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O que querem é tirar Bolsonaro do poder ou domesticar Bolsonaro?

As dúvidas de Lula sobre as intenções do Estamos Juntos deveriam levar à criação de uma frente de esquerda contra Bolsonaro e Guedes

Irmãos siameses. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Cynara Menezes
04 de junho de 2020, 11h37

Lula mais uma vez foi atacado pela mídia comercial e por setores da esquerda por se recusar a assinar um manifesto “pela democracia” que exclui os trabalhadores e não cita o desmonte de direitos desde o golpe contra Dilma –não cita nem mesmo Jair Bolsonaro.

Muitas das críticas a Lula por não assinar o manifesto do “Juntos” foram feitas como se o objetivo fosse o impeachment de Bolsonaro. “Lula não quer se unir contra Bolsonaro”, disseram. Mas nada indica que seja esta a intenção do movimento

Em todos os veículos de comunicação as chamadas foram na mesma toada, dizendo que Lula “criticou” os manifestos e até que “debocha” deles. Detalhe: as críticas partiram de gente que, dois meses atrás, atacou o governador João Doria por “se associar” a Lula contra o coronavírus e que, em 2018, rejeitou se unir a Fernando Haddad contra o mesmo Bolsonaro, dizendo ser “uma escolha muito difícil”. Haddad, diga-se de passagem, assinou o tal manifesto.

Mas quem assistir ao vídeo de Lula na íntegra vai perceber que há, na reticência do ex-presidente ao manifesto, um fato concreto: muitos dos que estão ali –que se calaram ou mesmo votaram em Bolsonaro e se arrependeram– estão torcendo o nariz para o presidente troglodita que ajudaram a eleger, não para a agenda econômica do ministro da Economia, Paulo Guedes. Agem como se Bolsonaro fosse “sujo”, mas Guedes, um pinochetista declarado, fosse “limpinho”. E Lula se mostra desconfiado de que uma parte dos subscritores do manifesto na verdade o que deseja não é tirar Bolsonaro do poder e sim domesticá-lo.

“Eu estou percebendo uma coisa muito grave: o que eles estão tentando é apenas reeducar o Bolsonaro, mas não querem reeducar o Guedes, o Guedes que continue fazendo toda a maluquice que faz na economia, que venda todo o patrimônio público, que minta para a sociedade sobre o futuro do Brasil, sobre o investimento privado”, disse Lula. “Muitas dessas pessoas não estão querendo tirar o Bolsonaro, não. Estou vendo no editorial de O Globo que eles estão até pensando em fazer um acordo para o Bolsonaro ficar, porque o que interessa para a elite brasileira é a política do Guedes, a política de desmonte do Guedes.”

O editorial do jornal O Globo citado por Lula saiu no domingo, 31 de maio, véspera da reunião do diretório onde o ex-presidente fez as ponderações. Lá, os Marinho falam que “os democratas precisam conversar” e defendem textualmente que o processo deve incluir Bolsonaro. “Esta via política não deve excluir Bolsonaro, que, por sua vez, precisa fazer um gesto pelo entendimento, a melhor alternativa também para ele e seu governo. Com a pacificação, o presidente abrirá espaços de negociação no Congresso, para além do centrão, a fim de executar sua agenda, paralisada, como tudo, devido à crise política”, diz o jornal.

Ora, então Lula tem toda razão ao ficar com a pulga atrás da orelha com um movimento que se diz “pela democracia”, mas não cogita tirar Bolsonaro do cargo. Observem que o ex-presidente não critica “todos” os manifestos, como quer a mídia comercial, mas apenas o do Movimento Estamos Juntos. O Basta!, dos juristas, critica diretamente Bolsonaro, que “exerce o nobre mandato que lhe foi conferido  para arruinar com os alicerces de nosso sistema democrático, atentando, a um só tempo, contra os Poderes Legislativo e Judiciário, contra o Estado de Direito, contra a saúde dos brasileiros, agindo despudoradamente, à luz do dia, incapaz de demonstrar qualquer espírito cívico ou de compaixão para com o sofrimento de tantos”. Mas não teve o destaque do outro.

“O manifesto Basta!, dos advogados, recebeu o rodapé dos jornais. O manifesto dos ‘Juntos’ ocupou quase três minutos do Jornal Nacional e nos outros também. Fiquei pensando que a Globo tinha ajudado a fazer o manifesto ou era uma coisa muito ligada à Globo”, criticou Lula. “A gente precisa ter consciência do que está por detrás disso. Nós queremos tirar o Bolsonaro porque queremos que o povo brasileiro volte a sorrir, a ter emprego, a acreditar, que o Brasil volte a ser protagonista internacional, que volte a ser respeitado, que o povo possa tomar café, almoçar e jantar todo dia. E eu não sei se é isso que estão querendo.”

A luta “pela democracia” não precisa ser feita numa frente unificada. Podemos muito bem criar uma frente de esquerda contra Bolsonaro e Guedes que se junte ocasionalmente à frente da direita liberal pró-Guedes contra Bolsonaro

“A gente percebe que são manifestos feitos com boas intenções, tem muita gente boa assinando o manifesto, mas também tem gente que está fugindo do barco. E ninguém fala dos direitos perdidos dos trabalhadores. Tem um debate organizado pelos mesmos tucanos que organizaram o ‘Direitos Já’ lá no Tuca. Mas eles acabaram de tirar os direitos dos trabalhadores. E agora estão dizendo que vão fazer debates por direitos?”

Estas observações fazem todo sentido, porque muitas das críticas a Lula por não assinar o manifesto do “Juntos” foram feitas como se o objetivo fosse o impeachment de Bolsonaro. “Lula não quer se unir contra Bolsonaro”, disseram. Mas nada indica que seja esta a intenção do movimento. A dúvida de Lula é coerente: temos que estar unidos para tirar Bolsonaro do cargo, mas é isso mesmo que os organizadores do movimento Estamos Juntos querem? Por que então não citam o presidente? Bolsonaro é citado, sim, em outro manifesto, do Pacto Pela Democracia. “É preciso reconhecer de forma inequívoca que a ameaça fundamental à ordem democrática e ao bem-estar do país reside na própria Presidência da República”, diz o texto.

Não faz sentido que o PT e a esquerda sejam obrigados a se aliar automaticamente a movimentos de centro-direita contra Bolsonaro –e cujo “anti-bolsonarismo” no futuro se revele fake, porque não há como dissociar Guedes de Bolsonaro

O alerta de Lula ao PT e à esquerda de maneira geral é para que não nos unamos em um movimento que esconde aonde exatamente quer chegar. Não faz sentido que o PT e a esquerda sejam obrigados se aliar automaticamente a movimentos de centro-direita contra Bolsonaro –e cujo “anti-bolsonarismo” no futuro se revele fake, porque não há como dissociar Guedes de Bolsonaro. Partidos como o PSDB e o DEM, hoje alinhados em manifestos “pela democracia”, votaram em peso a favor das reformas de Guedes que prejudicam os trabalhadores, ao contrário do PT, PCdoB e do PSOL. Aprovar a agenda econômica do governo no Congresso enfraquece ou fortalece Bolsonaro?

A luta pela democracia não precisa ser feita numa frente unificada. Podemos muito bem criar uma frente de esquerda contra Bolsonaro e Guedes que se junte ocasionalmente à frente da direita liberal pró-Guedes contra Bolsonaro. O que precisamos, urgentemente, é de agendas claras nestes manifestos. Ou nós, progressistas, vamos continuar sendo arrastados para lutas que não são as nossas. Luiz Inácio avisou.

 


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João em 04/06/2020 - 16h08 comentou:

Pode se falar o que quiser, o que realmente importa em todos os manifestos apresentados é a mensagem e os princípios neles contido, ao negar o manifesto você não está negando as pessoas que o assinam mas a mensagem em si.
Onde está o erro na mensagem que defende os princípios democráticos? Que exigem o respeito às instituições?
Talvez manifestos sejam sozinhos insuficientes para derrubar o Bolsonaro, mas em conjunto com outras forças e outros movimentos, ganha sim certa força e a abrangência de agregar setores distintos da sociedade.
Nada justifica tal atitude da diretoria do PT que não um ressentimento mesquinho e um sentimento hegemônico.

Responder

Washington Luiz de Araújo em 04/06/2020 - 19h50 comentou:

Texto perfeito. Lúcido, claro.

É de se lamentar que alguns integrantes de esquerda se incorporem ás críticas feitas à Lula.

Não percem que querem fazer a esquerda, como já fizeram de outras vezes, boi de piranha.

Parabéns, Cynara.

Responder

Augusto Reis em 06/06/2020 - 15h36 comentou:

concordo em número gênero e grau, e digo mais, já era hora já.
*a questão é q tem de ser, tudo depois q a pandemia passar.

Responder

Raimundo Nonato em 08/06/2020 - 13h50 comentou:

QUEM TEM MEDO DO CENTRÃO
È muito próprio da política , suas excelências se protegerem e alguns para não dizer muitos interesses são convergentes entre eles , principalmente quando está em jogo os seus bolsos , aí a união é unânime .
Com a “ a velha nova política “do presidente atual , tornou se inevitável a ascensão de um grupo de deputados de dezenas de partidos , chamados nanicos , uns não tão nanicos assim . Com apetites enorme no orçamento da união . Esse grupo que gira em torno de 250 deputados , é a salvaguarda dos impichavéis ( vamos dizer assim ) . Troca a verdade pela mentira remunerável .
Ouve se dia e noite nos meios de comunicações , não só na mídia hegemônica como na progressista . “ O centrão é isso ou aquilo “ , o centrão amealhou cargos importantes no governo , o centrão vai defender o governo contra afastamento do presidente , etc, etc .
Fiz um tour nos sites e blogs alternativos e da mídia progressista em vários meios de comunicação . Fala se muito de centrão é verdade , mas quem é centrão ? Quem são os componentes do centrão : Partidos e deputados ?. Isso ninguém esclarece , fala se pontualmente em um ou outro político quando é nomeado .
Na parte dos comentários dos sites e blogs , e até blogs de políticos ,pedi que nominassem quem é o centrão , partidos e deputados , e se possível os estados que representavam .
Fazem mais de sessenta dias nenhum deles divulgou nada sobre o centrão .
A representatividade do centrão com quase cinqüenta por cento da câmara , realmente é devastador , sem eles nenhum ocupante do poder executivo exerce a maioria no congresso .” É a fisiologia como fiel da balança da democracia “. É mais que uma rima .

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