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Ponte para o passado: Fieszinho de Temer exclui pobres das universidades

Número de novos contratos do Fies é o menor dos últimos seis anos, um duro golpe na trajetória de inclusão iniciada nos governos petistas

Foto: Marcelo Sant'Anna/Imprensa MG
Danilo Molina
17 de maio de 2018, 18h01

Passou quase despercebida por parte da grande mídia a informação, divulgada pelo G1 no último domingo, 13 de maio, sobre a queda no número de contratos do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), ao longo do governo ilegítimo de Michel Temer. De acordo com a reportagem, o número de novos contratos do programa, firmados no ano passado, é o menor dos últimos seis anos.

Os dados do G1, obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação junto ao FNDE, órgão vinculado ao próprio Ministério da Educação, apontam que, em 2017, o Fies teve 170.905 novos contratos, uma redução de 22.454 contratos em relação ao ano anterior. Quando comparada com 2015, o último ano de governo da presidenta eleita Dilma Rousseff, a queda é ainda maior, um total de 102.891 contratos a menos.

Essa brusca redução no número de novos contratos do Fies é um duro golpe na trajetória de inclusão, especialmente dos estudantes mais pobres, na educação superior brasileira.  Foi justamente para enfrentar a questão da renda que o programa foi reformulado e expandido ainda no governo Lula, em 2010, quando ganhou prazos mais longos, carência e juros favorecidos.

Em 2017, o Fies teve 170.905 novos contratos, uma redução de 22.454 contratos em relação ao ano anterior. Quando comparados ao último ano de Dilma, 2015, a queda é ainda maior, um total de 102.891 contratos a menos

A partir da reformulação, o Fies passou a desempenhar papel estratégico no conjunto de políticas públicas educacionais de combate ao imenso atraso educacional do país e também à gigantesca demanda por acesso e permanência na educação superior. Caracterizando-se como ação de maior impacto no enfrentamento da questão da falta de renda, o Fies contribui, desde 2010, para a permanência e para o acesso de 2,4 milhões estudantes à educação superior.

A relevância social do Fies é comprovada pelo dado de que 96,8% dos estudantes beneficiários do programa são de família com renda per capita de até três salários mínimos e 54,14% com renda de até um salário mínimo. Além disso, o programa aumentou o acesso às universidades em cerca de 25%.  Entre os alunos que utilizam o Fies a evasão é 3,5 vezes menor do que entre os estudantes não beneficiários do programa.

Mesmo com o expressivo aumento no número de financiamentos nos governos Lula e Dilma, o Fies não acompanhou o ritmo da demanda por acesso às nossas universidades. Esse gargalo se expressa, todos os anos, nos milhares de inscritos no Enem (Exame Nacional do Ensino Médio). Para se ter uma noção do volume, este ano, mesmo após o aumento abusivo das taxas de inscrição em 2017, e do esvaziamento parcial do exame, que parou de certificar a conclusão do ensino médio, em apenas uma semana quase 3,8 milhões de pessoas se inscreveram.

Em geral, anualmente, são cerca de 8 milhões de inscritos. Falamos de uma massa de pessoas que fazem o Enem com o sonho de entrar em uma universidade, já que o exame, no governo Lula, passou a ser o grande caminho de oportunidades, servido de forma republicana como porta de acesso a políticas como o Sisu, na rede de universidades e institutos públicos federais, a lei de cotas, o ProUni e o próprio Fies. Esse grande número de inscritos representa um contingente de 14,3 milhões de estudantes, entre 18 e 29 anos, que terminaram o ensino médio e não chegaram à universidade, somados a mais de 2 milhões de concluintes do ensino médio todos os anos.

O financiamento estudantil existe na maioria dos países desenvolvidos e, no caso brasileiro, só foi viável com subsídios públicos, em função das abusivas taxas de juros praticadas pelo sistema financeiro. É evidente que um programa como o Fies é absolutamente indispensável, se observarmos os dados do IBGE que apontam que apenas 1,3 % dos 20% mais pobres da população brasileira são diplomados pelo ensino superior, em contraste com os 37,3% dos 20% mais ricos.

O financiamento estudantil existe na maioria dos países desenvolvidos e, no caso brasileiro, só foi viável com subsídios públicos, em função das abusivas taxas de juros praticadas pelo sistema financeiro

O problema fundamental de acesso não é a disponibilidade de vagas, mas a renda familiar. Os programas de acesso dos governos Lula e Dilma, especialmente o Fies, que tem o maior alcance social, aumentaram em 23 vezes a oportunidade dos jovens das famílias que estão entre os 20% mais pobres de chegarem ao ensino superior.

Os críticos do modelo inclusivo do Fies, criado pelo governo Lula, apontam como grande problema a inadimplência do programa. Essa mesma matéria do G1 aponta que mais da metade dos contratos em fase de amortização estava com pelo menos um dia de atraso no pagamento em fevereiro, um critério inusitado e que não considera as normas legais do próprio Banco Central e internacionalmente reconhecidas. A inadimplência pelo estudo do Banco Central e Ministério da Fazenda de 2017 está em 16,4%.

Um ponto que quase nunca é colocado no debate diz respeito ao fato de que o crédito do Fies representa menos de 3% do total de crédito público subsidiado e ofertado para atividades empresariais, imobiliárias, agrícolas ou infraestrutura, que já supera R% 1,7 trilhão. Além disso, deixam de mencionar que a inadimplência está alta para todas as modalidades de crédito, resultado da recessão e desemprego, não só para o Fies. Outro ponto a ser considerado é que uma parcela significativa dos contratos do programa é resguardada por um fiador pessoal.

Ademais, o pessimismo em relação à retomada do emprego e da renda no governo Temer é desolador. Pesquisa CNT/MDA, divulgada no dia 14 de maio, diz que 31,5% dos entrevistados acreditam que a questão do emprego deve piorar nos próximos seis meses. Outros 43,4% acham que permanecerá igual.

Os programas de acesso dos governos Lula e Dilma, especialmente o Fies, que tem o maior alcance social, aumentaram em 23 vezes a oportunidade dos jovens mais pobres de chegarem ao ensino superior

Em um cenário de recessão e de crise, que foram aprofundadas pelo golpe parlamentar, jurídico e midiático de 2016, o acesso ao crédito estudantil constitui-se como uma ferramenta estratégica de superação das dificuldades do país. O Estado deve garantir que os jovens continuem estudando para que retornem ao mercado de trabalho em um ciclo econômico mais favorável. Trata-se de uma oportunidade para os jovens e de maior eficiência e produtividade para o país.

Infelizmente, no governo Temer, a educação deixou, há tempos, de ser prioridade e de fazer parte da pauta estratégica do país. Os governos Lula e Dilma aumentaram em termos reais, acima da inflação, em 206% o orçamento da educação. Os governos Dilma chegaram a investir R$ 54 bilhões acima do piso constitucional. A PEC 95, que instituiu o limite do teto de gastos para o setor público, para os próximos 20 anos, terá consequências ainda mais dramáticas, porque representa, inclusive, a revogação do piso constitucional para a educação.

No Brasil do golpe, o sonho dos mais pobres acessarem e cursarem uma universidade parece cada vez mais distante. Por isso, somos obrigados a nos deparar, cotidianamente, com números pífios, como o do “Fieszinho” de Temer. Diante dos fatos, é inegável que a política educacional do governo ilegítimo exclui os mais pobres da educação superior e retoma o perverso caminho de perpetuação de privilégios históricos e do apartheid educacional, em que só os filhos das elites e da classe média conseguiam se tornar doutores.

Danilo Molina, jornalista e servidor público de carreira, foi assessor da Casa Civil da Presidência da República, do Ministério da Educação e do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira)

 


(2) comentários Escrever comentário

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João Junior em 17/05/2018 - 23h04 comentou:

Todo golpe de Estado é contra os pobres, não contra a pobreza. Digo, e digo bem, que a única finalidade de um golpe de Estado é manter os ricos confortavelmente posicionados onde sempre estiveram, na elite econômica, valendo-se da desigualdade para manter luxos e poder. Um golpe de Estado é caracteristicamente imoral exatamente por mirar este resultado. Por isso, políticas públicas que visem a distribuição de renda e a redução da desigualdade social são duramente combatidas pelos ricos e pela classe média, chegando ao extremo de apoiar um golpe de Estado.

Nesse sentido, em que manter a pobreza é uma meta, programas como o FIES se tornam alvos estratégicos. Por quê? Por que o FIES tem o potencial de aumentar a oferta de profissionais qualificados, reduzindo os rendimentos da classe média, que tem os rendimentos determinados exatamente da mesma forma que o tem o pedreiro, pela lei de oferta e demanda. A classe média, bem instruída, sabe antecipadamente que os rendimentos dela cairão quando ocorrer um aumento da oferta de mão de obra qualificada por causa da tal lei da oferta e demanda. A classe média, então, age pela proteção do mercado em que atua para proteger os próprios rendimentos, pela manutenção da oferta da sua mão de obra em baixa com relação à demanda. Por isso que a classe média, de profissionais liberais, age contra a popularização do conhecimento.

Já os ricos, que teriam todo o interesse de remunerar os profissionais liberais pagando-lhes menos, observam a economia de outro patamar e acabam unidos à classe média no golpe por outra razão. Que razão é essa? A razão de que o jogo econômico que interessa à elite é o da política. Podemos dizer que é um outro nível. E é mesmo, observe. Para os ricaços interessa uma de duas coisas, ou as duas, a realização de negócios com o Estado ou não competir com o Estado, às vezes até tirando o Estado do mercado, o que se consegue pela privatização. Isso porque os ricos pensam em reduzir custos e riscos, e garantir grandes lucros ao mesmo tempo, e a forma usual de negócios com o Estado, a licitação, gera concorrência e uma busca pelo menor preço, para quem olha do ponto de vista do demandante, o Estado. Evidentemente que, do ponto de vista das elites econômicas, as formas de fazer negócio com o Estado, ou de competir com ele, impedem o máximo lucro.

É da união desses interesses que elite e classe média unem-se no golpe contra o povo, para impedir a distribuição de renda e a redução da desigualdade porque isso afetaria, no médio e longo prazo, os interesses individualistas de cada um deles.

É a união dos ricos e da classe média que nascem preconceitos, com o objetivo de manter as coisas como estão. Os pobres garantidamente pobres, e os ricos e a classe média desfrutando do poder econômico que só a desigualdade lhes dá.

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Sergio em 18/05/2018 - 11h18 comentou:

Ou entra alguém que de fato acabe com círculo virtuoso e vitorioso do capital financeiro, ou é daí para pior! Não pode vir com o “Lula” e “Dilma” de outrora, que agradaram imensamente o capital financeiro, onde os bancos tiveram lucros maiores até que o governo tucano, e dá aos pobres 90 merrecas!

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