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Direitos Humanos

Que país vai atacar o Brasil para “salvar” nossas próprias mulheres e LGBTs?

Números de execuções no Irã são ínfimos comparados aos feminicídios e assassinatos de homossexuais que ocorrem aqui

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Cynara Menezes
09 de janeiro de 2020, 22h27

O conflito Irã-Estados Unidos, iniciado após o assassinato do general Qasem Soleimani no início do ano por um bombardeio norte-americano no Iraque, tem mobilizado as redes sociais brasileiras em relação aos direitos humanos no país dos aiatolás. Muita gente que nunca se preocupou com os direitos humanos no Brasil e que volta e meia ataca os defensores dos direitos humanos manifestou apoio ao ataque de Donald Trump “para libertar o povo da ditadura iraniana”, a exemplo daquele colunista do Estadão que já comparou a união civil homossexual ao casamento entre cabras.

É verdade, as leis iranianas são mesmo anacrônicas e a pena de morte por enforcamento continua valendo no país em pleno século 21. Um homossexual pode ser condenado a chibatadas e à morte no Irã apenas por ser homossexual. Em junho de 2019, o ministro das Relações Exteriores, Mohammed Javad Zarif, foi questionado por um repórter do Bild em uma entrevista coletiva ao lado de seu homólogo alemão, Heiko Mass, em Teerã: “Por que os homossexuais são executados no Irã em função de sua orientação sexual?”

E reafirmou as políticas do país. “Nossa sociedade tem princípios morais. E nós vivemos de acordo com estes princípios. Estes princípios dizem respeito ao comportamento das pessoas em geral. E isto significa que a lei é respeitada e obedecida”, disse.

Entre 2011 e 2018, 4.422 pessoas foram assassinadas por sua orientação sexual, o que dá 552 mortes por ano. Uma pessoa é vitimada pela homofobia a cada 16 horas no Brasil. Ou 16 vezes o número total de execuções no Irã no ano passado

Em dez anos, de acordo com a Iran Human Rights, uma organização baseada na Noruega, 6 mil pessoas foram executadas no Irã. Em 2018, quase 70% das 273 execuções foram por assassinato e 8,4% por estupro –só no primeiro dia de 2020, oito homens foram enforcados por matar alguém. O Irã é o segundo país onde mais se executam pessoas no mundo, atrás apenas da China. Embora nos últimos anos as execuções em geral venham caindo, as de jovens infratores, condenadas na maior parte dos países, sobem: pelo menos seis menores infratores, foram executados em 2018, segundo a entidade, uma execução a mais do que no ano anterior. O relatório não informa nenhuma execução por homossexualidade.

Mesmo que se admita a possível maquiagem feita pelo governo iraniano nas razões para estes enforcamentos, os números se mostram ínfimos comparados aos feminicídios e assassinatos de homossexuais que ocorrem cotidianamente no Brasil. É nosso país que é um dos campeões mundiais em assassinatos de LGBTs, não o Irã. Entre 2011 e 2018, 4.422 pessoas foram assassinadas aqui por sua orientação sexual, o que dá 552 mortes por ano. Uma pessoa é vitimada pela homofobia a cada 16 horas no Brasil. Ou 16 vezes o número total de execuções no Irã no ano passado.

Nos últimos oito anos, ao menos 868 travestis e transexuais foram assassinadas, colocando o Brasil no topo do ranking dos que mais matam pessoas transgêneros no mundo. O Irã não aparece na lista porque, paradoxalmente, desde 2008 as operações de redesignação sexual são autorizadas e feitas com apoio do Estado, o que lhe rendeu o título de país onde mais são feitas cirurgias de mudança de sexo depois da Tailândia –o que não deixa de ser uma violência, já que muitos homossexuais iranianos são estimulados a mudar forçosamente de sexo para evitar problemas com a Justiça.

Hoje temos um presidente da República que, se não manda executar LGBTs diretamente, estimula a violência contra eles com declarações como “filho gay é falta de porrada” ou que seria “incapaz de amar um filho homossexual”

Quanto aos feminicídios, uma mulher é morta no Brasil a cada 8 horas por seus companheiros ou ex-companheiros; em 2018, foram 1.173 as vítimas de feminicídio no país, de acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Ou 4 vezes o número total de execuções no Irã em 2018. Apenas nos últimos meses de 2019, 200 mulheres foram vítimas de feminicídio em cinco Estados pesquisados pela Rede de Observatórios: Bahia, São Paulo, Rio de Janeiro, Ceará e Pernambuco. Somos, segundo a ONU, o quinto país onde mais se matam mulheres por questões de gênero, ou seja, por feminicídio.

Obviamente é difícil comparar uma decisão governamental de executar pessoas, como a do governo do Irã, com execuções feitas por indivíduos, como acontece no Brasil. Mas e a omissão do Estado nestas mortes? Hoje temos um presidente que, se não manda executar LGBTs diretamente, estimula a violência contra eles com declarações de que “filho gay é falta de porrada”, que seria “incapaz de amar um filho homossexual” e que preferia “um filho morto num acidente do que com um bigodudo”. E que favorece a violência contra a mulher ao zombar da palavra “feminicídio” (para ele, “mimimi”) ou dizer a uma deputada que não a estupraria “porque não merece”.

Eu me pergunto o que fazem os que agora se mostram tão preocupados com os direitos humanos dos LGBTs e mulheres do Irã contra os assassinatos dos nossos próprios LGBTs e mulheres. É fato que se matam mais mulheres e mais gays no Brasil do que no Irã. Por que então não defendem a intervenção dos EUA para “salvá-los” aqui mesmo? No mínimo deviam exigir do presidente que elegeram que tente resolver o que está acontecendo em seu próprio quintal, em vez de apontar o dedo para o país dos outros. Acaso a vida de nossas mulheres e nossos LGBTs vale menos que a dos iranianos?

 


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