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O editorial COVARDE do Estadão. Ou: uma vez golpista, sempre a favor da censura

Os leitores democráticos que porventura O Estado de S.Paulo ainda possui devem ter tido um déjà vu neste domingo, 29 de maio, ao se depararem com os editoriais do vetusto jornal da família Mesquita. Quem, como eu, não lê mais jornais impressos por não se sentiu representado por uma mídia que só reflete os interesses da […]

Cynara Menezes
30 de maio de 2016, 16h58
estadaogolpe2

(A capa do Estadão após o golpe de 1964: “democratas” ontem e hoje)

Os leitores democráticos que porventura O Estado de S.Paulo ainda possui devem ter tido um déjà vu neste domingo, 29 de maio, ao se depararem com os editoriais do vetusto jornal da família Mesquita. Quem, como eu, não lê mais jornais impressos por não se sentiu representado por uma mídia que só reflete os interesses da elite ficou enojado. Em dois dos editoriais publicados, o Estadão comete um grave atentado à liberdade de imprensa e de expressão, ao vituperar contra jornalistas e blogueiros que não coadunam com o pensamento de extrema-direita do veículo e da parcela da sociedade que ele representa. A ABI (Associação Brasileira de Imprensa) e a Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas) têm a obrigação de se pronunciar.

Em vez de mirar sua metralhadora em direção a líderes políticos ou outros donos de jornais, o Estadão alveja trabalhadores do jornalismo, a quem chama de “delinquentes”. Chega a citar no editorial o nome do repórter norte-americano radicado no Brasil Glenn Greenwald, um contundente crítico do golpe parlamentar, apoiado pela imprensa nativa, que arrancou uma presidenta legitimamente eleita do poder. O objetivo do editorial é claro: como fez em 1964, adular e defender com unhas e dentes a “legitimidade” do governo de Michel Temer, que as reportagens, artigos e entrevistas de Greenwald têm colocado sob suspeição perante o mundo dito “civilizado”. Como se falasse em nome do governo, o jornal se mostra preocupado com a tarefa árdua que terá o Itamaraty para limpar a imagem dos golpistas lá fora.

Mais: de maneira covarde, o Estadão lança mão da pérfida estratégia de usar o termo “ativista” para se referir a Greenwald, abrindo uma brecha à sua expulsão do País, já que a lei proíbe a estrangeiros o envolvimento na política nacional. Não custa recordar que, em abril, pouco antes do afastamento da presidenta Dilma Rousseff, a Federação Nacional dos Policiais Federais soltou uma estranha nota “lembrando” aos estrangeiros esta proibição. O jornal parece querer repetir, assim, a insidiosa campanha feita nos anos 1950 contra um jornalista “mal nascido” que ousou desafiar os milionários donos da mídia no Brasil: Samuel Wainer, não por coincidência “acusado” de ser estrangeiro e que teve seu jornal, Última Hora, perseguido até a ruína.

O jornal dos Mesquita também arremeteu contra um colega de Greenwald no site The Intercept, apenas por ter cumprido seu papel como jornalista: “apertou”, como qualquer bom repórter faria, o porta-voz do Departamento de Estado dos EUA sobre as circunstâncias questionáveis em que se deu o impeachment de Dilma e o apoio do governo de Barack Obama a um possível complô de corruptos para derrubar uma presidente honesta, como ficou explícito após a divulgação de conversas telefônicas dos políticos investigados pela Lava-Jato que arquitetaram o golpe, com o beneplácito da mídia.

Não satisfeito, em outro editorial, Blogueiros chapa branca, o Estadão ataca os blogueiros de esquerda que estiveram reunidos em Belo Horizonte, com a presença da presidenta Dilma. Em um texto que parece escrito não por um editorialista sério, mas por um blogueiro da Veja, o jornal teve a pachorra de escrutinar cada ponto do documento saído do encontro para espinafrá-lo. A diatribe contra os blogueiros deixa patente dois fatos inegáveis: o pouco apreço dos Mesquita pela liberdade de expressão e o incômodo que a mídia alternativa está representando para a meia dúzia de famílias que detém a “grande” imprensa no Brasil e para o golpe que ela apóia. A mídia hegemônica já não é a única voz e nem a mais difundida; por isso vão tentar nos calar.

De forma hilária, o Estadão, que se tornou uma espécie de Assessoria de Comunicação (Ascom) à paisana do governo ilegítimo de Michel Temer, chama os blogueiros de “chapa branca”. Como chapa branca, se somos oposição desde o primeiro minuto do governo provisório? Quem está cotidianamente bajulando Temer são os jornalões, a começar pelo Estadão e por O Globo. “Chapa branca” é quem se posiciona a favor de um governo. Não cabe mais este epíteto aos blogueiros e jornalistas de esquerda, e sim a quem usa inclusive editoriais para puxar o saco descaradamente do atual ocupante do cargo. A famosa frase de Millôr que eles repetiam contra nós (“jornalismo é oposição, o resto é armazém de secos e molhados”) foi revogada desde que Temer chegou ao poder.

Seria estarrecedor, não fosse previsível, assistir aos mesmos veículos que se queixavam das “tentativas de censura” do PT por defender a democratização dos meios de comunicação no país, insultar jornalistas independentes, que não têm por trás de si nada além do talento e do público que conquistaram com seu trabalho honesto. É surreal ver os mesmos jornais que criticavam Lula por seu desprezo em relação à imprensa burguesa lançarem petardos furiosos contra reles blogueiros, cuja existência não deveria nem sequer perturbar meios de comunicação centenários. Ou o fracasso lhes subiu à cabeça?

Em 2010, quando ainda era presidente, Lula criticou a “grande” imprensa que sempre o perseguiu por “se comportar como partido político” e foi alvo de uma raivosa nota da ANJ (Associação Nacional dos Jornais), o órgão patronal dos veículos de comunicação. “O papel da imprensa, convém recordar, é o de levar à sociedade toda informação, opinião e crítica que contribua para as opções informadas dos cidadãos, mesmo aquelas que desagradem os governantes”, dizia o texto da ANJ. Pelo visto, o Estadão acha que esta premissa não cabe a jornalistas e blogueiros que não estejam na folha de pagamentos da mídia golpista.

Não se pode esquecer que o jornal dos Mesquita só deixou de apoiar a ditadura militar, da qual foi entusiasta de primeira hora, quando passou a sofrer, ele mesmo, censura. Como, desta vez, parece pouco provável que os golpistas se voltem contra seus parceiros, restou ao Estadão o papel ultrajante de sugerir censura e caça às bruxas a jornalistas e blogueiros de oposição.

 

 


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