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Intervenção no Rio de Janeiro: a volta do governador biônico (e militar)

Será o general Walter Braga Netto, interventor militar no Rio, o primeiro governador biônico desde a redemocratização?

Pezão com Temer no Palácio do Planalto. Atônito? Foto: Beto Barata/PR
Cynara Menezes
18 de fevereiro de 2018, 21h27

A partir de 1966, quando se encerraram os mandatos dos governadores em exercício que não tinham sido depostos pelo golpe, a ditadura militar instituiu os cargos “biônicos”: prefeitos e governadores eram indicados indiretamente e empossados, sem eleição. Em 1977, quando o chamado Pacote de Abril institucionalizou os cargos biônicos no Senado (cada Estado teria direito a dois eleitos e um biônico), uma série de TV fazia sucesso: O Homem de Seis Milhões de Dólares, com Lee Majors no papel de um militar que tinha ganhado órgãos artificiais com superpoderes, o “biônicos”. Daí o apelido que os usurpadores ganharam.

O ministro da Defesa, Raul Jungmann, fez questão de garantir que não se trata de uma intervenção militar no Rio. “Não é intervenção militar. Nunca passou isso pela nossa cabeça. É uma intervenção federal, na qual o interventor é um general”

O decreto que Michel Temer baixou sobre a intervenção no Rio de Janeiro traz detalhes que parecem ressuscitar esta época e deixou os brasileiros atentos de orelha em pé. Será o general Walter Souza Braga Netto o primeiro governador biônico desde a redemocratização? Há pelo menos dois trechos no decreto que indicam que sim. O primeiro deles atesta o caráter militar do interventor, algo totalmente fora do padrão nessas situações:

Art. 2º Fica nomeado para o cargo de Interventor o General de Exército Walter Souza Braga Netto.

Parágrafo único. O cargo de Interventor é de natureza militar.

No primeiro parágrafo do artigo seguinte, o decreto também deixa claro que o interventor não estará sujeito às normas estaduais e se subordinará diretamente a Temer, não ao governador Luiz Fernando Pezão:

§ 1º O Interventor fica subordinado ao Presidente da República e não está sujeito às normas estaduais que conflitarem com as medidas necessárias à execução da intervenção.

Em seu discurso, o presidente não-eleito afirmou que tudo havia sido feito em diálogo com Pezão. “A intervenção, registro a todos, foi construída em diálogo com o governador, Luiz Fernando Pezão. E eu comunico que nomeei interventor o Comandante Militar do Leste, General Walter Sousa Braga Netto, que terá poderes para restaurar a tranquilidade do povo”, disse Temer, ao que tudo indica atendendo aos anseios dos setores conservadores da sociedade que pediam “intervenção militar” ao mesmo tempo que bradavam pela queda de Dilma Rousseff. Seguindo à risca os memes de um reaça qualquer da internet, Temer colocou os militares no comando do Rio como se eles tivessem uma solução mágica para os problemas do Estado.

O governador biônico, ops, interventor militar Braga Netto. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Presente à cerimônia, Pezão, no entanto, aparentava constrangimento. A mesma expressão em seu rosto se repetiu no sábado, quando encontrou Temer no Rio. Pezão tinha cara de deposto. Afinal, tudo indica que irá se transformar numa figura ornamental à frente do Estado que governa e para o qual foi eleito. Já teve até jornalista pedindo sua renúncia.

O decreto de Temer diz que a intervenção é apenas na área de segurança pública, mas também afirma que a administração estadual estará totalmente à disposição do general-em-chefe. “O Interventor poderá requisitar, se necessário, os recursos financeiros, tecnológicos, estruturais e humanos do Estado do Rio de Janeiro afetos ao objeto e necessários à consecução do objetivo da intervenção”, diz o decreto.

A deprê de Pezão ao lado de Temer no Rio. Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

O governador havia pedido a Temer uma medida menos drástica, a Garantia da Lei e da Ordem, ou seja, o envio de forças militares ao Rio, mas sob seu comando. Embora tenha dito estar “tranquilo” e não se sentir “diminuído”, Pezão contou que foi o governo quem decidiu pela intervenção e pela nomeação de um militar para comandar paralelamente o Estado. “Sempre fui favorável ao uso das Forças Armadas auxiliando e dando apoio. Eu pedi ao presidente Michel Temer uma GLO ampliada, onde nós pudéssemos ter mais recursos das Forças Armadas. O governo federal alegou que eles precisavam ter o comando da área de segurança pública em seu total”, disse Pezão na sexta-feira, ao deixar o Palácio do Planalto.

A figura de um “interventor militar” com poder de descumprir normas (leis?) estaduais, causou estranheza a juristas, como o governador do Maranhão, Flávio Dino, que é juiz federal.

Professora de Direito Constitucional da Fundação Getúlio Vargas, Eloisa Machado afirmou no Facebook que o decreto é “inconstitucional”. “O Decreto diz, maliciosamente, que a natureza do cargo do interventor é militar. NÃO PODE!”, escreveu Eloisa. “A intervenção trata da substituição de uma autoridade estadual civil por uma federal civil. Não de uma autoridade civil por uma militar. O interventor têm poderes de governo e governo, pela Constituição, até agora , só civil. O interventor pode ser militar, mas se submete às regras e à JURISDIÇÃO civil, ocupando temporariamente cargo civil, como já menciona a Constituição. Deixar que todas as decisões do interventor, durante todo o tempo que durar a intervenção, sejam submetidas à jurisdição militar, é um atentado à Constituição, ao poder civil, à democracia.”

Na época dos governadores biônicos da qual Temer parece ser saudosista, raramente os generais ditadores escolhiam militares para ocupar os cargos de mando nos Estados. Era preciso manter uma aparência de “normalidade democrática” e indicar um civil para os governos servia como uma boa fachada.

O Rio de Janeiro, por exemplo, foi governado por um pastor (vejam que nada começa da noite para o dia), Geremias Fontes, de 1967 a 1971, um economista, Raimundo Padilha (1971 a 1975), e só um militar, o almirante Faria Lima (1975-1979), sucedido por outro civil, Chagas Freitas (1979-1983). Temer, pelo visto, prefere generais.

Mas o ministro da Defesa, Raul Jungmann, fez questão de garantir que não se trata de intervenção militar o que está acontecendo no Rio sem que o Congresso tenha sido sequer consultado. “Não é intervenção militar. Nunca passou isso pela nossa cabeça. É uma intervenção federal, na qual o interventor é um general”, disse. Ah, bom.

 

 


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(10) comentários Escrever comentário

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Sergio Souza em 19/02/2018 - 16h23 comentou:

Há 30 anos os governadores do RJ prometem acabar com a violência no estado. Dos esquerdistas Brizola e Benedita da Silva, passando pelos esquerdas/direitas de oportunidade como Garotinho, Marcelo Alencar, Moreira Franco, Sérgio Cabral… Todos fracassaram! Até a época de ouro da esquerda, tempos de Lula e Dilma, nada de solução para o povo do RJ! Seria a intervenção necessária ou mero populismo?

Além da crise na segurança pública, o RJ enfrenta enormes dificuldades financeiras. Os salários dos servidores estão atrasados. Os serviços públicos estão cada vez mais precários. A intervenção deveria ser mesma só na segurança pública?

Responder

    Cynara Menezes em 19/02/2018 - 20h21 comentou:

    quase todos os citados são do PMDB, mas você acredita que a solução para o estado está na intervenção militar proposta… pelo PMDB

    Sergio Souza em 20/02/2018 - 09h10 comentou:

    Não Cynara. Não acho que a solução está na intervenção não. Mas, alguma medida extrema e emergencial precisa ser tomada para que se controle a violência no país. Não digo que essa medida é a mais certa. Porém, infelizmente, do PMDB ao PSDB passando pelo PT, foram e são incapazes de trazer soluções para o tema, que não são apenas emergenciais e traumáticas, mas de longo prazo: Educação, saúde e boas condições de moradia para a população mais pobre. Sim, aqui no NE é bem pior que no RJ, pode apostar.

Sergio Souza em 19/02/2018 - 17h54 comentou:

E por último… Inicialmente, a questão é fazer o sucessor no RJ. Hoje a demanda por povo é pela segurança. Então um “governo” que por meio de uma intervenção militar, consegue dar essa sensação à população, é meio caminho andado para ser eleito quem eles querem. Porque a rigor, o que mudou no RJ de uma semana para cá? Cenas de gente levando mata leão e sendo assaltada é comum. Não é novidade. Arrastões acontecem toda semana. Explosões à caixas eletrônicos acontecem bem mais no NE inclusive. Então… É mais uma manobra política! Se essa intervenção for bem sucedida, vitória para o PMDB! Se fracassar…

Responder

EUGÊNIO em 19/02/2018 - 20h12 comentou:

… e agora não se fala mais na grana extra dos juízes…

E esses, devidamente avisados e atemorizados pela poder da mídia que os domina, muito bem comportar-se-ão,

pois não?

Responder

Yuri Calixto de Alencar em 05/03/2018 - 17h36 comentou:

Quem é que acredita na conversa mole do senador Lindbergh Farias de que, se o PT voltar a governar esse país, vai a taxar as grandes fortunas e fazer a reforma tributária progressiva?

Responder

Yuri Calixto de Alencar em 06/03/2018 - 11h21 comentou:

Por quê retiraram meus outros comentários? Como, também, o final desse comentário que, por enquanto, ainda permanece: ´´a História só se repete como farsa ou tragédia“ Karl Marx.

Responder

    Cynara Menezes em 06/03/2018 - 12h49 comentou:

    o site tem regras: os comentários são selecionados. se não estiver satisfeito, vá comentar no G1

Yuri Calixto de Alencar em 10/04/2018 - 05h20 comentou:

Meus outros comentários foram censurados por violarem especificamente quais regras?

Responder

    Cynara Menezes em 10/04/2018 - 14h20 comentou:

    o único comentário seu que havia foi aprovado

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