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O senso de justiça do brasileiro não perdoa vira-casacas como Moro

O ex-ministro de Bolsonaro é um jogador calculista, mas sua estratégia de se colocar como vítima pode ser sua criptonita

Sérgio Moro e Bolsonaro na cerimônia de diplomação, em 2018. Foto: Roberto Jayme/Ascom/TSE
Lucas Porto
04 de maio de 2020, 18h17

Moro aceitou ser ministro –não do STF, mas da Justiça– porque estava cansado de “levar bola nas costas”. A metáfora futebolística é de sua própria lavra e descreve bem o que ele sempre fez de melhor: é um jogador calculista. Mas parece que nem sempre ele consegue se adaptar a todos os campos e às difíceis condições de jogo.

Quando deixou de ser pedra para se tornar vidraça pela primeira vez, ele reclamou do Intercept, que, segundo ele, fazia suas revelações “a conta-gotas” com o fito de fragilizar os resultados alcançados pela Lava Jato, que ele comemorava e que sustentavam sua moralidade. Acostumado ao efeito benzetacil da sua caneta seletiva, Moro não digeria bem as doses homeopáticas do Intercept, cujas revelações, aliás, não tiveram o alcance prometido –não a ponto de cindir uma base passional que erguia o muro de arrimo do ex-juiz. Moro, porém, nunca se constrangeu com a possibilidade de seu paciente morrer pela clínica que ele vendia e aplicava a título de cura.

As contínuas edições do BBB costumam provar que o senso de justiça dos brasileiros –ou apenas desses telespectadores– se compadece com aqueles que se tornam vítimas, mas não tolera o vira-folha, ou vira-casaca, sinônimo usado em algumas partes do país

As canetadas que Moro usava contra o vírus da corrupção que dizia combater em nome da República desapareceram junto com o Queiroz –me refiro a esse republicanismo mais recente, difundido a partir de Curitiba, não àquele que foi renovado pela Constituição de 1988. Mas Moro não quis sair de campo e sabia da importância de continuar jogando para a torcida: se prestou a desfilar em tanques de guerra durante o motim da Polícia Militar no Ceará e só faltou fazer mira com os dedos para se mostrar próximo do bolsonarismo mais caricato.

No cisma recente, e ao que tudo indica definitivo, que protagonizou com o presidente, Moro também apostou em jogar para os seus. Só que dividiu a torcida. Ao divulgar as conversas com seus superiores e até com uma comadre aliada, Moro infringiu as regras do jogo –sempre em nome de um alegado espírito de autopreservação, que ele jura ser coletivo. A mesma tática usada pelo moleque Neymar, que a esta altura até mesmo Galvão Bueno sabe não se tratar de um menino. Quando o jogador divulgou suas conversas com a moça que o denunciava por tentativa de estupro, apostou numa tática dos gramados: a “invertida”. Afinal, só estaria usando da mesma arma que usaram contra ele, assim, a ilegitimidade de um, anularia a do outro. Cuidar para tornar menos visíveis às volúpias da moça não foi um paliativo para o seu excesso, mas Neymar parece ter escapado dessa. Afinal, sobre Neymar não incidiu o agravante qualificador da premeditação.

Bom jogador, afamado quadro técnico do governo que sustentou, Moro sabia muito bem o tipo de prova que não devia produzir contra si. Nesse caso, o potencial efeito destruidor de tudo aquilo que ele reteve contra Bolsonaro vai acionar contra o próprio Moro uma suspeição: desde quando ele agia com intenções ao divulgar as conversas que manteve com seus pares e então “aliados”? Ou pior: desde quando negligenciou uma denúncia, exigência não apenas de seu cargo, mas do personagem que criou para si? E não custa lembrar que a conveniência de vazamentos seletivos não incorpora nenhuma novidade à sua trajetória. Só que nesse caso a comparação com Neymar já não teria sentido. Sua arapuca faz mais sentido se analisada à luz das estratégias desesperadas de Joesley Batista, que com toda a premeditação gravou sua conversa com Temer nos porões do Jaburu. Joesley, já se sabe, queria livrar a si e a suas empresas da prisão e da falência. E Moro atenderia a quem com sua infiltração? A si próprio, como um ególatra que não esquece 2022? Ou aos grupos políticos que em parte da opinião pública são reincidentes, mas que sempre escaparam ao crivo da Lava Jato?

O potencial efeito destruidor de tudo que Moro reteve contra Bolsonaro vai acionar contra o próprio Moro uma suspeição: desde quando agia com intenções ao divulgar as conversas que manteve com seus então "aliados"? Desde quando negligenciou uma denúncia, exigência não apenas do cargo, mas do personagem que criou para si?

As contínuas edições do BBB costumam provar que o senso de justiça dos brasileiros – ou apenas desses telespectadores –se compadece com aqueles que se tornam vítimas, sem que qualquer uma delas precise ostentar qualidades que lhes abram as portas do céu. Vítimas contam com boa dose de condescendência e só não cito exemplos retirados das últimas edições do BBB porque revelar conhecimento de causa nessa seara pode colocar em risco a mínima inteligência que se espera alcançar com essas linhas. De superministro à vítima do sistema que Bolsonaro desistiu de tentar combater: é o que Moro tenta rogar para si. E há quem acredite nisso.

Porém, mesmo os entusiastas mais aferrados ao atual sentido que a amarelinha carrega –espera-se que não para sempre–, não toleram o vira-folha, ou vira-casaca, sinônimo usado em algumas partes do Brasil. E se Moro quis continuar vestindo a toga que sempre aceitou de super homem paladino da Justiça, seus novos vazamentos podem ser sua criptonita. Quanto ao coração partido que um lastimoso Bolsonaro reclamou em rede nacional, recomenda-se doses de Aldir Blanc:

“Alguém entrou no meu peito agora/Mas só depois vou saber quem é”.

(Amigos Novos e Antigos, Aldir Blanc e João Bosco)

Lucas Porto Marchesini Torres, historiador, é autor de Estratégias de uma esquerda armada: militância, assaltos e finanças do PCBR na década de 1980 (EDUFBA, 2017)

 


(2) comentários Escrever comentário

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Silvio Carlos em 05/05/2020 - 14h31 comentou:

Se esse país fosse sério os dois, Moro e Bolsonaro, estariam na cadeia!

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Carol S. em 05/05/2020 - 21h32 comentou:

Excelente! Exatamente isso, deu um tiro no próprio pé. Desde quando negligenciou e guardou provas e porque não mostrou antes? Qual era o seu interesse por trás de tudo?

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