia as fake news. Quando estava grávida, viajei com o Duca (Leindecker, músico, seu marido), ele foi finalizar uns disco nos EUA e eu fui junto. Pedi uma licença rara na Assembléia do Rio Grande do Sul, uma licença que descontava todos os dias que ficasse fora, inclusive os feriados, dias que não tem sessão. E quando eu voltei rolava na internet, já com muita dimensão, uma ida minha a Miami para fazer enxoval, e eu não conheço Miami nem fiz enxoval para Laura. Achei graça, mas depois me dei conta que todo mundo acreditava naquilo. Cheguei a ser agredida num show em Garibaldi porque tinha feito enxoval em Miami. Aí comecei a perceber que tinha uma estrutura muito forte por trás disso.”

Manuela conta ter alertado o PT no início da campanha que isso ganharia uma dimensão muito grande, porque ia de encontro aos padrões misóginos dos criadores de fake news que gravitavam em torno do candidato Jair Bolsonaro. Para ela, o comando da campanha subestimou o poder das notícias falsas que, diz, foram o “principal elemento” da derrota. “Nós derrubamos na Justiça 70 perfis com mentiras. Esses 70 perfis foram compartilhados 300 mil vezes e alcançaram 13 milhões de pessoas. É uma audiência invejável para qualquer jornal. Eles subiram a fake news no programa final do Bolsonaro e na Record no minuto da Universal. Foi um sistema montado que foi subestimado. Só no segundo turno nós conseguimos convencer a campanha a tratar desse assunto na televisão.”

Acho errado imaginar uma ação que não debata com o PT o futuro de nosso campo, assim como acho péssimo o PT, através de Haddad, fazer avaliação da incapacidade de Ciro de construção de unidade pela Folha e não da incapacidade própria do PT de ampliar e construir a frente

“Foi subestimado o peso que isso teria, foi reproduzido para as redes um padrão muito de comunicação tradicional, subestimando o papel, o peso e a estruturação dessas redes de mentiras. ‘Capaz que alguém vai acreditar no kit gay’, ‘capaz que alguém vai acreditar na mamadeira com pinto’. Mas acreditaram.” O resultado da incapacidade de lidar com as fake news foi que Manuela acabou “substituída” na reta final pela esposa de Haddad, Ana Estela, num “primeiro-damismo” inédito nas campanhas petistas. No total, as aparições de Manuela não somaram um minuto nos programas de TV do candidato no segundo turno.

Um mês após a eleição, Manuela D’Ávila diz sentir um misto de emoção com o que foi a campanha nos últimos dias até hoje (“as pessoas pedem para me abraçar, choram, tem sido um momento de muito encontro, no sentido político, filosófico, mas também físico”), e a preocupação com o futuro do país. “Por um lado, é bom saber que somos muitos e que caminhamos juntos, e por outro há essa expectativa, essa tensão do que vai ser na vida real esse conjunto de ameaças à democracia que foram feitas durante a campanha eleitoral.”

Parlamentar experiente, Manuela acha que Bolsonaro não terá dificuldades em impor sua agenda no Congresso, até porque já se aliou à velha política que antes criticava, representada por Michel Temer e seus emedebistas com um pé no futuro governo, além das raposas do DEM. “Espero que tenhamos força na sociedade para garantir que a Constituição de 1988 seja resguardada”, diz. “E que tenhamos capacidade para construir uma frente ampla em defesa da liberdade e da democracia”.

Pergunto a ela o que acha das alfinetadas que estão sendo trocadas dentro dessa “frente” que ainda nem se concretizou entre o líder do PCdoB na Câmara, deputado federal Orlando Silva, e Haddad. “Eu não reconheço essa narrativa de frente de esquerda sem o PT. Acho que nosso campo tem que parar de falar pela imprensa e de tirar consequências políticas pelo que sai ali. Isso só serve a quem 1) quer isolar aliados e 2) quer construir diferenças e não pontes entre nosso campo”, responde a comunista.

“As duas são irresponsabilidades muito grandes diante do que estamos vivendo e viveremos. Nós temos bloco dentro da Câmara há mais de década. Acho errado imaginar uma ação que não debata com o PT o futuro de nosso campo, assim como acho péssimo o PT, através de Haddad, fazer avaliação da incapacidade de Ciro de construção de unidade pela Folha e não da incapacidade própria do PT de ampliar e construir a frente. Ou seja, ficar se digladiando agora é postura inadequada para os desafios que temos.”

 

 


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(13) comentários Escrever comentário

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Osmar Antonio KnobN em 28/11/2018 - 23h03 comentou:

Ninguém aguenta mais esta esquerda.Eles não admitem seus erros,mas querem achar defeitos nos outros, onde não tem.Mas a justiça tá de olho,se não a humana,a Divina.

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Leke em 29/11/2018 - 07h30 comentou:

Engraçado, Manu esquece que Temer era vice de Dilma e derrubou ela. Se o PT fez aliança com essas cobras, porque Bolsonaro não faria?
Outra coisa. Resguardar a constituição de 1988 é o que o PT também deveria fazer, porém a proposta do ex candidato Haddad era mudar a constituição. Como que agora pregam a manutenção?
São todos um bando de hipócritas que reclamam de tudo que lhe convém e esquecem de fazer o que é certo quando tem a chance.
Quanto a presença da Laura em ambiente político, espero que Deus tenha piedade dessa criança porque sem educação e sendo obrigada a participar de discursos intolerantes vai virar uma adulta tão avessa e hipócrita quanto a mae.

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Armando em 29/11/2018 - 08h33 comentou:

O recalque da ex querda eh hilário….

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Sturt em 29/11/2018 - 09h55 comentou:

Mas o Ciro começou atacar Haddad e o PT ainda no primeiro turno. Haddad deu entrevista para Folha, ele deveria ter falado da incapacidade do Ciro numa reunião fechada ou num encontro de esquerda? A eleição já acabou, não precisamos ver o que deu errado para acertar? Haddad disse que não conseguiu falar com Ciro até hoje. Ou seja, o que sabe das declarações de Ciro, foi pela imprensa.

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mcn em 29/11/2018 - 09h56 comentou:

A autocrítica que a direita/Folha quer é a do tipo religiosa, com Haddad ajoelhado no lodo pedindo perdão para eles, os puros.
Não vai ter.
As esquerdas fazem autocrítica o tempo inteiro. Valter Pomar, da direção nacional do PT, publicou análises muito duras sobre seu próprio partido, logo após o resultado da eleição e depois. Outros o fizeram, inclusive o Zé Dirceu.
As esquerdas fazem autocrítica, mas não somos deuses. Somos mulheres e homens dispostos a dar o melhor pelo bem comum da sociedade brasileira, como D’Ávila e Haddad. Mas, nem sempre acertamos ou damos conta de todas os os desafios.
Posto isso, vamos ao que interessa.
A candidatura PT/PCdoB abriu um leque de oportunidades para ocupação de um campo político e ideológico que ainda permanece vazio no cenário brasileiro: o campo da Social Democracia. Ambos os partidos, PT e PCdoB são partidos democráticos; reformistas, mas não revolucionários. Ambos defendem o aprimoramento do regime capitalista combinado com um Estado de Bem Estar Social, pelas vias institucionais. Ambos partidos, portanto, diferente do governo eleito, são legalistas, republicanos e defensores da Constituição Federal.
Esse o campo a ser explorado, o da Social Democracia. Esse é o Brasil que o povo brasileiro merecemos por tantos sacrifícios e dores que temos suportado. Sozinhos e dividos, contudo, seremos frágeis. Esse consenso precisa também ser articulado de fora para dentro, com parcerias internacionais robustas que nos auxiliem a enfrentar a força imperialista decadente, mas ainda letal, que nos oprime. Precisamos de um horizonte que vá além da disputa eleitoral.
Nós viemos para ficar. Não somos do partido de quem destrói, mata, odeia, delata, trai, rapina e enriquece com o dinheiro do povo. Nós sabemos sonhar e sabemos lutar.
Queremos uma pátria justa e boa para todos, como sonhou Lula, cujas ideias nunca serão aprisionadas.

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Celso Orrico Filho em 29/11/2018 - 12h11 comentou:

Oxe, Manuela parece que não ver as patadas que Ciro dá no PT pelos jornais, quer que o PT fique apanhando e calado..mais água no moinho da Direita, é uma pena..

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Joca em 29/11/2018 - 12h53 comentou:

Cynara, faça uma reportagem sobre a participação da Manuela na homenagem/boicote a feminista uruguaia sequestrada há 40 anos. As acusações são surpreendentes.

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Sergio em 29/11/2018 - 16h39 comentou:

Tje! Toma Ciro e Cid! E agora?

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Thelma Gomes em 29/11/2018 - 17h50 comentou:

Osmar, sabemos e admitimos nossos erros. Contudo NÃO os apresentaremos no palco sujo da direita. São assuntos e avaliações internas. Quanto aos defeitos do seu lado, o sofrimento do povo os demonstrará. E por favor, deixa Deus fora disso….

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Núbia Rios Ferreira Lula da Silva em 30/11/2018 - 17h23 comentou:

Nós as mulheres sentimos muito sua falta na campanha, vc tinha que ter aparecido mais, as mulheres procuranvam por Manu…

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Daniele em 30/11/2018 - 22h37 comentou:

O pt tem que pedir desculpas é pro povo, e pro favelado que votou no Bolsonaro pq foi abandonada pelo pt, e pela sujeirada e corrupção. Vão perder de novo seguindo essa linha e levar a gente junto

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Sérgio Montmorency Pestana em 01/12/2018 - 18h51 comentou:

MCN, sua análise foi perfeita diante de muitas manifestações postadas mais emotivas do que política. Permita-me dizer que a esquerdalha pouco analisa as causas e prefere focar os efeitos. sem aprofundar estes a não ser críticas rasteiras às atuações da Manuela e de Haddad. Concordo que Haddad não deve mais ficar trocando figurinhas com Ciro, pois é isso que ele e seus acólitos desejam e querem, ou seja, se viabilizar como uma alternativa à esquerda. Como? Com acenos à direita, aliás de onde veio e é sua origem. Temos que caminhar, digo, a esquerda se organizar interna e externamente para tensionar o momento e assim conseguirmos um projeto factível de ser construído com vistas ao bem-estar social dos povos, principalmente os mais atingidos pelas politicas excludentes da direita fascista.

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Marcos Ferreira em 04/01/2019 - 16h08 comentou:

mensonges du féminisme.
mentiras do feminismo.
a falsidade do feminismo.

O feminismo é prova de lógica? Suportaria ser posto à prova? Sua retórica se levanta ao escrutínio? Em um estilo tingido de humor e sarcasmo, a ex-feminista Lucia Canovi destaca os sofismas e inconsistências do chamado feminismo “universalista”. Um feminismo que defende a saia para homens e a mini-saia para mulheres que andam sozinhas à noite …
Este ensaio refrescante e estimulante fornece as chaves para identificar os pontos fracos da argumentação feminista.

A propos de l’auteur:

Laureada de seis prêmios literários e agregados por literatura moderna, Lucia Canovi é autora de 32 livros nas áreas de psicologia, desenvolvimento e questões sociais. Suas obras são traduzidas para inglês, alemão, espanhol, italiano, português, holandês e japonês. Mais e mais leitores apreciam seu bom senso e sua coragem intelectual, bem como seu estilo marcante com um toque de humor.

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