Um “novo” nome para a velha direita neoliberal que aumentou a desigualdade no mundo
O partido de Amoêdo coloca embalagem laranja em teorias tão anacrônicas que até o FMI já as rejeitou
É comum apresentar as propostas relacionadas ao extremo liberalismo econômico como algo “moderno”, no sentido atualizado, fresco, recém-fundado, inexperimentado. É isso que faz o Partido “Novo”. Suas “novidades” são Estado Mínimo, “menos intervencionista, com menos impostos e menos burocracia”; livre mercado; empreendedorismo; privatizações…
Tudo, na verdade, muito velho.
Depois da Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos, o Japão e diversos países da Europa desenvolveram modelos de Estado que deveriam focar no pleno emprego, no crescimento econômico e no bem-estar de seus cidadãos –inclusive, se necessário para esses fins, intervindo ou substituindo mecanismos de livre mercado.
Isso ficou conhecido como “liberalismo encapsulado”, segundo o qual o mercado e as corporações empresariais deveriam ser rodeados por uma rede de restrições sociais e políticas. O modelo possibilitou altas taxas de crescimento econômico nas décadas de 1950 e 1960, inclusive em boa parte do “Terceiro Mundo”.
O neoliberalismo foi concebido justamente para restabelecer o poder das elites econômicas. Ou, em termos mais diretos, para aumentar a desigualdade social
O princípio do Estado de bem-estar social é redistributivo: onerar as elites econômicas, através da regulamentação e impostos, e redistribuir esses recursos através de políticas públicas e serviços para a maior parte da população.
Esse arranjo pós-guerra implicou em poder econômico restrito às classes altas e em a classe trabalhadora ter um pedaço maior do bolo para si. A existência da União Soviética e o avanço de partidos e de forças sociais de esquerda representavam um risco às camadas privilegiadas de países como Itália, França, Espanha e Portugal, e também como Chile, México e Argentina.
O neoliberalismo foi concebido nesse contexto, justamente para restabelecer o poder das elites econômicas. Ou, em termos mais diretos, para aumentar a desigualdade social.
O aumento da desigualdade com a implantação das políticas neoliberais pode ser visualizado no seguinte gráfico sobre a riqueza do 0,1% da população com maior renda nos EUA, Grã-Bretanha e França, entre 1913 e 1998. A curva descendente mostra a desigualdade se reduzindo; ela começa a subir –os níveis de desigualdade aumentam– a partir da implantação dos princípios neoliberais:
Por isso a enorme falácia apresentada no programa de governo de João Amoêdo, o candidato a presidente do partido “Novo”: “Vamos entender que o brasileiro não precisa de um Estado grande porque é pobre, ele é pobre justamente por ter um Estado grande”. A História desmente essa frase. Quanto menor o Estado, mais pobres há, e os poucos ricos, mais ricos são.
Os intelectuais que deram base ao neoliberalismo foram Friedrich von Hayek, Karl Popper, Ludwig von Mises e Milton Friedman –professor da Universidade de Chicago. O primeiro experimento de implantação do neoliberalismo foi no Chile após o golpe de 11 de setembro de 1973. Apoiado pelo Fundo Monetário Internacional e pelos Chicago boys, Pinochet reverteu as nacionalizações e efetivou privatização de patrimônio público, abriu recursos naturais (como madeira) para exploração privada, privatizou a seguridade social e facilitou investimento estrangeiro.
A História desmente a enorme falácia do programa de governo de Amoêdo, que diz que o brasileiro é pobre “por ter um Estado grande”. Na verdade, quanto menor o Estado, mais pobres há, e os poucos ricos, mais ricos são
Na sequência o neoliberalismo foi implantado na Inglaterra de Thatcher e nos Estados Unidos de Reagan, a partir de 1979. E depois disso quase todos os países, de pertencentes à antiga União Soviética até democracias com Estados de bem-estar social consolidados como Nova Zelândia e Suécia, adotaram alguma versão da teoria neoliberal. Ao final dos anos 1980 e durante os anos 1990 o neoliberalismo alcançou a América do Sul, especialmente o Peru (Alberto Fujimori), a Argentina (Carlos Menem) e o Brasil (Fernando Henrique Cardoso).
A santificação da nova ortodoxia deu-se no Consenso de Washington, em 1990: privatização, favorecimento do investimento estrangeiro, desregulamentação do mercado de trabalho e a redução do papel do Estado.
Isso em muitos sentidos não só não é “novo” como é anacrônico.
No Fórum Econômico Mundial, em 2017, Christine Lagarde, do FMI, em resposta à defesa da austeridade do ministro da Fazenda de Temer, Henrique Meirelles, enfatizou que o Fundo hoje privilegia a redução da desigualdade e a promoção de políticas que a combatam
Depois da crise do capitalismo de 2008, os princípios do CW passaram a ser profundamente questionados, com o descrédito das prescrições centradas da hipótese da eficiência de mercado. Tais postulados não são mais defendidos sequer pelo Fundo Monetário Internacional.
O tema chegou a ser objeto de discussão entre a diretora-geral do FMI, Christine Lagarde, e Henrique Meirelles, Ministro da Fazenda brasileiro, durante o Fórum Econômico Mundial de Davos, em janeiro de 2017. Lagarde, em resposta à fala de defesa da austeridade de Meirelles, enfatizou que o FMI hoje privilegia a redução da desigualdade e a promoção de políticas que a combatam.
O que queremos: combater a pobreza e não necessariamente a desigualdade. Somos, felizmente, diferentes por natureza.
O combate à pobreza de faz com o crescimento e com a criação de riqueza, e não com a sua distribuição.— João Amoêdo 30 (@joaoamoedonovo) December 11, 2017
Ainda assim, as premissas neoliberais clássicas, apesar de questionadas inclusive por seus antigos promotores, continuam em vigência em determinados lugares do mundo. Foram implantadas pelo governo Temer, com suporte congressual. E são defendidas como novidade por boa parte dos atores políticos, inclusive pelo partido “Novo”.
Marina Lacerda é mestre em direito pela PUC-Rio e doutora em ciência política pelo IESP-UERJ.
Este texto se baseou em:
DAVIES, William. 2016. “The New Neoliberalism.” New Left Review 101:14.
HARVEY, David. 2005. A Brief History of Neoliberalism. Nova Iorque: Oxford University Press.
NOBLE, Charles. 2007. “From Neoconservative to New Right: American Conservatives and the Welfare State.” em Confronting the New Conservativism: The Rise of the Right in America, editado por Michael J THOMPSON. Nova Iorque: New York University Press – Kindle Edition, pp. 109-25.
WADE, Robert. 2008. “Financial Regime Change?” New Left Review 53:17.
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Macson Leonni Andrade dos Reis em 05/09/2018 - 22h36 comentou:
Não concordo com sua posição. Como combate a desigualdade social, se a ( elite ) como vc denomina a classe de pessoas trabalhadoras que emprega outra pessoas tem que existir em uma sociedade democrática, no socialismo vc inverter essa sua lógica os líderes nunca tiveram sua renda igual a de um trabalhador comum. O modelo de ideológico que mas tem dado resultados no combate a pobre é o que vc acha que não serve. Só deixando claro as pessoas tem ambição não é um simples socialismo que irão mudar as ideias das mesmas.
Fábio em 06/09/2018 - 09h17 comentou:
O Chile é o país mais desenvolvido da AL precisamente pelas políticas que adotou nos anos 70. Agora, compare com o socialismos do séc. XXI da Venezuela.
Cynara Menezes em 06/09/2018 - 13h52 comentou:
e o mais desigual entre os países da OCDE https://www.eldinamo.cl/nacional/2017/08/07/chile-lidera-desigualdad-en-paises-de-la-ocde/
Elder em 06/09/2018 - 09h39 comentou:
De fato, é uma verdade que o Novo é velho. Um socialismo de direita, que prega que os chicotes do estado devem agir com menor intensidade sobre a propriedade privada.
Fábio em 06/09/2018 - 15h19 comentou:
“A maioria dos membros da OCDE é composta por economias com um elevado PIB per capita e Índice de Desenvolvimento Humano e são considerados países desenvolvidos”
Chile é o mais desigual entre os mais desenvolvidos.
Eu gostaria que o Brasil fosse o mais desigual da OCDE, já seria um avanço.
Homero Mattos Jr. em 06/09/2018 - 16h05 comentou:
“Déficits e endividamentos generalizados, persistência da pobreza em meio ao progresso, lucros pessoais obtidos às custas do prejuízo público, conceitos de eficiência e produtividade distorcidos… Eficiente para quem? …indivíduo, empresa, sociedade?… empresas gigantescas controlam a oferta de bens, criam demandas artificiais por meio da publicidade, e exercem uma influência decisiva nas políticas nacionais.
Mercados livres, equilibrados pela oferta e procura… só existem na cabeça de Milton Friedman.”
http://homeromattosjr.blogspot.com/2011/08/12-humanos-e-nenhum-segredo.html